CLAUDIO NEVES
(Rio de Janeiro, 1968) Poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário e professor, é bacharel em Comunicação Social e licenciado em Língua Portuguesa. Publicou pela primeira vez no Jornal de Letras (1988). 2008, estreou em livro com “De sombras e vilas” (7Letras, RJ). Em 2009, publicou “Os acasos persistentes” (7Letras, RJ). Mora em Fortaleza, Ceará, há quase duas décadas.
De
Cláudio Neves
SOMBRAS E VILAS
Rio de Janeiro> 7Letras, 2008
ISBN 978-8575 77475 5
“Cláudio Neves domina as cordas de seu instrumento. Ressalte-se ouso do hendecassílabo, como bem afirmou Paulo Henriques Britto. Ressalte-se a batida dos versos no lirismo no recorte da figura que se impõe no mistério das vidas. E dos ventos.” MARCO LUCCHESI
- Valsa suburbana
No muro a hera,
se calcinada,
se regenera,
e flore tão ela,
tão rente ao que era,
como se não houvesse
na hera a morte,
na morte
a primavera.
- Vila
Seu Pedro morreu roncando.
Dona Hilda, de derrame.
Juquinha, daqui uns anos.
Eunápio foi miocárdio.
Hélio e Mário, um mesmo câncer
metódico, magnânimo.
Seu Paulo reforma o muro
que não verá reformado.
Num prédio, noutro subúrbio,
Judite abrirá o gás,
tomará dez comprimidos.
Ao ocaso, Dona Lourdes,
de ignorado destino,
fecha a janela como se fechasse um livro
- Os mortos
Os mortos não tomam chá
nem sentam
ao piano esquecido aberto.
Os mortos não velam
nossas horas debruçadas sobre suas gavetas.
E, se interrogam fundamente o outro lado do espelho,
sequer nos reconhecem.
Os mortos ficam mortos porque assim se concebem.
E há muito trocaram os porta-retratos
por outras formas, mais refinadas, de desprezo.
- Crônica
Nenhuma lâmina corta mais que a do domingo:
que ela separa
o vento da palmeira, o sol de seu calor
o carro de quem dentro,
o cão
de seu latido.
Nenhuma tão feroz, e tão exata,
e tão moral que elasepara
o tédio do cansaço,
o prestes do irrecuperável,
o som da coisa que lhe é inata.
Nenhuma tão senhora, embora ainda antes de golpeada:
que ela constrange os objetos,
lhes ameaça o excesso e os conflagra,
que em que não há cortar
é onde mais se farta.
- Inhaúma¹
Em certas manhãs abafadas
penso em meus mortos em Inhaúma.
Nas frias, penso-os vivos.
Nas outras, em coisa alguma
Nessas manhãs abafadas, repito o nome Inhaúma,
até pressentir-lhe o horror dos mármores, anjos, cruzes,
sua vocálica penumbra.
Em certas manhãs abafadas, desejo a paz de Inhaúma.
Em certas manhãs, dessas que fazem
mais morte a morte,
mais nada o nada.
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1 Cemitério carioca no bairro de mesmo nome.
Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), Número 26, Ano 14, 2007.
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De
Cláudio Neves
OS ACASOS PERSISTENTES
Rio de Janeiro: 7Letras, 2009
ISBN 978-8575 7761 17 9
“Cláudio afirma, num dos (muitos) belos versos da obra:”dizemos ser à falta de outro nome”. Como todo efetivo criador, ele sabe que a poesia é o reino de assédios e aproximações que jamais se concretizam, pois sempre hão de faltar nomes para estancar a sede do artista”. ANTONIO CARLOS SECCHIN
6
Apenas fora do tempo
o amor é impossível,
mas apenas
em seu curso é que existe.
Habita-o como um rosto
o fundo de um espelho
e como um risco
sua superfície.
9
Deus e o nada
talvez não sejam
excludentes.
Talvez que Ele,
indiferente
à nossa natureza,
apenas nos conceda,
após uma noite
de sonhos concêntricos,
a suprema manhã da inexistência.
14
Que o amor é isso:
saudade sem objeto,
objetos sem ruído,
tempo sem corrosão,
vozes mortas sem aviso,
a morte sem terror:
tudo apenas admitido
sem prêmios nem ruínas.
O amor é isso:
o que escolhe ser,
à revelia de quem o habita.
23
Que hoje tudo é silêncio:
a manhã, a luz
atravessando a jarra de refresco,
esticando
a sombra das cadeiras.
Que hoje tudo é inerente
ao que hoje acordamos sendo:
teu resto de pesadelo,
minha tristeza de que as meninas cresçam,
essa suspeita
de que hoje é sempre.
Página publicada em novembro de 2009; ampliada e republicada em fevereiro de 2010.
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