CLAUFE RODRIGUES
Nascido em 1956, está na estrada da poesia desde 1977, ou seja, há 30 anos, quando fez seu primeiro recital. O primeiro livro, "Uma onda engole a outra" (Ed. do Autor) veio dois anos depois, ao mesmo tempo em que atuava com o grupo Bandidos do Céu, do qual faziam parte, entre outros, Mano Melo e Tanussi Cardoso. Depois dos grupos Bazar do Baratos e Madame Suzi, Claufe juntou-se a Pedro Bial e Luiz Petry para fundar o lendário trio Os Camaleões, em 1984, principal responsável pelo ressurgimento dos recitais de poesia naquela época. Desde então, Claufe Rodrigues publicou cerca de 10 livros, entre eles "Poemas para flauta e vértebra" (Ed. Diadorim, 1994), "O arquivista" (Sette letras, 1995), "Amor e seus múltiplos" (Ed. Record, 1997), "Roman-se" (Ed. Record, 2001), "100 anos de poesia" (O Verso Edições, 2001) e "Escreva sua história" (Ed. Five Star, 2004). Em 1999, fundou com Pedro Bial, Mano Melo e Alexandra Maia o grupo Ver o Verso, trazendo mais uma vez de volta a onda dos recitais. Em 2005, estreou o Palavrão, primeiro programa de poesia da TV brasileira, no Canal Brasil. O poeta e jornalista participa com freqüência de eventos literários, contribuindo para popularizar e democratizar a poesia em várias cidades do Brasil. Através da Globo News, TV Futura e Canal Brasil tem sido o maior divulgador do Congresso Brasileiro de Poesia, além de ser o apresentador oficial, ao lado de Monica Montone, do recital “A Voz dos Povos”.
Biografia tomada emprestada de http://poetasdobrasil.blogspot.com/ de nosso amigo Ademir Antônio Bacca.
Recomendado por amigos e admiradores.
“A poesia de Claufe Rodrigues é dessas que nascem diretamente da experiência vivida. Sente-se o homem atrás dos versos, e percebe-se que para ele, como explicitamente afirma, “a vida real existe”. (...) O poeta caminha pela orla, pelas noites, pelo labirinto iluminado das ruas ou pelas trilhas e picadas desertas na tarefa de recolher os seus exatos apontamentos do comezinho ou do espantoso da vida”. ALEXEI BUENO
De
AMOR E SEUS MÚLTIPLOS
Rio de Janeiro: Record, 1997
NOITES SÃO NUVENS
A última pedra de gelo derrete lentamente
lágrimas pontiagudas no copo de bebida.
Sob a solidez da luz ferida,
o cansaço da solidão.
Ouço rock balada
Fumo pela semana inteira
Enxugo a garrafa de uísque.
Altas horas da noite
ainda espero que você me disque,
se é que Deus existe,
que há vida após a morte, negros sóis.
O pássaro que fugi dos meus lábios
agora mora em seus olhos
mas voa por outros lençóis.
NOITE FUNDA
Adentro o cabaré segurando a mulher pela cabeleira.
Sei que ela gosta assim, quando perco as estribeiras
e a noite é nossa casa, alcova, cova rasa.
Peço um uísque puro, ela um dry Martini, os olhos em brasa.
O garçonete, só de biquíni,
aponta no cardápio um coquetel de frutas,
“bundas flácidas”, diz sem travas, estalando a indecorosa língua.
Há tantas portas na noite,
donzelas travestidas de putas
transviados brincando de boneca
e aquela aeromoça, distante,
dançando sozinha, frenética...
O que terá tomado?
Coragem, curare, urucum?
Aspiro o ar puro das beócias e escravas
que oferecem aos marinheiros insalubres
e ardentes larvas de amor.
Adoro a mistura de perfume e suor,
a sofreguidão dos musculosos corpos
nestes inescrupulosos mares,
as ondas humanas balouçando loucamente
no convés do baile.
Canto em louvor dos movimentos
ao vento violento
que arrasta os convivas para o fervilhão da festa.
A vocês, que fazem piruetas na pista
sem merecer rugas na testa,
e a vocês, náufragos que vagueiam na maré como turistas,
aos espíritos submersos dos artistas,
a vocês e contra vocês arremesso estes versos.
VACA
Teta paca
bosta farta
carne fresca,
Eta, mãe dos homens!
TÍTULOS
A biblioteca do mundo inteiro
cabe no meu coração
Todos os livros e palavras
moram na minha boca
São minhocas que migram da terra do nunca
para a terra do nada.
CIOS DE AMOR
Você tem olhos azuis como tuiuiús
e a força de cem formigas.
A boca seduz pela forma
como ressuscita enigmas.
O sorriso é um quintal de sonhos
e o andar um manjar francês.
Vejo nuvens no céu azul dos seus olhos
Será que vai chover desta vez?
PASSEIO NO PARQUE DOS SEUS SONHOS
Havia um carvalho frio e distante
com a copa no Alaska.
Ela perguntou se árvore tinha sexo
por baixo de toda aquela casca.
Andávamos sobre plantas e insetos
e eu respondi surpreso
que nunca pensara a respeito
não a sério, nem a peso.
Ela disse que eu devia olhar para as árvores,
para as pedras,
para as garotas adormecidas nas grutas do lago.
Assim cruzou os galhos que lhe serviam de braços
para, em movimentos absolutos,
transformar-se em ave rara
de folhagens e frutos.
