ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Antônio Oliveira Pena é professor de Língua Portuguesa e Literatura, formado pela FERP — Fundação Educacional Rosemar Pimentel. Nascido a 2/12/1966, em Santa Rita de Jacutinga, MG, e naturalizado fluminense, precisamente da cidade de Barra Mansa, reside em Volta Redonda desde a adolescência. Autor dos livros de versos: Poemas — 1999, que tem segunda edição ampliada em 2004, ambas custeadas pelo próprio poeta; O Invólucro da noite (Poemas reunidos) — 2010, obra patrocinada pela Secretaria de Cultura de Volta Redonda; Frêmito — 2010, editado pelo Grêmio Barra-mansense de Letras; Haicais, épica e sonetos — 2012, em parceria com José Fleming e Menulfo Nery Bezerra, edição também do Grêmio Barra-mansense de Letras, Tempo de reencontro — 2013, e Cantigas para guardar — 2015.
Muito da poesia de Antonio Pena pode ser conhecido através de seu blog poetaantoniopena.blogspot.com — criado justamente para esse fim.
1. SONETOS:
O caminho
Dize a palavra que te encerre o sonho,
aquela que resuma o teu desejo;
evita aquela de pesar medonho,
aquela de lamento malfazejo.
Dize a palavra que te encerre o sonho
com a mesma intensidade do teu beijo!
Evita o murmurar insano, e põe o
teu pensamento a trabalhar, que vejo
que aquilo que dizemos é que é ouvido,
ainda que o façamos em segredo...
— Não há palavra sem repercussão!...
Na estrada em que o homem vai, tão comovido,
seja de sua pátria, ou do degredo,
antes, por ela, andou seu coração!
Soneto de aproximação
A vida, ao teu redor, vê com alegria;
nos jardins, conta as flores que se abriram;
esquece as murchas, já sem poesia,
e aquelas cujas pétalas caíram.
Retém, do lábio teu, tudo o que é bom,
e as linhas do sorriso do teu rosto;
não te deixes levar pelo desgosto,
nem digas nada em pesaroso tom.
Que saibas rir, malgrado o sofrimento;
não te incomode nunca a noite escura,
tampouco, por teu corpo, as cicatrizes...
Guarda que as nuvens as dissipa o vento,
e que a árvore que mais alcança altura
tem mais fundas, no chão, suas raízes.
Sobre a sabedoria
Como um homem que a terra ara e semeia,
vai ao encontro da sabedoria;
com paciência, aguarda pelo dia
em que terás, de frutos, a mão cheia.
Dela aproxima-te, alma e coração
repletos de certeza, confiantes.
Segue-lhe os passos; não a deixes, não,
que a vida, amigo, é a soma dos instantes.
Faz com que agora ouça o teu ouvido;
com que teus olhos possam ver, agora;
e te arrepende do mal que tens nutrido.
Guarda que a luz se vê melhor nos breus,
da noite escura é que desponta a aurora;
com a caridade é que se chega a Deus!
Pelas sombras
Errante vais pela floresta escura,
de obstáculos, perigos, vencedor;
atrás de algum tesouro é de supor,
para farta e melhor vida futura.
Do que se passa, enfim, nessa procura
obstinada, ninguém é sabedor.
Que seja desvario, ou o que for,
jamais o saberá outra criatura.
Só se sabe que vais pela floresta,
esta — da vida, densa e encantada...
Que te julguem um ser de ambições cheio;
em que busques bem menos é que creio:
— ver de espessa folhagem pela fresta
o resplendor talvez de uma alvorada!
2. TROVAS:
Vigilância
Palavras — grãos atirados;
um gesto, o jeito. Aprendamos:
não atraímos senão
aquilo por que chamamos.
Das confidências
Confidenciaram-te algo?
Os lábios de todo sela!
Do mal guardado é que o gato
se empacha e se refestela!
Provação —
Mal necessário...
Provação — mal necessário,
existência — aprendizado;
o pilão conserva o odor
do alho nele socado.
Bonito
Quão bonito nesta clara
e tão alegre manhã
de janeiro o colorido
das flores do flamboyant!
Fato
Não nos impedem sigamos
em frente pedra ou espinhos.
Se vamos nós confiantes,
não vamos nunca sozinhos.
Sete anos
Nunca vira, e me chamaram
para olhar de perto... E fico
como que encantado diante
do ninho de tico-tico.
Ensaios...
... e os alunos todos íamos
pela rua, em marcha (lembro),
“p’ra fazer muito bonito
dia Sete de Setembro”.
Saudades
Praça Pandiá Calógeras
aos domingos: bicicletas,
skates, sol, a galera...
– Nem existíeis, poetas!
Constatação
Quem vive em íntima guerra,
com tudo em desarmonia,
por mais haja poesia
à sua volta, fel encerra.
Não te lamentes
Não te lamentes, não chames
o mal p’ra ti; vigilante,
cada dia, cada instante,
pelo bem tão só tu clames!
Sabedoria
Saiba o que o mal a outrem cria,
disso rindo zombeteiro:
dia há em que o feitiço
vira contra o feiticeiro.
