EMILIANO DI CAVALCANTI
(1897 – 1976)
O seu verdadeiro nome é Emiliano Cavalcanti, mas sempre se assinou Di Cavalcanti, e às vezes Emiliano Di Cavalcanti.
Nasceu no Rio de Janeiro, a 6 de setembro de 1897.
Fez os preparatórios no colégio Pio Americano e no Colégio Militar. Frequentou as escolas de Direito do Rio e São Paulo, mas abandonou o curso jurídico e entregou-se à vida de desenhista e pintor.
Dedicou-se ainda à ilustração de livros, militando de vez no jornalismo.
Teve atuação saliente no movimento modernista, foi mesmo dele que partiu a ideia da “Semana da Arte Moderna”, realizada em São Paulo em fevereiro de 1922.
Residiu ora no Rio de Janeiro, ora em São Paulo, ora em Paris, onde já esteve muitas vezes. Se Di Cavalcanti não fosse por vocação pintor, poderia ser escritor, pois tanto no verso como na prosa revela o dom da expressão aguda e original.
Afora poemas avulsos, escreve um livro de poemas intitulado O testamento da alvorada.
ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS BISSEXTOS CONTEMPORÂNEOS. Organização: MANUEL BANDEIRA.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996. 298 p, 12 x 18 cm.
ISBN 979-85-209-0699-O Ex. bibl. Antonio Miranda
“Bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.” MANUEL BANDEIRA
LADAINHA IMPURA
Perdido no mar
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Rasguei teu vestido,
Roubei teu anel.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Ornei-te a cintura
De conchas azuis.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Sapatos de vidro
Calcei nos teus pés.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Senti o teu corpo
Morrendo no meu.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Marquei no teu seio
A estrela do mal.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Beijei tua sombra|
Teus passos segui.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
De manso alcancei
Teu leito sem dono.
Perdido no mar,
Perdido na terra,
Perdido no céu,
Abri no teu ventre
A cova do amor.
ALI ELA MORAVA
A virgem morena
No lago das cobras,
Os olhos de fogo
Da virgem morena
Queriam desgraças,
Queriam paixão...
O vento açoitava;
As flores dolentes
De espasmo murchavam
A virgem morena
Pedia pecado.
As pernas molhadas
De água cheirosa
Abriam-se em galho
No negro do céu.
Ó seios da virgem!
Dois lírios de ouro.
A virgem morena
pedia pecado.
A virgem morena
É a deusa do mal?
Assim contaram-me no barranco
do Rio Grande.
É aquela que mata
Os homens fogosos
Que tentam beijá-la?
E a morta-viva dos infernos?
Não tem coração nem alma
Aquela que só deseja o dia
E vive na treva?
É ela a rainha de mil desejos flagelada?
A virgem morena
Pedia pecado.
Caíam dos ramos
Os frutos de sangue,
Corujas e bruxas
Dançaram no ar,
As pombas noturnas
Morriam de amor.
A virgem morena
Pedia pecado.
Por que essa angustia
Na incompreendida virgem?
Este céu negro
E o visgo verde das folhas venenosas?
Por que tanta coisa maldita
Cercando o corpo da virgem?
A virgem morena
Pedia pecado.
A morte beijou a virgem;
Gritavam caiporas,
Uivavam as antas,
As onças burlavam,
As cobras mordiam
As ancas das éguas.
Ó gritos de corvos!
Ó risos de loucos!
A morte beijou a virgem;
Nunca ninguém soube seu nome,
Seu corpo virou terra,
A erva daninha
Nasceu pela terra
Com espinhos ferindo os pés dos homens.
A virgem morena
Pedia pecado.
SONETO DOS 50 ANOS
Vejo preso aos astros o véu da prece
O canto desperdiçado e louco a mão
Que morre no adeus. Tudo porém reaparece
Na água da lágrima que atravessa o coração
Aumenta o peso do sonho, a alma cansada
Desfaz-se em sombra em terrível lentidão
Na paisagem parada
Há destroços de aeronaves pelo chão.
Amor perdido! o fim da caminhada
A fonte que cessa de cantar, o fundo
De um vale onde não chega a madrugada.
E dentro da solidão sem esperança
Uma vontade de novo partir por este mundo
Levado pela mão de uma criança.
Página publicada em maio de 2020
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