O beijo, vinho de orvalho,
desperta o impávido carvalho
de seus sonhos insepultos.
RODRIGUES, Claufe. Borboletas não dão lucro. Poemas de Claufe Rodrigues. Rio de Janeiro: Livrarias Taurus – Timbre Editores, 1990. 111 p. 14x21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda.
OUTUBRO
Acordei com um sorriso recepcionista
entreaberto nas coxas
Hoje eu não tenho do que me queixar
as vizinhas que se ocupem dos meus problemas
a vida é um eterno ir-e-vir de acasos
com meia dúzia de versos
sou capaz de encher um mar.
Meus bigodes na janela
assobiam os estribilhos da primavera
uma fábrica de fumaça
incendeia os cabelos da paisagem
A canção escapa no canto da cigarra.
RODRIGUES, Claufe. Escreva sua história: antologia poética (1979-2004). Rio de Janeiro: Editora fivestar, 2004. 136 p. 16X19 cm. ISBN 85-98333-04-2 “ Claufe Rodrigues “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A fazendeira e o sol
Acordo tarde, meio-dia
Deito-me sobre a fazenda inteira
De pastos e rebanhos.
Tomo banhos de cachoeira
Em teus cabelos castanhos
Furta-cor de ambientes e energias.
Cavalgo tuas pradarias
Além das cercas e dos horizontes,
Semeio o pão nos teus campos de trigo,
Planto sonhos em tuas colinas,
Desço escarpas no teu umbigo,
Inundo teu vale de sémen e justiça
Ordenho café com leite na casa grande da tua senzala.
Sede sacio no rio de saliva,
E quando a diva noite pede também um nicho
Me aninho como bicho
No abrigo da terra plena.
Douro delícias no âmago da tua pele morena.
RODRIGUES, Claufe. Poemas para flauta e vértebra. Rio de Janeiro: Diadorim Editora, 1994. 64 p. 14x21 cm. Capa: Tatiana De Lamare. “ Claufe Rodrigues “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SANTA BANY DE OLINDA
“Valhei-me, Santa Bany de Olinda,
Livrai-nos do casamento!”
E ela nos responde “amém”, assim mesmo, sem acento.
Eu amei Santa Bany desde o primeiro batismo.
Hoje, na beira do abismo,
vejo a minha fé cambalear,
e um coro de abutres requisitar minha carcaça.
Orai por mim, docinho,
por um pouquinho de graça!...
Lembrai-vos daquela noite de cálices,
na porta do teu convento.
Existe uma passagem secreta
entre a montanha que és e o mar que invento.
O POETA VAI À FEIRA
Lista na mão
coração no bolso
burburinho.
O poeta vai à feira,
entre cachorros, folhas, legumes, lumpens e aleijados.
Mano Melo amassa um cacho de uva
na tentativa de transformá-lo em vinho do Porto.
Petry está na barraca da granja
na dúvida se leva ovos de codorna ou pés de galinha.
Vejo Bial de sobretudo sobre uma montanha de laranjas
espetando com sua bengala de tigre um belo mamão papaya.
Ao lado Jorge de Lima grava um povo-fala com o cego,
o surdo e o mudo,
enquanto uma velha desmaia
e outra mia.
Fernando Noronha troca um quilo de jil[o por um
cacho de banana.
E aqui estou eu, o Rei da Noite de Copacabana
aposentando o verbo em pleno sábado de abobrinhas.
Os poetas fazem a feira, debaixo de uma chuva fina,
e suas cabeças estão cheias de um silêncio
ensurdecedor.
A feira-livre exala um agradável bolor,
neste sábado repleto de fantasmas ociosos.
RODRIGUES, Claufe. O pó das palavras. Poesia. 2ª. edição. Rio de Janeiro: Ponteio, 2010. 112 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-64116-01-6
SOBRANCELHA
A sobrancelha gravita na órbita do olho
hirta e absorta.
Aflita, ela centelha.
Se o mar avança
em ondas de interrogação
levanta seus diques
inclina-se franzida
em forma de não.
E quando as janelas se fecham para mais um dia
repousa em arco perfeito
no ar rarefeito dos sonhos.
A sobrancelha é nossa nudez mais gritante
a caixa-preta que Deus nos deu
para lembrar a todo instante
de tudo que já esqueceu.
SOL NA BOCA
Mais um dia vem nascendo na minha boca
e quem sou eu para amordaçá-lo
sou apenas seu cavalo selvagem
pastando a paisagem enquanto falo
E vem com flores o meu dia
e vem com ninhos e nuvens
e vem com o cheiro da chuva
Com o sol na boca eu me despenco pelas ruas
e me alimento das paisagens cruas
renascidas do cimento
Com o sol na boca experimento
o aroma do amor que exala
de cada corpo em movimento
E vem com noites o meu dia
e vem coalhado de estrelas
e vem com o cheiro da chuva
Mònica, Miranda e Claufe durante a I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA, I BIP – setembro de 2008
Claufe Rodrigues e Antonio Miranda na Livraria Travessa (Leblon, Rio de Janeiro)
antes da gravação de um programa de TV em homenagem (póstuma)
ao poeta Mario Benedetti (19/05/2009).
Página ampliada em maio de 2008., novamente ampliada e republicada em novembro de 2008. e em maio de 2009. Ampliada e republicada em março de 2015.
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