TORQUATO NETO
Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina PI, 1944 - Rio de Janeiro RJ, 1972). Cursou Jornalismo no Rio de Janeiro, por volta de 1966, mas não chegou a concluir a faculdade. Nos anos seguintes compôs letras musicadas por Gilberto Gil ("Geléia Geral", "Louvação"), Caetano Veloso ("Deus Vos Salve a Casa Santa", "Ai de Mim", "Copacabana", "Mamãe, Coragem") e Edu Lobo ("Lua Nova", "Pra Dizer Adeus"). Entre 1970 e 1972 atuou nos filmes Nosferatu no Brasil e A Múmia Volta a Atacar, de Ivan Cardoso, e Helô e Dirce, de Luiz Otávio Pimentel. No período também criou e redigiu a coluna Geléia Geral no jornal carioca Última Hora. Em 1973 ocorreu a publicação póstuma de seu livro de poesia Os Últimos Dias de Paupéria, organizado por Ana Maria S. de Coraújo Duarte e Waly Salomão. Três anos depois, foram incluídos alguns de seus poemas na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda em 1976. Em 1997 foram publicados quatro de seus poemas na antologia bilíngüe Nothing the Sun Could Not Explain, organizada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher. Torquato Neto foi um dos compositores mais inovadores da canção popular dos anos de 1970. Fonte: www.itaucultural.org.br
Veja também: http://www.torquatoneto.com.br/
CARTÃO-POSTAL POÉTICO – Texto: TORQUATO NETO
Foto: "Os Últimos dias de Paupéria".
Editora: CONFRARIA OS POETAS / UTOPIA DE MALANDRO – RIO -RJ
Ver também POESIA VISUAL de Torquato Neto
TEXTS IN PORTUGUESE & ENGLISH
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EM ESPAÑOL
A RUA
toda rua tem seu curso
tem seu leito de água clara
por onde passa a memória
lembrando histórias de um tempo
que não acaba
de uma rua de uma rua
eu lembro agora
que o tempo ninguém mais
ninguém mais canta
muito embora de cirandas
(oi de cirandas)
e de meninos correndo
atrás de bandas
atrás de bandas que passavam
como o rio parnaíba
rio manso
passava no fim da rua
e molhava seu lajedos
onde a noite refletia
o brilho manso
o tempo claro da lua
ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão
ê parnaíba passando
separando a minha rua
das outras, do maranhão
de longe pensando nela
meu coração de menino
bate forte como um sino
que anuncia procissão
ê minha rua meu povo
ê gente que mal nasceu
das dores que morreu cedo
luzia que se perdeu
macapreto zé velhinho
esse menino crescido
que tem o peito ferido
anda vivo, não morreu
ê pacatuba
meu tempo de brincar
já foi-se embora
ê parnaíba
passando pela rua
até agora
agora por aqui estou
com vontade
e eu vou volto pra matar
essa saudade
ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão.
In: TORQUATO NETO. Os últimos dias de paupéria: do lado de dentro. Org. Ana Maria S. de Araújo Duarte e Waly Salomão. 2.ed. rev. e aum. São Paulo: M. Limonad, 1982
De
Teresa Cabañas
que poesia é essa?!
Poesia marginal: sujeitos instáveis,
estética desajustada.
Goiânia: Editora UFG, 2009
COGITO
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos segredos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim..
“A exasperada reiteração anafórica no começo de cada estrofe ressoa como eco da curiosa afirmação de um eu (“sou como sou”) irremediavelmente fragmentado (“pedaço de mim”) que não passa de uma partícula gramatical, sem memória para cultuar nem presente para comemorar.A morna indiferença com a qual se assiste a tamanha desarticulação abate-se sobre o eu para negar a própria essência da distinção da natureza humana, ilustrada pela máxima racionalista do “penso, logo existo”. A ausência de dramaticidade, essa tranquila aceitação do fim, que descobre um eu lírico relutante a queixumes ou lamenações, não pro vocação estóoca, mas peã consciência do irremediável (“vidente”) (...)” Teresa Cabañas, op. cit. p. 50-51
VAZ, Toninho. A biografia de Torquato Neto. Curitiba, PR: Nossa Cultura, 2013. 408 p.