3. HAICAIS:
Da vista de uma ponte
Altiva, a cascata
espuma e ruge como uma
pantera na mata.
À sua maneira
Chuva torrencial.
Grasnando, a estão festejando
gansos no quintal.
Impressões do sertão
O ermo da mata
espessa, ávido, atravessa
um raio de prata.
Arrabalde
Nas poças da rua
e em cada lago espelhada,
de tão alta, a lua.
Cautela...
... Que na estrada às vezes,
da vida, em que, a toda a brida,
se vai, há reveses.
Ruidosamente
Contra a penedia
as ondas batem, redondas,
— e a alma se extasia.
Convite
Talvez que te chame
a olhar a vida a reinar,
este mar que brame.
Outono
Cousa dum minuto:
desprende-se a folha, e surpreende
com o balé gratuito.
Penúltimo haicai
Saudando o azul,
na tarde clara que arde,
balança o bambu.
4. VERSOS LIVRES:
Do amor em nós
No chão de minha alma têm se aprofundado as raízes desta
[paixão esquiva,
mais voraz quanto mais esquiva, e que cresce em meu corpo como
[a hera no muro;
e que sobe por meu peito até a boca, rebentando em pétalas;
e que corre como sangue por minhas artérias;
e que meus poros transpiram às vezes e, às vezes, me causa espasmo.
Como me têm espelhado os sentimentos estes céus vespertinos desde
[que me pus a observar-te. Estes
céus castanhos e profundos de tardes de primavera tão parecidos
[a teus olhos doces!
E tenho achado infinitas as sombras dos casebres pelo subúrbio,
como a sombra amena dos flamboyants, com suas copas esparramadas
[sobre as ruas preguiçosas.
Como infinita acharia agora a espuma branca das ondas do mar se
[jogando sobre a areia inumerável.
E infinitos se acham os pássaros em sua migração. E a semente
[atirada a distância
pelo vento. O vento mesmo, assobiando nos beirais das construções
[antigas.
É a magia do ser renovado, a qual a tudo envolve e toca com seu
[rumor tão próprio.
Que propícia a chuva, porque te amo! Que belas
as margens verdes dos rios, os rios e suas desembocaduras, o inseto
com seu fremir de asas pequeninas, o ninho escondido
entre os galhos de um arbusto, se há amor. E o fósforo riscado,
as chamas azuis de uma fogueira crepitando no quintal,
o lenço que nos enxuga o suor da fronte, o diálogo trêmulo dos
[gestos. As coisas mais simples,
como os chinelos deixados à entrada da cozinha;
o chiado de um pequeno rádio de pilha;
o traje novo posto a um canto do quarto; uma janela aberta;
o tique-taque monótono do relógio; o ranger sugestivo de uma porta;
o entreolhar-se das pessoas. O rosto sombreado
de alguém que sequer conhecemos, com quem nunca tivemos contato,
em uma fotografia na parede, o qual a um tempo esquecido
[nos remete...
Como tão mais próximas me têm parecido, desde que notei tua
[presença, as nuvens que rumam
[para o crepúsculo.
Como tão mais íntima a música que ouço. E inefável
a poesia surgindo súbito no papel.
E que altas as montanhas ao fundo das casas,
e que intensas as palavras saltando do peito,
e imensurável um último raio de sol atravessando a folhagem de um
[pátio qualquer!
E tudo! E tudo! Que amor
o de todo o homem!
Desconhecidos de si mesmos
Dentro de bares, ao volante, pelas ruas,
homens se desconhecem, desentendem-se,
se olham com ódio e se rosnam,
e se insultam,
ou se olham com desprezo, fechados em si mesmos,
alheios muitas vezes ao que há de belo à sua volta,
a tudo aquilo que, de bom, reside nas coisas mais simples;
e a vida humana então se torna um fardo,
e esta existência então é um tédio, é angústia, é solidão e morte.
Não, não é o muro que nos tapa a vista à paisagem,
mas nossa vista que a si mesma se tapa;
não são os pássaros que já não cantam,
mas nós que já não os ouvimos;
não é que já não haja mais gestos de cortesia, é que apenas
esperamos por eles, esquecendo-nos de que sua prática é recíproca,
e de que um primeiro gesto talvez devesse partir de nós.
Dentro de bares, ao volante, pelas ruas,
concentrados e sós estão os homens.
Como resistem a um sorriso!
Conquanto seja grande o burburinho da cidade,
como que estão, na verdade, taciturnos,
atrás nem mesmo sabem de quê!
Sobre os telhados das casas, contudo,
e junto aos pombos no chão da praça, e no verde viçoso das folhas
[das amendoeiras,
o dia, generoso, resplende.
Pequena elegia
Ora triste,
ora festiva é a juventude, como o verão;
e marca-se ou por um beijo que sequer se chega
a dar, ou outro que, ardente, sabe a
— diria, jambo, a cereja, mel;
por caminhos que se estreitam, obscuros, ou outros, secretos, que se
[lhe revelam,
seduzindo-a.
....................................................................................................................
