ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA
Alexandra Vieira de Almeida nasceu no Rio de Janeiro. É agente de leitura, tutora de ensino superior, poeta, contista, cronista, ensaísta. Publicou o livro de crítica literária Literatura, mito e identidade nacional, pela Ômega Editora, em 2008. Tem vários ensaios literários publicados em revistas acadêmicas e livros. Participou da Antologia Scortecci de Poesias, Contos e Crônicas, em 2011. Tem dois livros de poesia publicados pela Editora Multifoco: “40 poemas” e “Painel” (2011).
SELEÇÃO DE LUIZ OTÁVIO OLIANI
ALMEIDA, Alexandra Vieira de. 40 poemas. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011. 62 p. 10x14 cm. ISBN 978-85-7061-480-2
A dor não derruba os santos
A dor é uma agulha sem tinta
não colore nada à sua volta
Preciso de agulhas coloridas
para atiçar a minha cólera
que perpassa à vista
de tramas insolventes
Os ascetas sabem bem domar
as dores sem agulhas e
sem tintas. Os místicos
contemplam a dor como
um bálsamo sem trégua
Não recorrem a paliativos
Não existe ameaça de dor
aos que golpeiam
os ventos com o olhar de sua face.
Os chinelos são o símbolo de sua derrota,
pois os ligam a vibrações terrestres
e sísmicas que abalam seus tímpanos
O silêncio está no alto,
na cabeça que se liga ao céu
que traz consolo para as dores constantes
que não derrubam os santos.
A serpente renovada
O veneno das serpentes
me exalta o que tenho de mais nobre
A janela vasculha tempos que me acordam,
sem perceber o vento ríspido
no meu rosto impassível
Os passantes fazem expressões
de nojo e repugnância frente
ao meu olhar que hipnotiza
gatos vermelhos de tintas artificiais
A boca do morcego vasculha imensidões
no escuro de sua alma gorda e inchada
Insuflada de entulhos podres
a alma escolhe a esteira da serpente caída
Mas a serpente renovada desmascara
as suas próprias escamas velhas
Torna-se dragão de sete caudas
no abismo de 108 vidas sofridas
e molhadas de torturas e sangues
derramados pela enxada de Satã
A memória se esvai pelo frio dos cabelos
Na aniquilação das vidas passadas,
só resta a vida futura
que aguarda temerosa o último suspiro
neste mundo sem estar no mundo.
Nonsense
As paredes cercavam
seu atalho no cais do porto
de sua lúcida memória.
À noite, tremeluzia
em seu estômago,
a sede inorgânica das pedras.
Eras de absurdos sobre absurdos
avolumavam-se sobre sua cabeça, espetada
pela seta de medieval espessura.
Na agrura de seus olhos mal dormidos,
o sono de alucinatórios frascos, daninhos
pela espectral forma.
A serpente enroscada, na sua boca
fechava um azedume de estrume e
asqueroso molho, teu olho na entrada
da caverna, caveiras com peixes abertos.
Do nonsense, as sensações maduras
açoitavam suas costas nuas de inocentes curvas.
Lição de metafísica
Os tetos de leite
convidam-me
a tomadas filosóficas.
Mas os brancos das páginas
sem asas, não podem ser
embebidas com tais metafísicas.
Prefiro deixá-las em suspenso,
na minha mente, como um galho fresco.
Ponto final
Serpentes, trovões, sinais de fúria
Absoluto, surge a neblina dos anos
Das cascas dos frutos, maduros
A profusão de abismos e gritos
Do solo manchado de pútridos lençóis
O insondável descanso dos anjos
Do ar que se impele ao longo dos vales
O sopro dos vestígios do aço e dos insanos
Das águas que cobrem o curso dos dias
O sangue, a dor, a purificação dos escolhidos
Resta o sol que se encerra na hora exata
E a luz que habita é apenas parcial
Nos escombros e devastações.
Tempo
Crianças gritam abismos,
mas o tempo é medido
nas cordas do vento.
A passagem eterniza-se
nas cores do olhar.
Voam lírios, madressilvas...
E dançam ao sol, ao vento,
à chuva...
O silêncio acalma os tempos,
de sonhos despertos, incompletos,
de folhas de jasmim.
Corações presos somente
pelas linhas do tempo
e pela sombra que tece o ser
que não é.
Elas buscam um céu, nuvens.
Mas o sol derrete estrelas,
que se apagam na memória.
O lapso do tempo é curto,
sem volta.
E elas olham para ele
como para as ondas do mar.