15,5x23 cm.
LETRAS DE TORQUATO NETO MAIS CELEBRADAS!!!
GELEIA GERAL
Música: Gilberto Gil
Letra/ lyrics: Torquato Neto
Ouça a música / Oiga la música / Listen to the music:
http://letras.mus.br/torquato-neto/387442/
Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
A alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro
Minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV
E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
Plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz "bom dia"
E outra moça também, Carolina, da janela examina a folia
Salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
Um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido
Pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido
Voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
LET´S PLAY THAT
Música: Jards Macalé
Letra/ lyrics: Torquato Neto
Ouça a música / Oiga la música / Listen to the music:
http://www.youtube.com/watch?v=KNWJXKWcQrs&feature=kp
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that
LOUVAÇÃO
Música: Gilberto Gil
Letra/ lyrics: Torquato Neto
See the / Oiga la música / See the vídeo & music
ELIS REGINA & JAIR RODRIGUES:
http://www.youtube.com/watch?v=zNxVN77KF38
Vou fazer a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção
Atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado
Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Quem 'tiver me escutando
Atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
A vida pra não morrer
Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção
Atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar
E assim fiz a louvação
Louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Se me ouviram com atenção
Atenção, atenção
Saberão se estive errado
Louvando o que bem merece
Deixando o ruim de lado
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TEXTS IN PORTUGUESE & ENGLISH
TORQUATO NETO
1944-1972
Torquato Neto was born in Teresina, Piaui, in 1944. In 1972 he committed suicide in Rio de Janeiro.
One ofthe founders of the Tropicalist movement with Caetano Veloso and Gilberto Gil, Neto wrote the lyrics for "Geléia Geral," one ofthe key songs of the movement. His activities also included directing and acting in underground films. He co-edited the vanguard poetry journal Navilouca (1972). In the early 1970s, he wrote a column for the newspaper
Ultima Hora in Rio de Janeiro. His only book of poetry, Os últimos dias de paupéria (São Paulo: Max Limonad, 1982)., was published posthumously, edited by Waly Salomão.
Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
(from Os últimos dias de paupéria, 1982)
Cogito
I am as I am
a pronoun
untransferable
from the man I began
at the measure of the impossible
I am as I am
now
without great secrets beneath
without new secret teeth
at this hour
I am as I am
present
unleashed, indecent
like a piece of myself
I am as I am
visionary
and I live peacefully
all the hours of the end
—Translated from the Portuguese by Dana Steven
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Let´s Play That
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let´s play that
(musicada por Jards Macalé,
from Os últimos dias de paupéria, 1982)
Let´s Play That
when I was born
a crazy, very crazy angel
came to read my palm
it wasn´t a baroque angel
it was a crazy, crooked angel
with wings like a plane
and behold, this angel told me,
pressing my hand
with a clenched smile:
go on, pal, sing off key
in the happy people´s choir
go on, pal, sing of key
in the happy people´s choir
let´s play that
(set to music by Jards Macalé
translated from Portuguese by Dana Stevens)
Seleção de poemas publicados originalmente em:/ Poems from:
NOTHING THE SUN COULD NOT EXPLAIN: 20 CONTEMPORARY BRAZILIAN POETS, edited by Régis Bonvicino, Michael Palmer and Nelson Ascher. In> THE PIPE – ANTHOLOGY OF WORLD POETRY OF THE 20TH CENTURY. Vol. 3. Los Angels, USA: Green Integer, 2003.
Edição com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e do Consulado Geral do Brasil em San Francisco, California, USA,
Recomendamos a leitura:
TORQUATO NETO: um poliedro de faces infinitas. Edwar de Alencar Castelo Branco, Vinicius Alves Cardoso (Organizadores). Teresina, PI: EDUFPI, 2016. 218 p. ISBN 978-85-7463-959-8 Ensaios de diversos autores.
