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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SIMBOLISMO

 

 

 

 

 


AZEVEDO CRUZ

(1870-1905)

 

 

JOÃO ANTÔNIO DE AZEVEDO CRUZ nasceu na freguesia de Santa Rita da Lagoa de Cima, município de Campos, Estado do Rio, em 22 de julho de 1870. Após  ter  feito  preparatórios  no Liceu de Humanidades de Campos (atual Instituto de Educação), veio estudar Direito no Rio, terminando o curso na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1895. Foi, ali, colega e amigo de Alphonsus de Guimaraens.

          Com 17 anos publicara os seus primeiros versos, "Teus Olhos" no jornal A Aurora, de Campos, trabalhando em A República e, depois de formado, na Gazeta do Povo e no Monitor Campista.

          Durante a Revolta Naval incorporou-se ao Batalhão Acadêmico São

Paulo. Foi deputado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio e, no governo Quintino Bocaiuva, chefe de polícia, posto em que faleceu, em Nova PFriburgo, às 22,30 horas do dia 22 de janeiro de 1905, sendo enterrado em Campos. Essa cidade erigiu-lhe um mausoléu e, na Praça de São Salvador, uma herma.

          Obtiveram fama em todo o país o soneto " Minha Senhora, o Amor" e o poema "Amantia Verba", em que decanta a cidade de Campos. O seu poema " Floriano Peixoto" causou geral impressão, declamado por ele mesmo à passagem dos funerais daquele estadista.

 

Obra poética: Profissão de Fé, Campos, 1901. E' uma curta coletânea.

Por iniciativa da Academia Campista de Letras, nova seleção das suas poesias foi publicada: Sonho, poesias escolhidas, Coeditora Brasílica (Cooperativa), Rua 13 de Maio, 44-A, Rio de Janeiro, 1943. Contém 60 produções. Nela não foi incluída a poesia declamada nos funerais de Floriano Peixoto, que teve repercussão nacional; e nela foi omitida a característica apóstrofe : "Minha senhora o amor..." sem a qual o soneto célebre começa abruptamente e perde grande parte do seu efeito. Também o prefácio, do escritor Aurino Maciel, mal informado do ponto de vista histórico e desprovido de caráter crítico, não faz sequer referência ao movimento simbolista, de que Azevedo Cruz foi prógono decidido, e que liderou em Campos. A sua admiração máxima, entre os poetas seus contemporâneos, era reservada a Cruz e Sousa, e não — aos parnasianos — citados pelo prefaciador — cuja arte poética ele combatia.

 

 

 

MURICY, Andrade.  Panorama do movimento simbolista brasileiro. Volume 1. Revisão crítica e organização da bibliografia por Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Instituto Nacional do Livro, 1952. 382 p.  Impressão Departamento de Imprensa Nacional.  Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação família de Marly de Oliveira.  

 

 

 

AMANTIA VERBA

 

                                       Ao Pereira Nunes

 

"Esta é a ditosa Pátria minha amada”

(CAMÕES)

 

Campos formosa, intrépida amazona

Do viridente plaino Goitacás !

Predileta do Luar como Verona,

Terra feita de luz e madrigais !

 

Na planura sem fim do teu regaço

Quem poderá dizer que o sol' se esconde ?

Para subir aqui — sobra-lhe espaço!

Para descer aqui — não tem por onde!

 

Oh Paraíba, oh mágica torrente

Soberana dos prados e vergéis!

Por onde passas, como um rei do oriente,

Os teus vassalos vêm beijar-te os pés !

 

De Otelo tens a cólera, alteroso,

E o quebranto das pérfidas sereias:

Ora revel, nas formidáveis cheias,

Ora em tranquilo e plácido repouso!

 

Pelo teu dorso quérulo e undiflavo*

Vogam lamentos como nunca ouvi...

Ecos talvez das lágrimas do Schiavo,

Ou dos tristes amores de Peri !

 

Quanta vez fui contar-te as minhas mágoas

(Tu, rio, és meu irmão, tu também penas!)

Embalavam-me as tuas cantilenas,

O doce arfar monótono das águas!

 

Os meus passeios preferidos lembro :

Beirando o rio, a Lapa, a Igreja, o Asilo,

Toda aquela paisagem, tudo aquilo,

Nas luminosas tardes de Dezembro!

