POESIA SIMBOLISTA BRASILEIRA
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ERNANI ROSAS
(1886-1955)
Ernani Salomão Rosas Ribeiro de Almeida, nasceu em Desterro, Florianópolis em 31 de março de 1886, mas viveu no Rio de Janeiro desde os 3 anos de idade. Chegou a entrevistar-se com poetas como Luiz de Montalvo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, mas sua poesia é considerada simbolista, tardia. Viveu em Nova Iguaçu, onde morreu em condições difíceis, com o agravante da discriminação por ser gago e homossexual. Poeta em certo sentido hermético, de inspiração mallarmáica. Chegou a ser redescoberto e cultuado pelos concretistas paulistas na busca de uma paideuma nacional.
REINO DESEJADO
Peregrino do Sonho errei Caminhos
que iam ter às Portas da Alegria.
Poeta e Marujo naufraguei sozinho
e a minha Nau fora a Melancolia.
Meus olhos não beijaram a luz da Glória
nem meus lábios chegaram a balbuciar,
quero encerrar-me em vós Portas da inglória
Noite, que é Mar sem-fim a serenar!
Onde as almas na febre de seus lábios
nunca chegam a tocar para matá-la
Na insaciável Ebriez dos lábios
A Olhar amortecendo, sonha e cala
E como Solitário a Tempos-Idos
nosso frescor de lábio sossegado
os Antigos Caminhos percorridos
Peregrino! Da Morte no vencer!
CREPÚSCULO
Toda existência, é ocasional regresso...
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos...
É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!...
Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo...
Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso...
entre o oceano e o Nirvana do futuro!...
CONVALESCENTE
Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude...
Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências...
Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água e eril centelha
sem n´a apagar em fulva alegoria...
Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!...
TÂNTALO DA DOR
Maldita, seja a Arte incompreendida
e a taça do Ideal que nos lacera...
os vinhos de Luxúria e da Quimera
e a báquica eclosão da Luz dorida!
dos tântlos letais e da beleza,
da dúvida do mundo em meu pensar...
os ciclos turvos de íntimas tristezas
que nunca mais se vão para o Luar!
Eo meu cismar romântico e amoroso,
é como um rio fundo rumoroso,
cheio de sombras e de estrelas d´oiro...
P´la maldição dessa sinistra incúria,
maldiz ao fel da vida, como agouro...
Maldita seja a serpe das Luxúrias!
VISÃO
Agoirenta visão da luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!...
E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres – e descrença!...
Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no Tântalo falaz, como bebida...
Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos...
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!...
A MORTE
Sou dos ventres a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo...
Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!
Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso exóticos perfumes...
Encarno a mancenilha em forma ingente!
Sou a sombra do Amor luxuriante.,
Inebrio as cabeças dos amantes...
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!
SALOMÉ
Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta...
dentre o incenso da sombra que oura e arde...
Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal "saturniana"!...
(onde os nardos têm ócio do "Mar-Morto"!)
e ergue-se a lua irial, sibariana...
Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d'âmbar colmado
da via Láctea que su'alma olora...
Numa auréola de Luz e alegoria
Esvaindo-Te em Sonho musicado,
para a glória do "Mal" que a irradia...
LÚCIFER
No espelho encantado do destino
Mais de uma vez me vi transfigurado:
As horas tinham timbre cristalino
E erravam opalizadas no passado...
Não me fato de olha-las, no mistério
Tênues e loiras como a corda flébil
Do violino outonal do poente aéreo,
Que amortece em lilás num corpo débil...
Não me farto de olhar, erro inconsciente...
O solo é de diamante e o espaço um astro...
Vivem mármores d’alma no poente!
Foge-me a luz e se antecipam as horas,
No lago azul há cisnes de alabastro,
E o espelho em que me vi é tudo auroras!...
Perdi-me... Toda uma Ânsia...
"Perdi-me... toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago".
"Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra...
sonho-me Orfeu... o Luar, que me deslumbra...
é marulho de luz na profundeza!..."
Toda a alma do azul esvai-se em lua...
nimba-lhe a face um crepe de Elegia...
É alvor do dia numa rosa nua,
que as minhas mãos cruéis sonham colher...
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer...
Página publicada em março de 2008 |