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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

 

FLAVIA QUEIROZ


Nasceu no Rio de Janeiro e vive em Belo Horizonte desde 1972. Publicou os livros de poesia "Círculo de Giz", em 1983 e “Arrumar as Gavetas" (2012).

 

Poemas extraído de

 

SUPLEMENTG. Edição no. 1.576.   Belo Horizonte. MG: Secretaria de Estado da Cultura, Janeiro/Fevereiro 2018. Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

       PARTILHA

 

 

De repente a imensa ausência envolve o espaço
do cenário desolado a ser desfeito,
Tantas fendas entranhadas de perfumes,
Tantas rendas, tantas cenas e costumes
num croché se desmanchando lentamente...
0 espantalho da partilha assombra o peito.

 

Toda a casa se desfolha, se despoja

Idas histórias, dos segredos, dos vestígios.

Nas gavetas dorme inerte o movimento,

as paredes perdem todos os sentidos

e os pedaços se desprendem como pétalas,

viram louça de um jantar sem mais convívio.

 

A mobília ganha novos endereços,
prateleiras pouco a pouco mais vazias...
Objetos pessoais têm novos donos
e as escolhas deixam sobras sem valia
semeadas pelos cômodos - despojos,
fragmentos que se espalham como ilhas.

 

São retalhos de uma vida semeada,
povoada de sentidos, senhas, teias.
Resta a falha que se espalha em cada canto
devassando a solidão que nos espreita.
Pelas gretas o passado acena, assiste,
se esfacela, se despede, despenteia...

 

Essa herança de raízes entranhadas
se desbota como quadro exposto ao tempo.
Sobre a sala o lustre insiste iluminando,
revelando a escuridão desse momento.
A partilha não preenche o oco, a falta
mas ressoa o rastro fundo do silêncio.

 

 

 

 

         HERANÇA

 

 

Herdamos - mais que tudo, herdamos
atravessando descoberta e desatino,
herdamos gestos, atitudes e palavras
a nos moldarem quando ainda e só meninos
impregnados dos semblantes, dos cenários
que percorremos pela vastidão de estórias.
Ouvimos fábulas, parábolas e segredos...
nas confissões há mais derrotas que vitórias.

 

Herdamos hábitos sisudos e rodeios
enovelados nos enredos imprecisos.
Fantasiando um paraíso improvisado
fomos no fundo desse poço e emergimos
salvos por todos os momentos preciosos
que descobrimos nos baús empoeirados.
Enquanto todos os retratos nos sorriam
diziam mais de seus desejos que dos fatos.

 

Herdamos cartas de baralhos e roletas
girando soltas incertezas e receios.
Desmascarando as vãs promessas que fizemos
arderam fogos de artifício e o degelo.

 

Herdamos nome, sobrenome e seu caráter
posto em constante desafio e sobressalto:
equilibristas num cordão de isolamento
voamos soltos do trapézio em cada ato
buscando a mão que nos segure do outro lado,
querendo a rede no invisível desamparo
- um domador que atiça as feras enjauladas,
um caçador que aprende o vento e acende o faro

 

Herdamos - mais que tudo, herdamos
e hoje o que somos se entrelaça nessa herança
revisitada em novo olhar desconcertado
pois no incontido coração dorme a criança.

 

 

 

 

 

Página publicada em agosto de 2019

 

 

 

 

 


 

 

 
 
 
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