 

O sol, tamanho gasto e desperdício

De tons e tintas, pródigo, fazia,

Que todo o Paraíba parecia

Iluminado a fogo de artifício!

 

Nos tempos do Liceu horas inteiras,

Ao pôr do sol, passava-as no mirante:

Monologavam pelo azul distante

Os perfis solitários das palmeiras!

 

E vinha-me a ilusão que era o rei mouro

O último rei que governou Granada:

Sobre a cidade a púrpura abrasada

E as torres altas, minaretes de ouro!

 

Em caprichosa curva em face, a franca,

A límpida caudal do Paraíba;

E ao largo, alvissareiro, rio arriba,

O traço alegre de uma vela branca!

 

Parecias-me muito mais estreito

Visto dali, talvez pela distância,

Companheiro fiel da minha infância,

Rio que rolas dentro do meu peito!

 

Faixa de opala que a cidade enlaça

Pela cintura, — cíngulo de neve!

Vendo-te, — vê-se bem que a vida é breve !

Corre, vai, rio amigo, tudo passa!

 

Torres de usinas fumegando a um lado,

Para o poente o Itaoca e em cima e ao fundo,

Diáfano sempre, — um céu imaculado,

Céu de safira sem rival no mundo!

 

Noite! A esfera armilar da lua cheia

Do sudário das águas surge ao lume,

E tudo ao luar o estranho aspecto assume

Dos castelos da Espanha sobre a areia!

 

A extrema-unção do luar como que invade

A alma das coisas, sobre tudo esvoeja:

Faz-se toda de mármore a cidade,

Vê-se uma catedral em cada Igreja!

 

Junho, mês dos noctívagos, corria...

Julieta à varanda debruçada

Vinha escutar a flauta enamorada,

Nas horas mortas, pela noite fria...

 

Tudo no olvido cai, tudo fenece,

BANCO DAS CISMAS, tudo cai no olvido!

Teu nome hoje é vazio de sentido,

A nova geração não te conhece!

 

Eras outrora o nosso confidente,

O Parnaso da RODA, a nossa Ermida!

BANCO DAS CISMAS, quanto sonho ardente

Desfeito em fumo no correr da vida!

 

Como o rei Harfagar, meu derradeiro

Sono, em teu seio, mude-se em vigília!

Abrigo e lar dos que não têm família!

Meu amado torrão hospitaleiro !

 

Campos formosa, intrépida amazona

Do viridente plaino Goitacás!

Predileta do Luar como Verona,

Terra feita de luz e madrigais!

 

Nada iguala os teus dons, os teus primores,

Vai de delícias, o teu céu azul!

Minha terra natal, ninho de amores,

Urna de encantos, pérola do sul!

 

1901.

 

          (Profissão de Fé, págs. XV-XXVII.)

 

* Está: "ondiflavo".

 

 

 

 

MARECHAL FLORIANO

 

"Os mortos governam os vivos''

A. COMTE

 

Deixai passar o Grande Morto!

Deixai passar, deixai passar. . .

Sereno vai, sereno e absorto

Vai a enterrar, vai a enterrar!

 

Pois embaraçam-lhe o Calvário

Último? O céu por que se fez?

Que o grande Morto Legendário

Descanse ao menos uma vez...

 

Que a Alma do Herói seja bendita. .

As gerações que vem atrás

Darão ao simples cenobita

Envergaduras imortais!

 

Por que essa Mágoa, essa Dor viva?

O Céu se fez por que razão ?

Uma Alma assim tão primitiva

Não cabe dentro de um Caixão!

 

Talhem no bronze a sua Imagem

E o Monumento seja tal

Que caiba os Preitos e a Homenagem

Deste a assombroso funeral!

 

E o rediviro Americano

Terá, por transfigurações,

Crescido o vulto sobre-humano

Por gerações e gerações!

 

E quando a Pátria um dia tenha

Alguma Dor, algum Pesar,

Em romaria ouvi-lo venha

E a laje fria há de falar...

 

Deixai passar o Grande Morto!

Deixai passar, deixai passar...

Sereno vai, sereno e absorto

Vai a enterrar, vai a enterrar!

