CESAR CARDOSO
Escritor e fotógrafo, Cesar Cardoso nasceu em 1955 e é formado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Colunista da revista Caros Amigos desde 2003, já publicou textos em jornais literários como o Rascunho, de Curitiba, e em sites como o Cronópios e o Germina. Escreveu para os jornais O Pasquim e Planeta Diário e foi editor da revista Casseta & Planeta. É roteirista de televisão, tendo escrito programas como Tv Pirata, A Grande Família e Toma Lá Dá Cá.
Desde 2009, mantém o blog PATAVINA’S (http://cesarcar.blogspot.com).
Publicou os seguintes livros:
Literatura infantil: A Serra do Sobe-Sobe, Fim da Picada Começo de Estrada e Manu, Ela (Editorial Nórdica) e O Lápis Ladislau (Editora Miguilim).
Poesia: A Nossa Moranguíssima Paixão (Editora da UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Humor: O Pai dos Burros (Editora Salamandra) e, com o grupo Obrigado Esparro, Confusões de Aborrecente e Garotas São Demais, Garotos São de Menos (Editora Frente); Como Educar Seus Pais e Zoando na América (Editora Objetiva).
Como fotógrafo participou das exposições coletivas “Jorge Guerreiro”, da FotoRio/2005, (restaurante Ernesto, Rio de Janeiro, 2005), “DESCLICK – Fotografia Experimental”, (Ateliê da Imagem, Rio de Janeiro, 2005), “Os Trabalhos” (Ateliê da Imagem, 2007), “No Ventre do Azul e Branco – Tempo de Iemanjá” (Centro Cultural Justiça Federal,Rio de Janeiro, 2007) e “30 x 30”, (Galeria Meninos de Luz, Rio de Janeiro, 2009).
E mail: cesarcar@uninet.com.br
Quatro poemas do livro
A NOSSA MORANGUÍSSIMA PAIXÃO
(editora de UERJ, Rio de Janeiro, 1984.)
"O livro está esgotado. E o autor também".
1.
seria algo assim
como matar & desmatar o tocantins
com a clave dos dentes duendes tocar
o sax do céu
em vez disso essas palavras
q não saem do papel
2.
eu queria ser um casal de velhinhos ingleses
e só existiriam tardes
e parentes distantes e pontuais
que nunca apareceriam sempre na hora certa
não haveria nada de imperioso no império
eu socava as tragédias no cachimbo
tudo virava fumaça
e me olhava bordando na cadeira de balanço
a argentina ficaria bem longe
eu só escutaria os risos da minha neta hippie
acampados em algum lugar da propriedade
e balançaria a cabeça rindo de mãos dadas comigo
o olhar do meu dálmata à beira da lareira
aqueceria minhas almas
os casais de velhinhos ingleses, sim, têm alma
e uma reserva de quartos separados no céu
a morte ficaria lá fora no portão
mandaria um convite registrado pelo correio
e eu me ajudaria a subir na carruagem pronta
com um gesto largo de braços:
ladies first
3.
clic
ontem te vi na tevê
no meio de cores & caras
triscateiros vendendo sagüitarras
naturânios babaquários
bostentavam descrediários
cremes & massacrários
falsérios rififando garimpérios
urbelas nosferas maninfetas
fiofóruns frutas trutas & mamutretas
tremilicos bocalculavam
glamores dó-ré-mi-fatais
margente como o quê
o erre o esse & o tê
ontem te vi na tevê
o enterro tava um luxo
& o defunto era você
4.
corpo
a
corpo
no
corpo
há
corpo
no
meu
corpo
nu
há
o
teu
corpo
nu
no
meu
corpo
nuvem
há
o
teu
corpo
nunca
Cinco poemas do livro inédito
COISA DIACHO TRALHA.
1.
pensando na redondilha
naveguei sem ver estrelas
sem tratar de tordesilhas
trouxe no olhar a cegueira
nervos movidos a pilha
cada perda cada queda
era uma nova bastilha
fui o lobo solitário
que abandonou a matilha
fechei corpo vendi alma
o coração – uma ilha
me analfabetizei
desinventei a cartilha
acabei poeta do bairro
escritor da família
acima do peso dos anos
comedor de redondilha
2.
quanto mais moderno
tanto mais caduco
fruta na minha mão
só pra fazer suco
o maior prejuízo
é estar no lucro
esqueci o tempo
mesmo sendo cuco
só se fala em sexo
só se faz eunuco
vou morar no sul
lá em pernambuco
toda raça pura
tem um mameluco
dá carta marcada
eu roubo no truco
até zen budista
guarda seu trabuco
se tô sem tambor
aí que eu batuco
que já fiquei doido
mas não tô maluco
3.
sobrevivente da calamidade
amor não tem cara nem metade
amor coisa diacho tralha
não divide nem migalha
amor silêncio da loucura
todo dia contigo amanhece
amor inferno que você carrega
e desconhece
4.
da fidelidade canina
de tudo, ao meu amor serei atento
os passos, seus olhares, esquecimentos
com tal zelo, e sempre, e tanto
esquadrinho de seu corpo canto a canto
mesmo em face do maior encanto
eu lhe decifre cada entretanto
dele se encante mais meu pensamento
pra impor-lhe as regras do adestramento
quero vivê-lo em cada vão momento
e desventrar cada desvão de dentro
em seu louvor hei de espalhar meu canto
pra que emudeça de vez no espanto
e rir meu riso e derramar meu pranto
até quebra-lhe com o meu quebranto
ao seu pesar ou seu contentamento
hei de infligir um bem maior tormento
e assim quando mais tarde me procure
que seja de joelhos e abjure
quem sabe a morte, angústia de quem vive
saberá me entregar o que já retive
quem sabe a solidão, fim de quem ama
sabe a dor da companhia a ferro e chama
e eu possa me dizer do amor (que tive):
já conheceu o medo de ser livre
que não seja imortal, posto que é chama
e apague mais que a morte de quem ama
que seja infinito enquanto dure
e minta até mesmo quando jure
5.
nascer
o ovo é o câncer da galinha. a galinha é o passado da canja. a canja é o efeito colateral da gripe. a gripe é o escritório do termômetro. o termômetro é o símbolo fálico do suvaco. o suvaco é uma axila que não tem erudição. a erudição é um cachorro sem mato. o mato é o cabelo da terra. a terra é o apartamento da minhoca. a minhoca é o desejo do peixe. o peixe é o homem da água. a água é uma invenção da sede. a sede é uma fome em forma de líquido. o líquido é uma forma de liquidação. a liquidação é a literatura do extermínio. o extermínio é o gozo do poder. o poder é o sorriso da mordida. a mordida é o sexo do dente. o dente é o nocaute do vampiro. o vampiro é o vôo da masturbação. a masturbação é o consumo do sonho. o sonho é a marilyn monroe do sono. o sono é o provisório do eterno. o eterno é a desculpa esfarrapada de deus. deus é o almoxarifado do medo. o medo é o garfo e a faca da coragem. a coragem é o sexto mandamento do cinema. o cinema é o pânico da pipoca. a pipoca é a borboleta do milho. o milho é uma civilização. a civilização é um parto partido ao meio. o meio nunca é igual a seu irmão. o irmão é a diferença da repetição. a repetição é o aprendizado e sua morte. e a morte é o fim botando um ovo
Textos gentilmente enviados pelo autor para publicação, em dezembro de 2010. |