ALMEIDA, Alexandra Vieira de. Painel. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011. 89 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-7961-610-5
Novo ser
O coração treme no segredo dos amantes
A cólica se reverte no sonho da criança sem trevas
Contra a fúria o beijo enaltece os cabelos no fio da espada
O sorriso da criança sagrada
entorpece os soldados em marcha
No começo de tudo não existia a flor
em comunhão com o céu
A natureza cria a beleza de vários corpos na aurora do dia
Esplêndida ave rodopia
criando círculos do tempo claudicante
Para sempre a mesma canção refloresce
os campos destruídos pelo vento
Nas noites sem ti vejo a escuridão
com medo da própria noite
As sementes crescem no chão duro das casas na madrugada
Da árvore nascem crianças em forma de maçãs eternas
O seu ventre mergulha
nas águas esclarecidas do tempo eterno
Do lado do portão vejo se estender
a sombra de sua cabeça brilhante
Na sua vida há ponteiros que acertam os céus matutinos
A cor da vida aumenta de tamanho
na passagem do cometa no inverno
Na ponte vejo a mancha de seivas das plantas
costurar as roupas do novo ser
Há vida na torre derrubada pelo trovão do anjo protetor
A lua vomita toda a escória dos anos antepassados
O futuro é o agora estendido na cama da aurora
Vamos renascer do parto do sol em ebulição sonora.
Amor
A faca fina do amor a cortar a transparência do sol
O medo não veio visitar minhas ruínas
Não sou hóspede do ódio
Mas o amor transforma a face
de quem olha o fulgor do dia
que transparece de sua alma em riso
Não há dor num leito florido
A lua transpira oxigênio
Na fúria das águas as ondas se enlaçam
formando um tapete de mágoas
O brilho das retinas vem clarear
a escuridão de meu quarto
Acredite na escolha de sua vida
Acorde manchado de lágrimas
de tanto amar a vida que se encontra na eternidade.
Chuva malabarista
A chuva malabarista
quando cai de seus olhos
forma estrelas
que dançam ao som do infinito.
A chuva malabarista
não secará ao sol dos demônios
que trazem anúncios limitados
pelo som da escravidão.
A chuva malabarista
derrota os minutos de silêncio
que atormentam meu coração
esculpido por vazios.
Minha casa
Fiz da minha casa uma floresta
em que nutro sementes e canções novas
com a água do destino
Nas paredes brancas da mente
acendo fogueiras que acalentam
os sonhos dos homens
Mas minha casa não tem paredes
No conhecimento que se abre
de meu corpo em riso sereno
fundo novos ritos e danças
acromáticas, homeopáticas
A cura que perfura a mão ofertada
inaugura a sede constante das chuvas
No chão da casa encontro
pisadas de pequenos seres
que direcionam meu gesto
ao sol de um novo mundo
Minha casa tem pianos
com teclas de livros da natureza
que segredam o silêncio do sagrado.
Amor e deleite
Amei um ser e me deleitei pelo seu papo astrológico atração pelas luas negras de seus olhos pérolas a hipnotizar meu coração de poeta Suas mãos finas tocaram minhas mãos despertas pelo desejo liberto pelo calor de seu corpo Chama a esquentar meus olhos viajantes por mares límpidos do amor pela cura medicinal Seu corpo em confusão abriu uma cratera no meu ser em profusão pela busca por orgasmos que se escondem em nossos olhares que ardem no lençol profundo do silêncio Quero-te por inteiro sorver teus lábios abertos fazendo sua língua presa e amordaçada gritar na minha flor bem aberta que exala um perfume de lírio que cai de seus olhos negros.
Terra desconhecida
Penso que existes num outro mundo
distante da morte, da violência e da agressão
Quando seu nome completará
um atalho para uma terra desconhecida
sem que o espantalho seja bicado por pássaros em fúria?
Numa terra desconhecida
você é uma flor que nada e respira debaixo d'água
eu, um peixinho que corre e anda nas montanhas do desejo
Não há uma ordem estabelecida,
uma estrutura com um nexo escatológico
És a minha flor que nasce na minha boca
sem esperar murchar para renascer em outra forma
A eternidade nos contempla
na medida em que cada forma se transforma no seu reverso
Assim, eu sou você e você, eu
Eu sou um peixe e você uma flor e o inverso se propõe
não como uma lei categórica, mas como um sonho distante
Na terra desconhecida
não envelhecemos, mas trocamos de corpos
como nas estações do ano ao reverso
em que o outono não leva as flores para a morte
mas para a primavera eterna do desvario
Numa terra desconhecida, nos amamos tal qual somos
e não como nos aparentamos.