Um dia, pelos caminhos, súbito, apenas uma pegada;
sardas, apenas, na tez outrora quantas vezes marcada
de batom.
— Ah, se até mesmo os rostos, os caminhos
desaparecem!
5. VERSOS BRANCOS:
Poeta é aquele que vê
A Márcio Marinho Nogueira
Poeta é aquele que vê
o belo e o feio do mundo;
que capta, com suas antenas,
toda a essência das coisas
e em seus versos a traduz.
Poeta é aquele que sabe
colher com seus dedos longos,
pelas margens dos caminhos,
flores, e ninhos, e salmos.
Poeta é aquele a quem cabe
distribuir os seus dons
e que, à sombra ou ao sol,
fiel às aspirações,
faz aos poucos uma história.
Poeta é aquele que crê
e proclama esta verdade:
só o amor tem fundamento;
o ódio, a cobiça, o ciúme
não têm, não, razão de ser.
Poeta é quem dá, afinal,
través daquilo que escreve,
das palavras de sua boca,
água a quem reclama sede,
pão a quem lhe diz ter fome,
o que cobrir ao que está nu,
e flores — a este, àquele —
flores a toda a gente,
indiscriminadamente,
mesmo a quem, ah! sobretudo
àquele que lhe atira pedras.
Procura
Se a Deus queres achar, não é preciso
que balbucies triste uma oração;
apenas que te afastes do tumulto,
em busca de silêncio e de harmonia.
Vai ao encontro de ti mesmo, vai!
A natureza, do Criador reduto,
está ao teu redor, basta que vejas,
que tenhas olhos para o que é perfeito.
Vai ao encontro de ti mesmo, em paz,
os pés descalços sobre a grama verde,
cabelo ao vento, a face à sombra densa
das árvores frondosas do jardim.
Não é preciso que tu digas nada
(mais vale teu silêncio interior!),
antes escuta os sons da natureza:
o pássaro que pousa no seu ninho;
a frágil folha seca que se deixa
arrastar pelo vento que murmura;
gotículas de chuva que não vem,
fremir de asas de insetos pequeninos,
e abelhas brancas a voarem no ar...
Não é preciso que tu digas nada,
antes escuta a voz da natureza,
que é a voz de Deus a te dizer baixinho,
a te dizer, quase que segredando,
que não habita os templos suntuosos;
trono não tem, nem chega a ser um rei;
vive a teu lado, e tu nem te dás conta;
que te conduz no escuro e te protege;
que a mão te põe no ombro, e não percebes;
que está na flor que se abre e te sorri,
mas que arrancas à haste e atiras fora.
6. CANCIONEIRO:
Conquanto seja a hora tensa
Ainda que a dor, imensa,
te fira como uma espada;
e, em súbita emboscada,
o inimigo ora te vença;
ainda que a tua crença
esteja, enfim, abalada;
cara que seja, a presença
de um irmão não tolerada;
conquanto seja a hora tensa,
e a tua alma, entrevada,
não faças menor ofensa
ao céu, à vida e a nada.
Parece-te a noite extensa?
Bem sabes: breve é passada.
E a bruma, por mais que densa,
dá vez à luz da alvorada.
A lança em riste e ajeitado o escudo
A lança em riste e ajeitado o escudo,
à tua frente, o campo, que supões
de batalha, onde sangue encharque o chão...
Que te pareça um inimigo tudo,
este é sabido que não há senão
em ti, no que te vai no pensamento;
nesse, que a ti te agita, interno vento
do medo, que gigantes faz a anões.
Do cuidado com as palavras
De bendizer jamais se esqueça,
a cada instante ou situação;
falando, o homem o coração
deixa que todo transpareça.
Das vontades e ilusões
Desejos cegos, tristes ilusões
aos poucos nos corroem, nos consomem.
Que cousa rara, nesta vida, é um homem
livre de todo das próprias paixões!
Metáfora do tronco seco
Em tua fuga ao sol de estio,
ao recostar a um tronco níveo,
buscas em vão algum alívio
(mais te enfastias tu). Que frio,
que dor às vezes não nos corta,
à pobre sombra a que, contudo,
falta uma cousa, se não tudo,
se a projeta árvore morta!
Diante de um lago, ao entardecer
O dia feito encanto, e mágica, e beleza,
o dia feito glória e mesmo resplendor,
se pode contemplar, surpreso, com certeza,
no espelho fiel de um lago à hora do sol-pôr.
Fera acordada
Quem contra Deus e o mundo vocifera,
a jogar farpas para o alto e a esmo,
não vendo no seu ser, bizarra, a fera,
mais que ao próximo, estranho é a si mesmo.
O que procuras?
Quando te pões, sério, a buscar
algo (alto seja ou uma quimera),
esse algo já, nalgum lugar,
existe — e esplende, à tua espera.
Da esquerda para a direita, os poetas: Luiz Otávio Oliani, Ernani Mazza, Astrid Cabral, Antônio Pena, Jean Carlos Gomes e Vicente Melo, em visita à casa da autora de Rasos d'água.
Página em construção, maio de 2014; republicada em setembro de 2016; republicada em janeiro de 2017
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