 

Recitada pelo autor à passagem do féretro pela

Rua Moreira César. *

 

(Ibid, págs. XXIX-XXXIIL)

 

.* Rua do Ouvidor.

 

 

 

 

MINHA SENHORA,

 

                              o amor

 

degenerou, por fim, numa palavra falsa,

          e hoje já não é mais uma alucinação;

tudo o que o doura e o veste e o transfigura e o realça

da fantasia vem, nunca do coração!

 

E' uma frase feliz no delírio da valsa,

uma chama no olhar, um aperto de mão...

um capricho, uma flor, uma luva descalça

que alguém deixou cair e que se ergue do chão!

 

Disse-lhe isto e esperei. Um silêncio aflitivo,

longo e soturno como os torvos pesadelos,

pairou no espaço como um ponto sobre um i!

 

Dormi; quando acordei vi-me, enterrado, vivo,

dentro da noite má dos seus negros cabelos,

em cuja cerração corre que me perdi !.. .

 

      Do Sonho.

 

                                   (De uma revista da época.)

 

 

MORS SANCTA

 

A Emanuel Moll

 

                              Amor omnia vincit

 

Dobra a finados! Ai Dona Alice!

Lançam-lhe os Padres a Extrema-Unção !

Ninguém diria... Ninguém que a visse.

Tanta Inocência, tanta Meiguice,

Amortalhadas nesse caixão!

 

Leva grinaldas de laranjeira

Na fronte; e o branco vestido seu

Tão bem lhe quadra, de tal maneira

Fá-la bonita, fá-la faceira,

Que nem parece que ela morreu!

 

Ah! Com certeza, nesse abandono

Da morte (e aos mortos o sonho apraz. . . )

Sonha que a levam de braço a um Trono,

E que adormece... Talvez o sono

Da longa noite dos Esponsais!...

 

Lá fora, em Salmos de dor e pranto,

Como a Harpa flébil do Rei Saul,

Murmura o vento no Campo-Santo:

"Será possível que durma tanto?

Que sonho a embala, que sonho azul ?"

 

Pegam-lhe o esquife quatro donzelas...

O "De profundis" ressoa no ar! 

Ai! Que amargura no rosto delas,

Tendo as estrelas por sentinelas,

Pelas estradas, à luz do luar!

 

Nem pesa a carga, de tão ligeira...

Tábuas de pinho que peso têm?

Digam-me, moças: dá-lhes canseira ?

Não fosse o mundo tamanha feira,

E eu só levava-a, sem mais ninguém!

 

Dos Campanários, nos sons plangentes,

Na voz soturna dos carrilhões,

Como que há Loas de Penitentes,

Ânsias, gemidos, mágoas dolentes,

Catedralescas lamentações !

 

Ai! triste dela! Que noite escura

Nas catacumbas dos seus Avós!

Que leito escasso ! Que terra dura !

Nos sete palmos da Sepultura

Que eterna sombra! Que frio atroz!

 

Que há de ser dela que, noite e dia,

Sofreu da Tosse que a fez morrer ?

A pobrezinha que já tossia. . .

Depois de morta, na terra fria,

No álgido túmulo, o que há de ser ?

 

Repousa à sombra das Casuarinas...

Foi para as almas deste jaez,

Puras, inóxias e cristalinas,

Foi para as almas adamantinas

E imaculadas que o Céu se fez.

 

          Do "Sonho", Janeiro 95.

 

(De uma publicação da época. )  

 

 

 

O DESENLACE FQI ASSIM...

 

O desenlace foi assim:

vinha raiando a madrugada,

quando Ela, triste, desolada,

olhos magoados para mim. . .

 

Vinha raiando a madrugada. . .

— Ambos estávamos a sós:

ela esquelética, mirrada,

.quase sumida entre os lençóis.. .

 

Vinha raiando a madrugada. . .

Anoitecia em seu olhar!

Eu tinha a voz entrecortada

de soluçar, de soluçar!

 

Vinha raiando a madrugada,

e melancolizava o ar

uma nostálgica toada

de marinheiros sobre o mar. . .

 

Inofensiva e imaculada!

Pomba sem fel, martírio meu!

Vinha raiando a madrugada. . .

...........................................

E foi assim que Ela morreu.

 

 

1896.

