| AYRTON PEREIRA DA  SILVA   Ayrton  Pereira da Silva nasceu em 1936 no Rio de Janeiro. Procurador do Estado  aposentado. Publicou poemas em diversas revistas literárias e em antologias.   Extraído de    POESIA  SEMPRE – Revista Semestral  de Poesia. Ano 5 – Número 8.  Junho  1997.  Rio de Janeiro: Fundação  Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura. Departamento Nacional do Livro,  1997.  Ex. bibl. Antonio Miranda   Vocês   Vocês que não  nasceram nestas plagas este recanto de mar contra a montanha
 e não recolheram o azul dos dias
 nem o dobraram como um lençol sem costuras
 depois de branquejado pelos sóis
 nem escutaram o murmúrio dos mariscos
 no seu secreto sacrifício
 sei que é difícil eu sei
 compreender as semanas dessas conchas
 ou mesmo o canto das gaivotas brancas
 que sobretudo gritam num coral
 mas eu sim homem do mar
 antes menino dessas águas
 conheço todos os caminhos sem pegadas
 conducentes além do litoral
 lá onde os anjos apedrejam os pombos
 e se formam os crepúsculos purpúreos
 onde nascem enfim os oceanos.
 Vocês que  desconhecem os enredos dessas musgosas pedras onde rebate  o mar bate e se esbate sei que é  difícil imaginar castelos onde não os  há sob o luar e antever de  longe um fogo-fátuo desses que  brilham intensamente sem brilhar. Esses mistérios  são os dons cativos dos que  nasceram e viveram à beira-mar entre  golfinhos anémonas sereias afogando-se  na secura das areias até a voz  faltar.        Fixando a essência  dessas tardes    Não era eu  mas um outro o habitante das remotas tardes
 de uma rua oculta no planeta
 entre objetos de um sagrado rito:
 a coleção de selos, o vidrilho
 e sobretudo em tudo um raro brilho
 que tornava de sol os teus cabelos
 iluminando os becos sem saída
   não era  outro mas eu o que subia  a passo essas ladeiras margeadas de  casas tantas casas onde ecoavam  sons do dia-a-dia fragmentos  às vezes de sonata pedaços de  frases pelo rádio me  acompanhando no caminho estreito como uma  sombra um cão ou um defeito   mas não sou  eu nem outro o que  apreende ou tenta em fingimento guardar em  si talvez o próprio tempo misteriosa  essência de momentos como um  perfume volátil saudade  portátil que se  carrega dentro feito um  emblema        Intransitável    Daqui se  avista a vida num repente quando o outono punge nas vertentes
 preparando os salões do duro inverno.
 A paisagem da janela é plena:
 um cinza sujo de asa de pombo
 onde as folhas mortas se levantam
 sob o sopro encanado de altas portas.
   É por aqui  que vão-se as esperanças no labirinto dos azuis profundos.
 Só resta olhar as páginas cujas margens
 não conduzem à segurança dos caminhos.
 Pescam-se sílabas ao invés de peixes
 nesse rio de pedras que é o texto
 sempre sujeito aos perigos da semântica.
   Esse fazer é  o infausto ofício de quem  semeia em lavouras hídricas: raramente se  fixam as palavras devoradas  por bocas violentas quando não  jazem no fundo aprisionadas por  correntes de liquens e de algas sob os  auspícios de estrelas opacas.   É imprescindível  preparar as redespara a colheita estéril das linguagens
 que se ocultam sob o claro texto
 camuflagem de riscos incontáveis
 como o canto de sereia das sintaxes
 nos estreitos dos ditongos e tritongos
 ou nos peraus profundos dos hiatos.
   É  a vida que vai fechando o círculoda linha curva que retorna ao ponto.
 Quantos enganos, senhor, nas estações
 a que somente os artifícios desse ofício
 emprestaram o brilho algo postiço
 do relâmpago fugaz dessas metáforas
 que não aquece ou reluz, logo se apaga.
 Essas  visões da neve lá de foraencontram eco no coro das traças
 que devoram vorazes a linha d'água
 assoreando estradas de partida
 no livro-texto da vida cujas margens
 inacessíveis também às arribadas
 são as escalas de uma via intransitável.
     Página publicada em janeiro de 2018 
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