ARTUR DA TÁVOLA
(1936-2008)
Paulo Alberto Artur da Távola Moretzsonh Monteiro de Barros. Político, escritor, poeta e jornalista brasileiro. Nasceu no Rio de Janeiro em 3 de janeiro de 1936 e faleceu na cidade natal em 9 de maio de 2008. Deputado constituinte pelo PTB. Cassado pela ditadura militar, viveu na Bolívia e no Chile entre 1964 e 1968. Tornou-se um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e líder da bancada tucana na assembléia constituinte de 1988, ano em que concorreu, sem sucesso, à prefeitura do Rio de Janeiro, sendo posteriormente presidente do PSDB entre 1995 e 1997. Exerceu mandatos de deputado federal de 1987 a 1995 e senador de 1995 até 2003.Atuou como redator e editor em diversas revistas, notavelmente na Bloch Editores e foi colunista dos jornais O Globo e O Dia, sendo também diretor da Rádio Roquette Pinto. Tornou-se especialmente notável por apresentar o programa “Quem tem medo de música clássica?”, na TV Senado.
“De Artur da Távola pode-se dizer que era um gênio. Cordial, brilhante, vivaz, com um sorriso de compartilhamento permanente. Convivi muito pouco com ele, por razões profissionais, mas os encontros eram de admiração por sua figura cívica e de intelectual. Fiquei chocado com notícia do seu falecimento. A presente seleção é a mínima homenagem que podia prestar a esta figura que nem posso dizer que foi meu amigo, mas eu o considerava como tal. E ele me passava essa impressão tal a sua receptividade.” Antonio Miranda
SONETO DO PAI
Ser é juntar
Passado e futuro
Na ilusão do presete.
É concomitar eras necessárias
Ao milagre inútil de cada vida.
Porrada de sol e originalidade
Que desemboca na vala comum
De semelhança antagônica.
Sou fagulha da mesma luz
Que é nós mas proclama o eu.
Sou meu avô que é neto do meu pai
Fragmento de luz do mesmo raio
Versão ilusória do uno e concomitante,
O tempo, a mais dolorosa das ficções.
SONETO DA POIÉSIS
Poema, inter(e)rupção do nada
Súbito sendo e para sempre.
Arte que volta ao zero sem nós.
Recriação do mesmo
Em organização precária,
Espasmo da ânsia
Impressão de futuro.
Beleza é feiura,
Dimensão do mistério
Em sua intimidade estética.
Magia sem finalidade
Ilusão imperfeita
Da perfeição impossível
De re-ser o sido emocionado.
EMBORA SONETO
Vivo meu porém
No encontro do todavia
Sou mas.
Contudo
Encho-me de ainda
Na espera do quando
Desando ou desbundo.
Viver é apesar
Amar é a despeito
Ser é não obstante.
Destarte
Sou outrossim
Ilusão, sem embargo
Malgrado senão.
SONETO DO DESESPERO
Senhores da dublagem, falem por mim outra voz.
Operadores de VT, multipliquem-me a imagem.
Iluminando-se-me o pavor. Moços:
Fazei moções contra meu envelhecer.
Tragam-me a pele de alabastro
A nuca e o braço deslumbrantes
(Eros insiste em se intrometer).
Não quero a sociedade, se vil
Nem pretendo militar na dor.
Choraste mel? Chorei pus.
Que faço com teu sutiã?
Hoje ninguém entra no céu sem crachá.
Se era para o medo de morrer
Por que me deram tanta vida?
LACANIANA
Fui o que discursaram
Sobre o que eu seria.
Sério, não discursei
Sobre o que eu queria.
Sou o que falaram
Sujeito ao que não quis.
Feito onde me perdi de ser
Vivo a renunciar-me.
Faleço onde sou falácia
Salva-me o saber-me perda.
Sujeito ao que falaram
Sou o que me falha.
Será o pecado original o exílio do ser?
Salva-me a esperança de individuar,
De zen vou ver.
