“O poeta quando jovem”. Fonte: www.joaodorio.com
CARLOS LIMA
José (Carlos do Rego) Lima nasceu no Rio de Janeiro em 1945. Poeta e professor de História da Cultura Brasileira na Universidade Estadual do Rio de Janeiro — UERJ.
Luiz Carlos do Rego Lima (Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1945), é um poeta, tradutor, ensaísta e articulista brasileiro. Também é professor de Introdução à Cultura Brasileira e Literatura Brasileira do Instituto de Letras da UERJ.
Carlos Lima é um dos poetas da chamada Geração de 70 da poesia brasileira. Foi editor de 1978 a 1986 de Alguma Poesia, junto com Moacyr Félix e Márcio Schiavo. Vieram à luz dois números no formato de revista e três no formato de jornal. O objetivo foi divulgar a poesia brasileira e também alguns nomes da poesia latino-americana. Houve até uma antologia da poesia cubana, como também de poetas europeus, entre os quais, Dylan Thomas, Pier Paolo Pasolini e Cesare Pavese. Foram ainda publicadas traduções dos poemas de Friedrich Hölderlin e Novalis.
Foi o pioneiro na gravação de mais de trinta poetas, entre os quais, Afonso Henriques Neto, Ana Cristina César, Angela Melim, Armando Freitas Filho, Ivan Junqueira, Lélia Coelho Frota, Octávio Mora, Olga Savary, Ronaldo Periassu, entre outros.
Graças a essa preciosa iniciativa, João Moreira Salles pôde utilizar a gravação dos poemas de Ana Cristina César para o filme Poesia é uma ou duas linhas e por trás uma imensa paisagem, o único registro que havia com a sua voz.
Destacado quadro da universidade carioca, Carlos Lima é responsável por vários encontros destinados à discussão do fazer poético naquele espaço universitário. Organizou, juntamente com os poetas Angela Melim e Renato Casimiro, a antologia Os Arcos e a Lira (Oficina de Poesia Mário Faustino, Letras / UERJ, 1998).
Com o livro Anatomia da melancolia ganhou o prêmio de poesia Revelação-1982 da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
O autor lançou a 13 de outubro de 2008 seu novo livro Genealogia da Dialética da Utopia.
Obras:
• 1977 Cantos órficos, poesia, Ed. Mimeo
• 1982 Anatomia da melancolia, poesia, Ed. Civilização Brasileira
• 1988 Terra, poesia, Ed. Europa
• 1992 Poemas esquerdos, poesia, Eduerj
• 1993 Rimbaud no Brasil, crítica, Eduerj-Comunicarte
• 2007 Phosporos, poesia, Ed. Comunicarte
• 2008 Genealogia Dialética da Utopia, ensaio, Ed. Contraponto
Mais sobre o autor na wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Lima
VEJA TAMBÉM: VANGUARDA E UTOPIA – SURREALISMO E MODERNIDADE NO BRASIL – por CARLOS LIMA – ENSAIOS
APSARA OU NOITE BRANCA
Pues el viento, el viento gracioso
se extiende como um gato para dejarse definir.
LEZAMA LIMA
Dama do escorpião, Apsara
em teus braços numa noite rara
o demônio delicado dos sofismas
brinca nos espelhos obsidianos
com a fatalidade das tuas mãos finas
Apsara a lógica voluptuosa do escorpião
passeia por tua face múltiplas fúrias
e um veneno sutil se instala nos versos
nessas perigosas noites de outubro
Satã vigia seja noite seja dia
a teoria da rosa e seus mistérios
Apsara filha do fogo dança no alto da chama
enquanto a serpente do meu desejo desliza
no chiaroscuro das cinzas do encantamento
há um esplendor rigoroso nesta luz
um furor sangrento nesta selvagem salsugem dos assombros
Apsara terros naufráfio no presságio azul da madrugada
que se ilumina com a lâmpada da saudade
(Ilhéus/Rio de Janeiro, 25 e 26.10.1997)
MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA PÓS-MODERNA
A Carmen da Mata e à turma de Botafogo
A poesia é impossível, fique quieto em sua casa
Dizem que há fome nas esquinas
não saia, ponha grades nas janelas
se saíres leva o teu revólver
vá a um bar da moda peça uma boa dose de cinismo ou de sucesso
mas com gelo, o tédio pode-se pagar com cartão de crédito
tudo isso sozinho pois a amizade não vale a pena
está por fora e além do mais não é lucrativo
o amor nem pensar é um sentimento pré-histórico
e nestes tempos tornado supérfluo e improdutivo
Dizem que há mortes e cultive os espinhos não as rosas
não se impressione é tudo uma questão de estatística
O mundo dos ricos continua em paz
enquanto eles riem e cochicham uns para os outros:
“Nós somos os últimos homens nosso bunkergeist
da lepra do tempo nos mantém desinfetados
e no luxo não morreremos sufocados”
PEQUENA COSMOGONIA AMOROSA DA AVENCA NERVOSA
Amor o que esta carcaça
brunida pela paixão pode fazer
senão ser imolada diante das fúrias
do teu olhar e amar o ritual selvagem
céu e voragem desse teu jeito de caminhar
e a magia das semelhanças reinventar
Amor cega masmorra
todo o sal das renúncias não alcança aqui
o silêncio de sombra das rosas
Amor solar e incendiário
todos os poetas te cantam
fiéis soldados de amarga guerra
Amor única esperança dos desesperados
nesta áspera estrada sem bondade
Amor sacramento cátaro consolação dos puros
mil vezes anoiteces mil vezes amanheces
Amor não mais... depõe tuas armas
que outra paixão terrestre não me doma
o coração já trago dolorido e a alma enlouquecida
Amor nas chagas do tempo andamos perdidos
entre o joio e o sarcasmo
mas perto da tua face sem medo
a vida é o verso mais certo.
