RAMSÉS RAMOS
(1962-1998)
Nasceu em Teresina, Piauí, descendente de família de músicos. Viveu em Brasília e trabalhou nas Nações Unidas, como chefe do Cerimonial e de Relações Internacionais. Viveu também na Tchecoeslováquia e na Espanha. Faleceu na Rússia.
Lançou seis livros de poesia: Dois Gumes (1981), com Rosário Miranda; Envelope de Poesia (coletivo); Dança do Caos (1981), com Kenard Kruel, Eduardo Lopes, William Melo Soares e Zé Magão; Percurso do Verbo (1987); Baião de Todos (coletivo, 1996); e Poemas da Paixão (Praga, 1992).
Hay kai da espera
(ao mário quintana)
enquanto você
guarda e aguarda
eu aguardente
(Teresina,02.09.87)
Hai-kai do amanhecer
a ponta do dia
feria o horizonte:
amanhecia ...
(1987)
saudade me botou na parede
— há de chorar
mas eu sei que a rede
em que me reparto
é um banquete raro
tanto fino quanto farto
saudade triscou no gatilho
— impossível não prantear
mas eu sinto que o ato
entre o partir e o ficar
é o fico, não o parto
saudade remoço meus desertos
— hei de carpir
mas eu vejo que a lei
de que é feito meu império
pertence à fina grei
do eterno mistério
(Brasília, 17.7.94)
sete pecados do amor
o melhor amor é o que não faz alarde
(mar como arde)
ao melhor amor nunca se esquece
(mas quem merece?)
melhor amor sempre tem dinheiro
(onde, o banqueiro?)
o melhor amor é desinteressado
(todo mundo é culpado!)
melhor amor jamais atraiçoa
(desse se caçoa)
o melhor amor te amará eternamente
(quanto se mente!)
o melhor amor, enfim, de tudo abdica
(esse, com quem fica?)
MENEZES Y MORAIS, org. Mais uns: coletivo de poetas. Brasília: 1997. 200 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
TEU SILÊNCIO
teu silêncio
dilacera meu grito
é todo intenção de gesto
aberto ao infinito
em teu silêncio
sofro múltiplos martírios
de reinventar-me por completo
moto signo abismo
e Deus que criou teu silêncio translúcido
e opaco
semeou em mim esse ser inconcluso
louca seta assestando o absurdo
TEUS DEDOS
meu corpo já me pertenceu
completamente
mas depois que o passeaste
inteiro
tudo é diferente
teus dedos
de suas portas
são o único chaveiro
FEITO
feito um furacão
entro por tua vida
cânhamo espalhado
no portão
feito aluvião
trago antigas vidas
correnteza adentro em tufão
feito uma oração
lanço a comunhão
semente partida
em teu rosto
feito um feixe
de luz crisálida
tino adagas
nos prespontos do sol
feito imaginação
instruo em tua vida
ávidos afãs
espinho antigas
margaridas
e acordo as dores
mais doridas
do prazer
feito sedução
eu pensei que o coração tudo podia
mas nada pode
apenas tosse e geme e grunhe essa paixão
tresloucado gesto
contra a razão
mas por nada disso, da terra, poder
é que ele tudo pode
— vê o que ninguém vê
OUTUBRO
na janela
cores dissipadas
folhas dizimadas
em cinza me transmudo
descubro
(em outubro)
tardes que multiplicam
meu espírito obtuso
tardes que multiplicam
meu espírito obtuso
tardas de um equilíbrio lasso
onde olhares embaçados
entre pó e erva
transitam ares de granizo
outubro
espantalho rubro
*
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Página publicada em julho de 2021
Poemas extraídos de
TAVARES, Zózimo. Sociedade dos Poetas Trágicos. Vida e obra de 10 poetas piauienses que morreram jovens. 2 ed. Teresina, Piauí: Gráfica do Povo, 2004.
122 p.
Colaboração de Elimira Simeão, página publicada em julho 2007.
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