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[ TÁVOLA, Artur da. ] Paulo Alberto Monteiro de Barros. Calentura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 82 p (Poesia brasileira)
SONETO DA PEQUENEZ
Não tenho culpa
De não ter razão.
Sou hipótese
Jamais confirmação.
Ante-salo-me à espreita do veraz
Vejo-me em bis.
Preliminar de equívoco
Bêbado, embora, voraz
De verdades boticão.
Feto aflito, sou por um triz
Amargo mel d'amplidão.
Sou espasmo do quase
Envolto em gaze, infinito,
Esparadrapo e solidão.
EMBORA SONETO
Vivo meu porém
No encontro do todavia
Sou mas.
Contudo
Encho-me de ainda
Na espera do quando
Desando ou desbundo.
Viver é apesar
Amar é a despeito
Ser é não obstante.
Destarte
Sou outrossim
Ilusão, sem embargo
Malgrado senão.
SONETO DO DESESPERO
Senhores da dublagem, falem por mina outra voz.
Operadores de VT, multipliquem-me a imagem.
Iluminando-se-me o pavor. Moços:
Fazei moções contra meu envelhecer.
Tragam-me a pele de alabastro
A nuca e o braço deslumbrantes
(Eros insiste em se intrometer).
Não quero a sociedade, se vil
Nem pretendo militar na dor.
Choraste mel? Chorei pus.
Que faço com teu sutiã?
Hoje ninguém entra no céu sem crachá.
Se era para o medo de morrer
Por que me deram tanta vida?
SONETO DA DOR SURREALISTA
Fonte vesga, vertendo
Seco, suco, socavão.
Angústia supurada,
Vapor do vazio magoado e febril
Azia da esperança.
Fada intoxicada na rota canhestra
Do desespero sutil.
Filete de ais a dimanar féis
Do leite neurótico.
Ruga da virtude
Nenúfar bêbado, ternura encardida,
Paralisia da fé, derrota do sorriso.
Infância apodrecida num degrau de jasmim
Onde morre, doida, uma borboleta estuprada.
TÁVOLA, Artur da. O Jugo das palavras. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013. 63 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-01-40360-5 Col. Bibl. Antonio Miranda
63 ANOS
Todos os meus sábados
no sol desta tarde.
Todos os meus sóis
na tarde deste sábado.
Todas as minhas tardes
no sol deste sábado.
Toda a minha vida
no sábado desta tarde de sol.
MISSA DE RÉQUIEM
Sou o que fui falado
A gente é
o que foi falado
ou o que aprendeu a calar
no momento (qual?)
em que se perdeu de si.
Salvar-se é descobrir
o trágico e derrisório instante
em que a criança se perde de si mesma,
para ser o que dela os demais pretendem.
Missa de Réquiem
para o que poderiam ter sido
A elas, como a nós,
ternura e compreensão.
POEMA PARA A DOR INAUGURAL
Mamei força, cálcio e amor
suguei angústia, eros, estupor.
O seio bom que me fartou
sofria a morte de minha irmã.
Jamais soube desabafar
as minhas dores não minhas.
A vontade de ser ulcerou-me o cólon.
A coragem de ser salvou-me o destino.
A decisão de ser transformou-me em mim.
A liberdade de ser, esta me fez poeta.
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
ESCREVER
Escrever é sina, espanto e faina
amor, afã de tenaz faxina.
Palavra pôr no que é paina
luz dar a penas ao que ilumina.
Estruma a estrofe dor que suponho
verbo assassino. O poema é mortal.
O verso se esforça, soa bisonho,
quer transcender o idioma banal.
Nutrir-se do mal que o arruína,
banir e amar o impulso medonho,
Verbal é o mel que o determina.
Inscrita na frase do vate tristonho
implode no estro a ilusão cristalina
de ser e estar onde me sonho.
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Página ampliada e republicada em abril de 2024
Página publicada em agosto de 2008. Ampliada e republicada em abril de 2014.
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