|
ALMEIDA, Alexandra Vieira de. Oferta. São Paulo: Scortecci, 2014. 55 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-366-3502-6 Ex. bibl. Antonio Miranda
Corpos
Fogo que se abrasa em um corpo que bebo
derrama no meu corpo as letras de seu nome
O vento se esconde na soleira da porta
E sua vida se expõe na minha boca sedenta
Durmo, pensando no seu corpo de vésperas
que ilumina meu rosto exclamativo
Sua língua enaltece meus olhos famintos
que vagam sem asas pelo céu de diamanes
caindo no seu corpo vagalume
Corpo num copo de vértebras
que se enroscam na madrugada do nada
Torpor de um corpo insano, dormindo
na noite do desespero da espera
Corpos que nadam à beira do abismo
expõem seus versos no ar latejante do espaço.
A palavra-asa
Barco que se apaga
de meus olhos inquietos
Vejo o céu encoberto
por tua palavra-asa
Astro que cega meus gestos
atira luzes no meu corpo insone
Da máscara de teus versos
vejo a espera dos poetas
A palavra-asa sobrevoa
o papel incansavelmente
E reproduz o refrão
dos pássaros em agitação
A palavra e a asa
conjugam os voos
do delírio e da espera.
Reticências
Cordas
Reticências de improviso
Guardar as histórias no leque ancestral
Os retratos suspensos na sombra
Reticências de imprevisto
Ondas
Os móveis flutuando no meu choro
Esperar a noite no labirinto que acolhe
Reticências
A vida se atira na morte de subterrâneos
Afunda a lama no rosto de trevas
Névoa
O cão corre no espaço da morte
Trevas
Reticências
ALMEIDA, Alexandra Vieira de. Dormindo no Verbo. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2016. 130 p. Ex, bibl. Antonio Miranda
VERSOS QUE POEIRAM
Terra exangue
luto da espera
aflorando novas manhãs
Dor de partir os seres
na equação do tempo
inexprimível e exato
como sua mão lânguida
esfaqueando corações
O céu ser pasma
dos destroços da tarde
a anoitecer devagarinho
os pássaros em festa
que veem renascer
a paz inaugural dos pequenos
que dançam na chuva batismal
Mergulho no mar do corpo
encontrando vestígios de terra
que sopram o som constante dos versos
Versos arenosos que poeiram o abismo
UM DRINQUE
Um drinque
e o escuro atirava cóleras
Letras esparramadas na mesa
N?o era assim na outra noite
Pistas sonâmbulas mostrando os dentes
Sossegados os cigarros disparam gotas
Gotas de escárnio sem sombra
Cadê você, que não está ao meu lado
Justo naquela hora de redemoinhos na sala
Dançava como no outro maio
sem chances de ser mestre
Tilintam os copos sem chances
para as dúvidas
Tudo feito, tudo luto
O desmaio seco sobrevoou o atalho.
MELLO, Regina. Antologia de Ouro III. Museu Nacional da Poesia – Organização. Belo Horizonte : Arquimedes Edições, 2014. 136 p.
15 x 21 cm. ISBN 978-85-89667-50-0
Ex. bibl. Antonio Miranda, exemplar enviado por Regina Mello.
Dormindo no verbo
Dormindo no verbo
logaritmo do vazio
espera o anoitecer em branco
Entre a verdade e a palavra
escolhe as letras equilibristas
que morrem no abismo
Mesmo o atalho para as pedras
o fez vacilar entre o gestos e a crença
Saliência de palavras
que mancha o papel taciturno
Na noite esquelética
os livros dão carne para os outros
ávidos por dançar no salão da matéria
O verbo se fez carne
a matéria se fez palavra
prestes as preencher a vida dos outros
inimigos da sombra que se desfaz em sonho
Dorme na coagulação do sangue
corpo que se move no vazio
da atmosfera escassa do osso
Carnaliza os vazios da noite
para se fazer dia do verbo encarnado
Dorme, dorme e espera
na entrega do verbo
para os outros com insônia
O verbo se preenche de carne
manchando as páginas em branco
que esquálidas, tiram a fome
de anos e anos de espera.
*
VEJA e LEIA outros poetas do RIO DE JANEIRO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/rio_de_janeiro.html
Página ampliada em fevereiro de 2021
Página publicada em fevereiro de 2013
Ampliada e republicada em junho de 2014. Ampliada em julho de 2020
|