AUGUSTO SÉRGIO BASTOS
Nasceu no Rio de Janeiro. Graduado em Engenharia Metalúrgica e Administração de Empresas. Membro das comissões editoriais dos jornais de literatura Poesia Viva e Panorama (Rio de Janeiro). Publicou: O livro de poemas O branco improvável – Editora UAPÊ (Rio de Janeiro – 2002); Melhores Crônicas de Ferreira Gullar (organização, seleção e prefácio) – Global Editora (São Paulo – 2004); Poesia completa, teatro e prosa de Ferreira Gullar (em colaboração com o organizador geral Antonio Carlos Secchin) – Nova Aguilar (Rio de Janeiro – 2008). Seus poemas figuram em 54 antologias.
“O branco improvável resulta numa feliz e sábia conjugação de rigor construtivo e expansão lírica. [...] A todos esses núcleos o poeta empresta seu estilo absolutamente despojado, avesso tanto à pompa retórica quanto à secura minimalista. A tocante simplicidade de alguns poemas nos remete à vibração lírica de um cotidiano subitamente transfigurado pela luz da poesia, na filiação do melhor Bandeira e do melhor Gullar. Outro fator a ser ressaltado é o equilíbrio do livro: pode-se preferir esta ou aquela seção, mas há que se reconhecer em todas o domínio rítmico, a expressividade das imagens, a um só tempo simples e originais, o controle de um verso que, portador de forte carga emotiva, consegue revelá-la sem por isso enfraquecer-se enquanto construção.”
ANTONIO CARLOS SECCHIN
De
Augusto Sérgio Bastos
À LUZ DA ESTANTE
Rio de Janeiro: Uapê, 2010
79 p. ISBN978-85-85666-87-3
SEXTO SENTIDO
Algumas palavras têm um sexto sentido.
Outras tateiam o chão em busca de chinelos,
nada comunicam.
São próprias pros dias cegos,
adiam a sintaxe
como um gago
ou bêbado
que tropeça no próximo trago.
Fazem do silêncio o seu dia a dia.
Aquelas pertencem aos poetas,
infiltram-se nos textos dos dicionários,
caminham no sentido inverso.
Primas entre si são mutantes,
logo percebem a nossa aproximação,
escapam, nos fazem perder os sentidos.
Muitas vezes não têm correspondentes.
Por exemplo, a palavra amor.
MILKSHAKESPEARE
Hoje não vou fazer soneto
nem me prender ao decassílabo.
Nada contras as formas fixas.
As rimas, se quiserem,
que venham por elas mesmas.
Já que a ideia me fugiu,
me aproprio de uma dúzia de poetas
(dentre as quais o bardo inglês).
É tirar leite de pedra.
Misturo bem no liquidificador:
Milkshakespeare?
Depois
guardo na despensa.
Dispenso,
não penso mais.
No dia seguinte,
sem muito esmero nem tempero,
releio corto risco
e pronto:
mais um poema pra fazer número
e ser esquecido pelo tempo.
SEDUÇÃO
Na sala vazia
penduro a parede nos quadros.
A mesa sobre a toalha
espera as frutas e o vinho.
Por baixo do abajur (lilás)
o retrato envolvendo a moldura.
Estão para cima os pés das cadeiras.
A porta estreita
abre-se no teto
rente ao rodapé.
Pelo chão espalham-se as janelas.
Alguma coisa permanece no lugar:
meus sapatos junto ao beija-flor
e o batom nos olhos da mulher.
FÉ
Desde pequeno
me fiz ouvinte.
Rezo quando preciso
ouço todos os conselhos.
Não tenho a crisma
o batizado não recebi.
Das minhas igrejas
há muito me perdi.
Da vida e da missa
sei metade
-por inteiro só o canto dos pássaros
e esse pé cravado na infância.
Página publicada em junho de 2010 |