(setembro de 1994)
Poemas extraídos de 41 Poetas do Rio; org. de Moacyr Félix. Rio de Janeiro: Funarte, 1998. 512 p. ISBN 85-85781-72-6
LIMA, Carlos. Phosphoros. Rio de Janeiro: Pubicações Comunicarte, 2007. 68 p. 14X20,5 cm. Capa e projeto gráfico: Luciana Choeri. Ex. col. Antonio Miranda. [ José Carlos do Rego Lima ]
Melancolia de Esquerda
a Moacyr Félix
O poder é a pornografia da verdade
é a contravenção da sabedoria
é a legitimação da morte
O poder faz do homem o pior dos últimos homens
é a mentira e a impotência diante da beleza
é a vilania da alma e a moral da imoralidade
O poder só legitima os escravos do poder
é selvagem como um onagro cego
é a insensatez e só vê utilidade na sua inutilidade
é a perversão da vida verdadeira
O poder é a selva selvagem da irracionalidade
é a cloaca que afoga o mundo nas suas fezes universais
o poder põe ovos de serpente em todos os sonhos
A razão da utopia é querer apenas o poder de não ter poder.
Canção Desesperada
"Dentro de mi mismo me lie perdido,
Ciego de Morar una ilusión..."
E. S. Discépolo
Como um cão louco como uma canção desesperada
só no meio do mundo só no meio da madrugada
sob o beijo frio da lua somos despejados da ilusão
(toda saudade é galega e nem toda cerveja é gelada)
tocamos a fímbria da noite desiludidos e sem perdão
Minha poesia, diz a ela, que noite e dia
de amor padeço, sofro, anoiteço
a esperança não é mais irmã da fantasia
Chego cedo do dia já vencido
para dizer essses versos aos teus ouvidos
mas sei que os dentes do tédio ultimam os seus desígnios
A tirania da tua ausência
deixará as noites obscenamente incompletas
a poesia será mendiga sem a pureza dos teus mistérios
já não haverá mais calma no mundo
a paixão desertará da vida
tudo que amarmos nos fará sofrer
Mas esta é apenas uma noite vulgar uma simples canção
no peito de um homem comum num subúrbio qualquer da cidade
e não é bom nos determos nas tentações desta paisagem
fiquemos silentes com o cristal da presença só da presença
neste dédalus o sonho o sonhador a sonhada não se separam nunca
mais.
LIMA, Carlos. Poemas esquerdos. a Dadá, Sempre. Rio de Janeiro, RJ: Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, SR3 – Departamento Cultura, 1992. 12 f. soltas. 12X26 cm. (Poesia na UERJ) Programação visual: Sidney Rocha
Poema Esquerdo
a Adamastor Camará Ribeiro
luz na memória
Aurora naqueles meus olhos de 1968
num céu de sombras deixados
o que foi e não retorna
sob chuva vento ou sol
é a prata daqueles dias
discussões, revolta, poesia - luas frias
cavalos cegos na madrugada da carne
Uma estrela vermelha no peito iluminava:
"o tempo dos sonhos não chegara
era preciso ocultar o amor"
Apesar da pouca sorte
amava mais a vida que a morte
a indesejada não me levou
deixou-me contar histórias de vidas apagadas
infância de padres e pátios
castigos capturas quarto escuro
lábios queimados no cristal das trevas
o que era e sou não nego poeta e comunista
a vida não foi outubro
mas de outras cores não me cubro
Ofício Terrestre
a Renato Casimiro
Na minha vida só a poesia conta
o máximo de impossível no possível
não a vida em conta-gotas
entre o cão e o lobo
poesia no entreposto do inferno geral da fala
Já dizia o poeta Bertoldo
fundar ou assaltar um banco
qual o maior roubo?
Ah meu amigo
a melhor juventude é sempre um doce inferno
e os velhos só têm a avareza sofisticada dos equívocos
Deus é mau, já sabemos, basta olhar para os homens:
por isso quem nestes esgotos
ainda é capaz de inventar canções?
A noite é apenas uma mendiga mentirosa
nestes lares nestes bares
na poesia de todos os lugares
Garçom, por favor sem bronca
bota a vida na minha conta!
Página ampliada e republicada em junho de 2018
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