Antonio Pereira de SOUZA CALDAS
Prosador, poeta, orador. Nascido a 24 de novembro de 1762, na cidade do Rio de Janeiro, e nesta mesma cidade falecido a 2 de Março de 1814. Aos 16 annos formou-se em Direito por Coimbra.
BIBLIOG. — Obras poéticas, 2 volumes, Paris, 1820-1821, publicação póstuma.
SONETO
Oito anos apenas eu contava,
Quando à fúria do mar, abandonando
A vida, em frágil lenho e demandando
Novo clima, da pátria me ausentava.
Desde então à tristeza começava
O tenro peito a ir acostumando;
E mais tirana sorte adivinhando
Em lágrimas o pai e a mãe deixava.
Entre ferros, pobreza, enfermidade,
Eu vejo, ó céus ! que dor ! que iníqua sorte !
O começo da mais risonha idade.
À velhice cruel (ó dura morte !)
Que faz temer tão triste mocidade,
Para poupar-me descarrega o corte.
Extraído de SONETOS BRASILEIROS Século XVII – XX. Colletanea organisada por Laudelino Freire. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cie., 1913
BRAYNER, Sônia, org. Poesia no Brasil. Vol. 1. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira, 1981. 395 p. 13,5x20,5 cm. Inclui poetas das Origen e Barroco, Neoclassicismo e A rcadismo, Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo e Opre-modernismo. Capa: Eduardo Francisco Alves.
ODE AO HOMEM SELVAGEM
ESTROFE 1
O homem, que Fizeste? tudo brada;
Tua antiga grandeza
De todo se eclipsou; a paz dourada,
A liberdade com ferros se vê presa,
E a pálida tristeza
Em teu rosto esparzida desfigura
Do Deus, que te criou, a imagem pura.
ANTÍSTROFE 1
Na Citara, que empunho, as mãos grosseiras
Não pôs Cantor profano;
Emprestou-ma a Verdade, que as primeiras
Canções nela entoara; e o vil Engano,
O erro desumano,
Sua face escondeu espavorido,
Cuidando ser do mundo enfim banido.
EPODE 1
Dos Céus desce brilhando
A altiva Independência, a cujo lado
Ergue a razão o cetro sublimado.
Eu a oiço ditando
Versos jamais ouvidos: Reis da Terra,
Tremei à vista do que ali se encerra.
ESTROFE 2
Que montão de cadeias vejo alçadas
Com o nome brilhante.
De leis, ao bem dos homens consagradas!
A Natureza simples e constante,
Com pena de diamante,
Em breves regras escreveu no peito
Dos humanos as leis, que lhes tem feito.
ANTÍSTROFE 2
O teu firme alicerce eu não pretendo,
Sociedade santa,
Indiscreto abalar: sobre o tremendo
Altar do calvo Tempo, se levanta
Uma voz que me espanta,
E aponta o denso véu da Antiguidade,
Que à luz esconde a tua longa idade.
ÉPODE 2
Da dor o austero braço
Sinto no aflito peito carregar-me,
E as trémulas entranhas apertar-me.
Ó céus! que imenso espaço
Nos separa daqueles doces anos
Da vida primitiva dos humanos!
ESTROFE 3
Salve dia feliz, que o loiro Apoio
Risonho alumiava,
Quando da Natureza sobre o colo
Sem temor a Inocência repousava,
E os ombros não curvava
Do déspota ao aceno enfurecido,
Que inda a Terra não tinha conhecido.
ANTÍSTROFE 3
Dos férvidos Etontes debruçado
Nos ares se sustinha,
E contra o Tempo de furor armado,
Este dia alongar por glória tinha;
Quando nuvem mesquinha
De desordens seus raios eclipsando,
A Noite foi do Averno a fronte alçando.
ÉPODE 3
Saiu do centro escuro
Da Terra a desgrenhada Enfermidade,
E os braços com que, unida à Crueldade,
Se aperta em laço duro,
Estendendo, as campinas vai talando,
E os míseros humanos lacerando.
ESTROFE 4
Que augusta imagem de esplendor subido
Ante mim se figura!
Nu; mas de graça e de valor vestido
O homem natural não teme a dura
Feia mão da Ventura!
No rosto a Liberdade traz pintada
De seus sérios prazeres rodeada.
ANTISTROFE 4
Desponta, cego Amor, as setas tuas;
O pálido Ciúme,
Filho da Ira, com as vozes suas
Num peito livre não acende o lume.
Em vão bramindo espume,
Que ele indo após a doce Natureza
Da Fantasia os erros nada preza.
EPODE 4
Severo volteando
As asas denegridas, não lhe pinta
O nublado futuro em negra tinta
De males mil o bando,
Que, de Espectros cingindo a vil figura,
Do sábio tornam a morada dura.
ESTROFE 5
Eu vejo o mole sono sussurrando
Dos olhos pendurar-se
Do frouxo Caraiba que, encostando
Os membros sobre a relva, sem turbar-se,
O Sol vê levantar-se,
E nas ondas, de Tétis entre os braços,
Entregar-se de Amor aos doces laços.
ANTÍSTROFE 5
O Razão, onde habitas? ... na morada
Do crime furiosa,
Polida, mas cruel, paramentada
Com as roupas do Vicio; ou na ditosa
Cabana virtuosa
Do selvagem grosseiro? ... Dize ... aonde?
Eu te chamo, ó filósofo! responde.
EPODE 5
Qual o astro do dia,
Que nas altas montanhas se demora,
Depois que a luz brilhante e criadora,
Nos vales já sombria,
Apenas aparece; assim me prende
O Homem natural, e o Estro acende.
