BRASIL BARRETO
“Brasil Barreto é um militante da poesia oral, recitativa, que de tempos em tempos
resolve brindar seu público com a coletânea de seus versos”. VALENTE JUNIOR
“Há um quê de dança e fogo na lírica de Brasil Barreto, cheiro de coisas vividas.
Assim se faz a lavra de um poeta que ajusta seu canto entre as fagulhas do tempo
e as farpas da vida. SALGADO MARANHÃO
“Seus poemas parecem querer recompor identidades estilhaçadas, vozes sem
dono, medos injustificados e passados trôpegos nas calçadas de pedras
portuguesas de desenhos plásticos incompletos. CARLOS NOBRE
“A poesia de Brasil Barreto é vinho fino para a massa. Brasil e Brasil, o país e o poeta seu cidadão, unidos num só pelos mistérios das profaníssimas dupilicidades. Brasil Barreto, sem dúvida mais fácil de administrar que o Brasil país. Bastam um computador e uma idéia na cabeça. E musas. Que sem elas fica impossível.”
Mano Melo
Gotejo |
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sentidos |
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na madrugada |
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degelo |
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tua alma |
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na chuva |
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densa |
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escoada |
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na cama |
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cavalgo |
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nas horas |
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despidas |
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que nos |
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sobram. |
DESSEMELHANTE
Longe sobrevoa a ave
no claro e aceso espelho
das águas da baía,
enquanto abrigo em mim
tortas lembranças
além dos dias recolhidos
em meu próprio existir.
Sinto o derreter das horas
que tudo dilui por aqui,
nesse vago trânsito.
Tenho gosto por esse
interminável vai-e-vem.
O tempo que nada espera
ora acalma, ora desespera.
Extraído de CADERNO DE POEMAS (Rio de Janeiro: Edições Kalamares, 2004).
QUEDA LIVRE
Permita que se esvazie
como um anjo de masmorra,
partido será o grito
nesse mar de granito.
Como uma rês em osso
soçobro nos ecos dos tempos
d'uma flauta de vértebras,
nas curvas do vento.
Sou palavra em queda,
refletida no fundo do poço
não fale, pois eis que
nada, já não ouço.
Ainda ao fim de hoje
serei como palavra
em eterna queda livre.
CIDADANIA FUGIDIA
Elites brancas
negras elites
brancos e pretos
fazem conversações.
Enquanto findo
sem cor, sem raça
híbrido como o sapo
sou povo na praça.
Sou sonho mestiço
mística mistura
como feitiço.
Sou moreno,
sem antídoto
para o veneno.
Sou mulato
meio tom
tom exato.
Sou a fuga
no meio da noite
sem disfarce.
No próximo ato
pardo me desfaço
em novo salto.
Extraídos de FARPAS & FAGULHAS (poemas novos e usados). Rio de Janeiro: Edições Gira Mundo, 1996.
De
ESTIVA DE VERSOS E VÔO
(NOVOS POEMAS)
Rio de Janeiro: Urbana, 1998.
AZUIS
Me embrenho nos cortiços
levando minhas vogais
nas algibeira de versos.
Ainda me atraem
esses azuis tonais
que nas tardes se fazem
Sigo escrevendo
com os dedos,
nas costas
dos rochedos.
E quando o giz de caulim
não é eficaz,
risco no ar as memórias
desse tempo
que se fez voraz.
SENTIDOS
Calcário como um arrecife
de franjas ao léu submerso.
Coexisto no vazio das bolhas
de ar
nos suspiros das conchas...
Sussurro
entre os dentes
afiados
como lâmina que
perfura.
E quieto fico parado
como amálgama das pérolas
marinhas,
tênue como o borrifar das
sépias.
Olho de soslaio tua silhueta
que teima em ficar aqui,
sugerindo novos sentidos.
REVERSO
Hoje acordei cedo.
Senti o avesso de mim.
Ardi como um sol
num clarão de marfim,
frugal como a luz
flamada no viés da tarde.
Nos meus confins
sou o reverso de tudo
no inverso do fim. |
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