TEXTOS EN ESPAÑOL
TORQUATO NETO
Teresina, 1948-1972. Poeta, letrista, periodista y actor. Es llamado o Anjo Torto da Tropicália, su pieza Geléia Gerales considerada como el manifiesto tropicalista. Compuso canciones en colaboración con Gilberto Gil, Caetano Veloso, Luiz Melodia, Jards Macalé, João Bosco, Edu Lobo y Roberto Menescal, entre otros. Trabajó en los periódicos Correio da Manhã, Jornal dos Sportsy Última Hora. Fue un agente cultural y defensor de los movimientos artísticos de vanguardia como Tropicália, Cinema Marginal y de la poesía concreta. Su libro de poesía Os últimos dias de Paupéria (1973) se publicó póstumamente.
A seguir, textos extraídos de la revista venezolana (en la web) LA COMUNA DE BELLO. N. 2, abril 2014
Go Back
Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
E se passou, passou
Daqui pra melhor, foi
Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Go Back
Usted me llama
Yo quiero ir para el cine
Usted reclama
Mi corazón no contenta
Usted me ama
Pero de repente
La madrugada cambió
Y ciertamente
Aquel tren ya pasó
Y si pasó, pasó
De aquí para mejor, fue
Sólo quiero saber lo que puede dar cierto
No tengo tiempo a perder
Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
Cogito
yo soy como soy
pronombre
personal intransferible
del hombre que inicié
en la medida de lo imposible
yo soy como yo soy
ahora
sin grandes secretos de antes
sin nuevos secretos dientes
en esta hora
yo soy como yo soy
presente
liberado indecente
hecho un pedazo de mí
yo soy como yo soy
vidente
y vivo tranquilamente
todas las horas del fin.
Pra dizer adeus
Adeus
Vou pra não voltar
E onde quer que eu vá
Sei que vou sozinho
Tão sozinho amor
Nem é bom pensar
Que eu não volto mais
Desse meu caminho
Ah, pena eu não saber
Como te contar
Que o amor foi tanto
E no entanto eu queria dizer
Vem
Eu só sei dizer
Vem
Nem que seja só
Para decir adiós
Adiós
Voy para no volver
Y donde quiera que yo vaya
Sé que voy solito
Tan solito amor
Ni es bueno pensar
Que yo no vuelvo más
De ese mi camino
Ah, pena no saber
Cómo contarte
Que el amor fue tanto
Y en el en tanto yo quería decir
Ven
Yo sólo sé decir
Ven
Ni que sea sólo
Para decir adiós
Três da Madrugada
Três da madrugada
Quase nada
Na cidade abandonada
Nessa rua que não tem mais fim
três da madrugada
tudo é nada
a cidade abandonada
e essa rua não tem mais
nada de mim...
nada
noite alta madrugada
na cidade que me guarda
e esta cidade me mata
de saudade
é sempre assim...
triste madrugada
tudo é nada
minha alegria cansada
e a mão fria mão gelada
toca bem leve em mim
saiba:
meu pobre coração não vale nada
pelas três da madrugada
toda palavra calada
nesta rua da cidade
que não tem mais fim
que não tem mais fim
Tres de la madrugada
Tres de la madrugada
Casi nada
En la ciudad abandonada
En esa calle que no tiene más fin
tres de la madrugada
todo es nada
la ciudad abandonada
y esa calle no tiene más
nada de mí…
nada
noche alta madrugada
en la ciudad que me guarda
y esta ciudad que me mata
de añoranza
es siempre así…
triste madrugada
todo es nada
mi alegría cansada
y la mano fría mano helada
toca bien leve en mí
sepa:
mi pobre corazón no vale nada
por las tres de la madrugada
toda palabra callada
en esta calle de la ciudad
que no tiene más fin
que no tiene más fin
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