 

(Sonho, págs. 71-72.)

 

 

 

 

PAISAGEM CAMPISTA

 

Aqui, desta eminência, afoito, o olhar, sem peias,

livre discorre: ao longe a floresta de alfanjes

do canavial, e em torno o mais que tudo abranges,

—lagunas e canais, as artérias e as veias !

 

E o Paraíba.— vêde-o! Acaso ao Nilo e ao Ganges

pode ele algo invejar? E os troncos e as cadeias

(Por que — lembrando-o agora, Alma, assim te confranges ?)

da africana tragédia, e as fecundantes cheias ?

 

Ei-lo, amigo, aqui tens todo o cenário em frente:

— a orla azul do Itaoca apenas quebra, ao poente,

a simetria deste* plano horizontal!

 

Ei-la, a estepe infinita onde reina o campeiro

e onde, ao nascer do sol, merencório, no meeiro,

passa o carro a gemer sob o azul matinal.

 

1902.

 

(Ibid., pág. 120.)

 

* Em vez de "deste", está: "feliz do", o que força, ou talvez quebra, o verso. A versão que se adotou aqui está de acordo com uma transcrição do soneto feita no Jornal do Comercio, n. de 24 de junho de 1928.

 

 

 

OLIVEIRA, Alberto dePáginas de ouro da poesia brasileira. Rio de Janeiro: H Garnier, Livreiro-Editor, 1911.   420 p.  12x18 cm  Impresso em Paris por P. Dupont.   Ex. bibl. Antonio Miranda

Inclui os poetas: Frei José de Santa Rita Durão, Claudio Manuel da Costa, José Basílio da Gama, Thomas Antonio Gonzaga, Ignacio José de Alvarenga Peixoto, Manoel Ignacio da Silva Alvarenga, José Bonifacio de Andrada e Silva, Bento de Figuieredo Tenreiro Aranha, Domingos Borges de Barros, Candido José de Araujo Vianna, Antonio Peregfrino Maciel Monteiro, Manoel de Araujo Porto Alere, Domingos José Gonçalves de Magalhães, José Maria do Amaral, Antonio Gonçalves Dias, Bernardo Joaquim da Silva Guimarãaes, Francisco Octaviano de Almeida Rosa, Laurindo José da Silva Rabello, José Bonifacio de Andrada e Silva, Aureliano José Lessa, Manoel Antonio Alvares de Azevedo, Luiz José Junqueira Freire, José de Moraes Silva, José Alexandre Teixeira de Mello, Luiz Delfino dos Santos, Casemiro José Marques de Abreu, Bruno Henrique de Almeida Seabra, Pedro Luiz Pereira de Souza, Tobias Barreto de Menezes, Joaquim Maria Machado de Assis, Luz Nicolao Fagundes Varella, João Julio dos Santos, João Nepomuceno Kubitschek, Luiz Caetano Pereira Guimarães Junior, Antonio de Castro Alves, Luiz de Sousa Monteiro de Barros, Manoel Ramos da Costa, José Ezequiel Freire, Lucio Drumond Furtado de Mendonça, Francisco Antonio de Carvalho Junior, Arthur Narantino Gonçalves Azevedim Theophilo Dias de Mesquita, Adelino Fontoura, Antonio Valentim da Costa Magalhães, Sebastião Cicero de Guimarães Passos, Pedro
Rabello e João Antonio de Azevedo Cruz.   

 

         PSALMO  

O desenlace foi assim :
Vinha raiando a madrugada,
Quando ella triste e desolada,
Olhos maguados para mim...
Vinha raiando a madrugada.

Ambos estávamos a sós,
Ella esquelética, mirrada,
Quasi sumida entre os lençóes...
Vinha raiando a madrugada.

Anoitecia em seu olhar
E eu tinha a voz entrecortada
De soluçar... de soluçar...
Vinha raiando a madrugada.

E melancholisava o ar
Uma nostálgica toada
De marinheiros, sobre o mar...
Vinha raiando a madrugada.

Inoffensiva, immaculada
Pomba sem fel, martyrio meu!
Vinha raiando a madrugada...
E foi assim que ella morreu !!

 

 

 

 

 

 

Página publicada em abril de 2015, ampliada em novembro de 2017

 


 

 

 
 
 
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