ESTROFE 6
De tresdobrado bronze tinha o peito
Aquele Ímpio tirano,
Que primeiro, enrugando o torvo aspeito,
Do meu e teu o grito desumano
Fez soar em seu dano:
Tremeu a sossegada Natureza,
Ao ver deste mortal a louca empresa.
ANTÍSTROFE 6
Negros vapores pelo ar se viram
Longo tempo cruzando,
Té que bramando mil trovões se ouviram
As nuvens entre raios decepando,
Do seio seu lançando
Os cruéis Erros e a torrente Ímpia
Dos Vícios, que combatem, noite e dia.
EPODE 6
Cobriram-se as Virtudes
Com as vestes da Noite; e o lindo canto
Das Musas se trocou em triste pranto.
E desde então só rudes
Engenhos cantam o feliz malvado,
Que nos roubou o primitivo estado.
INCONTI, Dora. Poetas diversos. (Espíritas) 2ª. edição. São Bernardo do Campo, SP: Edições Correio Fratern, 1999. 252 p. 14 x 21 cm Ex. bibl. Antonio Miranda
VERSÃO DO SALMO XXIII
O Senhor é meu pastor,
Nada há de me faltar
No seu magnânimo amor!
Em verdes pastos me deita
Mansamente a me guiar
A doces águas! Deleita
E refrigera minh´alma...
No amor do seu nome santo
Induz-me à justiça calma!
Mesmo que eu andasse em fria
Estrada de sombra e pranto,
Mal algum eu temeria,
Porque Tu comigo estás,
Tua vara me compensa,
Teu cajado me dá paz!
Preparas-me, Senhor Deus,
Festa de amor na presença
Dos adversários meus!
Unges a minha cabeça
De suave e terno perfume
P´ra que transborde e se acresça
Meu cálice de alegria.
Certamente o vivo lume
Da paz e misericórdia.
Todos os dias da vida,
Sublime, me seguirá.
E na casa mui querida
Do meu amado Senhor,
A minh´alma habitará
Por longos dias, no amor!...
Poesia mística – Poesia religiosa
POESIA – 1º. Volume. Seleção e prefacio de Ary de Mesquita. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc., 1952. 392 p. (Clássicos Jackson, volume XXXVIII) capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
A IMORTALIDADE DA ALMA
Por que choras, Fileno? Enxuga o pranto
Que rega o teu semblante, onde a amizade
De seus dedos gravou o terno toque.
Ah! não queiras cortar minha esperança,
Tu cuidas que a mão fria
Da morte congelando os frouxos membros,
Nos abismos do nada inescrutáveis
Vai de todo afogar minha existência?
É outro o meu destino, outra a promessa
Do espírito que em mim vive e me anima.
A horrenda sepultura
Conter não pode a luz brilhante e pura,
Que soberana rege o corpo inerte...
Não descobres em ti um sentimento
Sublime e grandioso, que parece
Tua vida estender além da morte?
Atenta... escuta bem... Olha... examina...
Em ti deve existir : eu não te engano...
Como é doce a lembrança
Dessa vida imortal em que, banhado
De inefável prazer, o justo goza
Do seu Deus a presença majestosa !
Desperta, ó morte:
Que te detém?
Teu cruel braço
Esforça, e vem.
Vem, por piedade,
Já transpassar-me,
E avizinhar-me
Do sumo Bem.
E queres que eu prefira
Humanos passatempos ao momento,
Em que raia a feliz eternidade?
Um Deus de amor te inflama;
E já no peito meu mal cabe a chama
Que docemente o coração me abrasa.
Eu voo para ele: ele só pode
Minha alma sequiosas do infinito,
De todo saciar: este desejo
Me torna saboroso
O cálix que tu julgas amargoso.
Fileno, doce amigo, a mão estende,
A minha aperte: não te assuste o vê-la
De mortal frio já passada e lânguida.
Mais durável que a vida,
É a amizade a teia delicada,
Se a virtude a teceu... Enfim, ó morte,
Tu me mostras a foice inexorável.
Amarga este momento: eu não te nego,
Meu amante Fileno: a voz já presa
Sinto faltar-me: o sangue
Nas veias congelar-me; pelo rosto
Me cai frio suor; a luz mal posso
Das trevas distinguir; e sufocado
O coração desmaia.
Vem, imortalidade — vem, ó grande,
Sublime pensamento,
Adoçar o meu último momento.
Ó Nume, infinito,
Que aspiro a gozar,
O meu peito aflito
Enche de valor.
Suave esperança
De sorte melhor,
Quanto deste instante
Adoças o horror!
SALMO I, DE DAVID
Feliz aquele que os ouvidos cerra
Á malvados conselhos,
E não caminha pela estrada iníqua
Do pecador infame,
Nem se encosta orgulhosos na cadeira
Pelo vício emprestada;
Mas na lei do Senhor fitando os olhos,
A revolve e medita,
Na tenebrosa noite e claro dia.
A fortuna e a desgraça,
Tudo parece a seu sabor moldar-se:
Ele é, qual tenro arbusto,
Plantado à margem de um ribeiro ameno,
Que de virentes folhas
A erguida frente bem depressa ornando,
Na sazão oportuna,
De frutos curva os suculentos ramos.
Não sois assim, ó ímpios;
Mas qual o leve pó que o vento assopra,
Aos ares alevanta,
E abate, e espalha, e com furor dissipa,
Por isso, vos espera
O dia da vingança, e o frio sangue
Vos coalhará de susto;
Nem surgireis, de glória revestidos,
Na assembleia dos justos;
O Senhor da virtude é firme esteio,
Enquanto o ímpio corre,
De horríssonas procelas combatido,
A naufragar sem tino.
Página ampliada em setembro de 2020
Página publicada em junho de 2009; ampliada e republicada em setembro de 2014; página ampliada em dezembro de 2018 |