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BRUNO CATTONI

Foto:  Li Monteiro

BRUNO CATTONI

 

 

Desde a mais tenra idade, começou a escrever poemas, tendo publicado vários livros de poesia. Como jornalista, é editor de textos da Central da Rede Globo de Jornalismo. É engajado também em ONGs de caráter social, inclusive seu último livro retrata o cotidiano em um depósito de lixo das pessoas lá envolvidas.

 

Recentemente esteve num evento em 2008, como convidado na UERJ, organizado pelo Instituto de Letras daquela universidade. Participa de recitais desde o início da década de 80.

 

Foi curador de três festivais nacionais de poesia no Circo Voador no Rio de Janeiro. É também um dos responsáveis pela fundação do Grupo pela Vida, além de membro do Movimento Humanos Direitos.

 

“Bruno Cattoni é um poeta possuído pela palavra. Sua poesia gravita entre o lirismo encantatório e a inquietação visionária.  (...) Desde a estréia, demarca seu estilo optando por um verso largo, de ritmo quase bíblico, de alta densidade emotiva e inquietação social, caminho raro nos poetas surgidos no Brasil, depois dos movimentos fomalistas.” Salgado Maranhão

 

 

 

CATTONI, Bruno.  Osso (na cabeceira das avalanches).  Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.   83 p.  ISBN 85-7577-185-X    Col. A.M. 

 

Unhas sujas

 

Tempo esgarça, tempo não passou

Que ele é farsa, transposta a massa

E o peso dos anos, depois da evolução.

O vento da praça tem poeira

Já não encontro palavra na nevasca

Vislumbro um deus que dança sem tempo

Nenhuma mudança me basta.

Não há o que mudar, para onde

Quando o tempo é novo e a ré me embaça

Pratos cravados na areia

Comeremos o esquecimento.

Ventre digere o que caçávamos

Que vivente abatemos?

Como posso lembrar de mim com fome

Se tempo algum se insere no que fui

Nuvem, bruma, urna espuma na fumaça

Mãos levitam numa procura escassa

Têm as unhas sujas de cavar o tempo

O que ficou foi como jaça

Rachaduras na memória que se espaça

Tempo evanesce, inda que tempo nasça.

             (Osso (na cabeceira das avalanches)), 2005)

 

 

POEMA SOBRE O VAZIO

 

Escrevi um milhão de poemas no tempo-espaço de urna vida

Sobram seis versos.

Afiei um milhão de facas nas pedras que se me interpuseram

Sobra a estrada.

Matei milhares de animais para matar minha fome

Sobra um ser de nada

Soletrei tantos alfabetos que nem mais me comunico

Sobra a palavra amor.

Expulso do tempo, ando com um estrépito de asas no crânio

Não sei qual delas é par da alma, nem quando

Erguer-se-á, pela janela dos olhos, no vento que não enxergo.

 

                   (De OSSO – na cabeceira das avalanches)

 

 

 

CATTONI, Bruno.  Kalusha.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2002. 121 p.  12x19 cm.   ISBN 85-7388-318-9    Col. A.M.

 

 

FINIS TERRA

 

Grelo ferido em pane aterrissa

em línguas de terra e leva ao coração

o lixo dos escambos.    

Ela decompôs o fermento do pão da carne

na luta pra não amanhecer.

Teve um infarto

e seu olhar escorreu como um óleo

se misturando às lágrimas que já secavam.

 

Todos os grandes desatinos esbarram na densidade

de uma mulher sozinha na tempestade.

Linda, mas num complexo letárgico,

chega à margem dos temores

e vê os ossos dos segredos boiando na água da memória

— impermanências da matéria cansada.

 

Aquela voz tão grave só se escuta agora no espelho,

longe das eternidades planas,

das águas fixas, das palavras de pedia.

O rio andarilho se perde

remedindo os espaços etéreos.

E o amor se abandona como tema:

descansa, ilha debruçada

sobre o cinza do oceano ensolarado.

 

                                      (Kalusha, 2002)

 

 

CATTONI, Bruno.  Silêncio de girassóis: Uma aventura solidária no ixão do Morro do Céu.  Rio de Janeiro: 7Letras,  83 p,  14x21 cm.  ISBN 978-85-7577-397-0   Col. A.M.

 

QUINTA PARTE

 

O amor não é se ver livre de todos os laços!

Quero usar a parábola de Edith para mostrar

Que amor não é se livrar do que está ao lado.

É compartilhar a combustão das lidas em nós,

Não sou eu que faço, o fazer me faz e refaz.

 

Se eu estou doente, a Humanidade adoece.

Ao me curar, salvo um órgão do corpo geral.

O lúcido lírio não quer um prêmio de honra,

Sua honra é violar o lixo, e de lá demonstrar:

 

Ninguém tem de sofrer mais do que sofre.

 

Então, meu sonho perto está de todo sonho

Menos pelo conteúdo que pela força do ato.

Sonho com meus desejos, outro com os dele,

Mas sonhar é uma coragem, tal como amar.

Não sonhar, covardia inconcebível, a saber.

 

Se uns não sonharem, outros vão sofrer,

Se uns sofrerem, só alguns vão sonhar.

Sofrer pelos nossos sonhos é dividi-los,

Logo não sofreremos, por desnecessário

E sonharemos sempre, por imperativo.

 

Sonhar não é bom nem ruim, é o mais real

Amar não é tão bom nem ruim, é ser livre

E ao sermos livres, soltamos as jornadas

Para a qual já partimos — tentar o sonho

É como entrar no lixo, livres para amar.

 

Amor funda a origem, e dela redunda

Ser mais, quando nada esperamos ser,

Falar quando mais nada remos a talar,

Abrindo-se à inutilidade consequente,

Efetuando o ato gratuito, e de repente.

 

Relativo, dúbio, volátil, incompleto,

Invicto, justo, perfeito e duradouro,

Ele serve ao seu jogo mais secreto,

A trama da possibilidade que sana

Quando o amor se perde. Ou não se ganha.

 

                            (Silêncio de Girassóis... , 2007)

 

 

 

 

Página publicada em junho de 2009


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