CRISTINA LACERDA
“A poesia da Cristina me conta muito mais e nos prova que o vazio a gente preenche e o tempo a gente recupera com um pouco daquela transgressão maravilhosa que só as pessoas criativas possuem”. Miguel Paiva
Sobre os poemas da autora escreveu Pedro Paulo de Sena Madureira: “Elípticos, duros, irônicos levam a contenção verbal a um extremo em que, exacerbado,transluz o sólido, implacável conteúdo emocional de cada um deles. A mesma dolorida perplexidade de que nascem os seus versos, se às vezes assusta, não raro vai além de si mesma e, cúmplice, alicia o leitor a trava um pacto com a vida, sem, no entanto, ofuscá-lo frente ao que na vida é sempre fonte de pura, feroz indignação.”
Mistério da pedra
Íngreme
ver
quem sempre
nos sobrevive
Hálito
da pedra
bicho arfante
Bromeliáceas
chupam
o rochedo
de prata
elas morrerão
ele não
Caminho de águas
entranhas duras
à flor da pedra
água e pedra
nuas
Pedra
onde as almas
se incrustam
dentro de mim
me transporto
Fora de mim
só a água
dos meus olhos
avisa
viço
grito de sol
que deseja
fúlgida
a juventude.
Desamparo
a palavra
que não existe
me tortura (falta)
a ausência
do teu olhar
me fura (tortura)
a vida que
não fiz
me falta (assalta)
a morte
que não morri
me assalta (fura)
(De PELE DA PALMA. São Paulo: Siciliano, 1993 – ISBN 85-267-O562-8)
Página publicada em fevereiro de 2009 |