ADRIANA LISBOA
Adriana Lisboa (Rio de Janeiro, 1970) é uma escritora brasileira.
Cresceu em sua cidade natal. Morou na França, em Paris e Avignon, e desde 2007 vive a maior parte do tempo nos Estados Unidos da América (numa pequena cidade próxima a Boulder, no Colorado). É autora de seis romances, além de poemas, contos e histórias para crianças. Seus livros foram traduzidos ao inglês, francês, espanhol, alemão, árabe, italiano, sueco, romeno e sérvio, e publicados em catorze países. [1] Integrou várias antologias de contos e poesia no Brasil e no exterior.
Recebeu o Prêmio José Saramago, em Portugal, pelo romance Sinfonia em branco, o Prêmio Moinho Santista, no Brasil, pelo conjunto de seus romances, e o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) por Língua de trapos. O projeto Bogotá 39/Hay Festival listou-a entre os 39 mais importantes jovens autores latino-americanos em 2007. Recebeu bolsas de criação e tradução da Fundação Biblioteca Nacional (Brasil), do Centre National du Livre (França) e da Fundação Japão.
Bacharel em música pela Uni-Rio, Adriana Lisboa foi cantora de MPB na França aos dezoito anos, mais tarde professora de música no Rio e também tradutora. Fez mestrado em literatura brasileira e doutorado em literatura comparada na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Foi ainda pesquisadora visitante no Nichibunken (International Research Center for Japanese Studies), em Kyoto (2006), na Universidade do Novo México (2007) e na Universidade do Texas em Austin (2008-2009). Entre outros autores, traduziu para o português obras de Cormac McCarthy, Margaret Atwood, Stefan Zweig, Robert Louis Stevenson, Jonathan Safran Foer, Emily Brontë e Maurice Blanchot.
Sua novela "O coração às vezes para de bater" foi adaptada para o cinema no Brasil por Maria Camargo, num premiado filme de curta-metragem.Em 2012, o cineasta Eduardo Montes-Bradley realizou um documentário sobre sua vida, intitulado "Lisboa" e filmado em Denver e Boulder, Colorado (EUA). Fonte: wikipedia.
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Extraído de: CÂNDIDO – Jornal da Biblioteca Pública do Paraná. N. 62 – Setembro 2016. Ilustração: André Coelho.
DOIS POEMAS COM JOHN CAGE
1
No lugar mais silencioso do mundo
ruge-ruge o ruído da vida
o homem é feito de sangue e neurônios
que cantam sua própria música
sem partitura ou I Ching
o silêncio não existe:
forma é vazio
vazio é forma
e tudo isso cabe no intervalo
de quatro minutos e trinta
e três
segundos.
2
Um cogumelo
é um cogumelo é um cogumelo
em Stony Point havia enorme variedade deles
e quanto mais os estudava
mais tinha dificuldade em identificá-los
um cogumelo
tão-só
um cogumelo
e no entanto
quantas estrelas ruíram
para que esse pequeno e necessário
milagre
brotasse em Stony Point.
CORTINA
A cortina se estufa
quarto adentro como se viva
a primeira trovoada
reboa lá fora
o cachorro corre e
se esconde na escada
escura
a cortina se estufa
como se animada por dentro
da trama do tecido
o fole de um pulmão
que sugere:
nada mais
urgente do que inspirar
este momento
(nada:
nem mesmo um cortejo inteiro
de notícias ou poemas)
este momento
a tempestade em prelúdio
e o sopro
de lilases
que ela traz.
A UMA CALÇA JEANS
Eu te peço desculpas pela
lambança da bainha
pesquisei o passo
a passo mas a agulha é muito
pequena a linha é muito fina
e minhas mãos se impacientam demais
outras calças que tive no passado
desfrutaram da costura contemplativa
que minha mãe lograva — talento que não
herdei embora tenha tentado (agulhas
de tricô aos dez anos inclusive)
minha destreza não passa
de um emaranhado de linhas
para a emergência de um botão
sinto muito calça jeans
parece que seguiremos
tropeçando juntas em nossas
costuras mal-ajambradas
enquanto ainda coubermos uma na outra
e o tempo
condoído
ainda couber em nós.
A FUNÇÃO DAS COISAS
Nos objetos fabricados pelos tuaregue
com seus poucos recursos
para o uso cotidiano
bolsas
selas de camelo
tendas
seria de se supor alma seca
alinhavada pela funcionalidade
no entanto eles os fabricam
intrincados
coloridos
lindos
com seus poucos recursos
cunhando
do deserto
um carnaval
LISBOA, Adriana.Deriva. Fotos David Lupton. Belo Horizonte, MG: Relicário, 2019. 74 p. Orelha do libro por Wilberth Salgueiro.
ISBN 978-85-66786-92- 7 Ex. bibl. Antonio Miranda
ESPELHO MEU
Não sei de quem a marca
que embaça o espelho
essa cicatriz em formato de mão
essa intromissão essa gafe não sei
quem espalmou ali
seu traço
não sei de quem a mão
fantasma que esfuma
o meu rosto o meu tempo o reflexo
que me habituei
a confirmar aqui
não sei quem plantou
na minha cara uma outra
biografia
não sei ao certo
mas desconfio que essa neblina
no espelho
seja eu.
COMO CORTAR RELAÇÕES
Às vezes tesoura cega basta
noutros casos é preciso usar os dentes
o fio de uma peixeira a minúcia
de um canivete suíço
às vezes a substância é tão frágil que
com a ideia de um corte se desmancha
noutros casos há que cortar os mares
e ainda assim teima o corte (ilha) em cicatrizar
às vezes
é como cortar dois pedaços
de linha cortar as despesas
cortar caminho
cortar o pão
mas às vezes é como abrir um talho
no próprio corpo e a cura do corte
é um corte sem cura
- nesses casos
vá em frente tente
corte o mal pela raiz
e verá que a raiz revive
descrente da autoridade
da sua lâmina cega
da sua inepta pá de cal.
DERIVA
Longas eras geológicas de espera
até este aqui agora
tanta américa
tanta revolução
por um grama de paz
tanto oceano
por um dia de enseada
tanta palavra magra
para enganar a fome tanta
deriva para tocar com o dedo
uma linha de chegada
um porto entre duas clavículas
tanta morte iludida
pela ilusão de uma praia
por um avesso de oásis
na enormidade deste mar sertão.
TEXT IN ENGLISH
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English.
Adriana Lisboa (b.1970) has degrees in music and literature. Among other books, she has published Symphony in White, which won the Jose Saramago Award, and Hanoi, chosen as the book of the year by the Independent, as well as two poetry collections. Her poems and stories have appeared in Modern Poetry in Translation, Granta, Asymptote and The Indian Quarterly.
Garden
Hands sink into the ground:
a nation of wet worms,
blind courtship of broken names,
decomposed, recomposed -
dark warehouse of tactile verbs
where the dead suffocate
in the jubilation of the new living:
everything is a flower.
Jardim
As maos afundam na terra:
nação de bichos úmidos,
cortejo cego de nomes desfeitos,
decompostos, recompostos -
entreposto escuro de verbos
táteis, onde os mortos sufocam
no júbilo dos novos vivos:
tudo são flores.
Página publicada em outubro de 2012; ampliada em maio de 2019; ampliada em outubro 2019.
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