MARTINS NAPOLEÃO
Benedicto Martins Napoleão do Rego (União, Piauí, 17 de março de 1903 – Rio de Janeiro, 30 de abril de 1981) foi um jornalista, professor, escritor e político brasileiro que foi governador do Piauí.
Filho de Artur Napoleão do Rego e Olímpia Martins do Rego. Iniciou sua vida jornalística e literária em Belém quando estudava no Ginásio Pais de Carvalho e em Salvador foi auxiliar de telegrafia. Morador do Rio de Janeiro entre 1919 e 1924 trabalhou no Museu Nacional de Belas Artes e no Ministério da Agricultura antes de retornar ao Piauí onde foi secretário-geral do estado durante a interventoria de Antônio Leôncio Pereira Ferraz. Empossado em 9 de novembro de 1945 assumiu o governo do estado em 19 de dezembro do mesmo ano após uma viagem do titular ao Rio de Janeiro e como este não retornou manteve-se no cargo até 20 de março de 1946 quando o presidente Eurico Gaspar Dutra indicou seu sucessor.
Presidente da Academia Piauiense de Letras entre 1943 e 1946 foi professor do Liceu Piauiense, do Instituto de Educação Antonino Freire, do Colégio Diocesano e da Faculdade Federal de Direito do Piauí, além de ter sido Diretor de Instrução Pública, cargo equivalente ao de Secretário de Educação. É irmão de Hugo Napoleão do Rego e tio de Hugo Napoleão do Rego Neto.
O DESTINO DA LIRA
Dói recolher, na concha e na alma, o alheio pranto
— orvalho a gotejar de outras raízes...
Mas é tão doce a dor de o transformar num canto
Que console infelizes...
O destino da Lira é como o das estrelas,
Belas e inúteis, aparentemente.
Mas a força vital infinita que há nelas
Faz brotar a semente.
O destino da Lira é o destino das rosas,
morrendo mas deixando o aroma que erra,
Ou no ar ou no esplendor das mulheres formosas,
Como um bem feito à terra.
(De Copa de ébano (1927)).
O POEMA DA FORMA ETERNA
(Ó infinito sonho!
O grande céu azul desfolhado no espaço!
O homem pequeno e louco
E o barro úmido às mãos do oleiro cego!)
Expressar cada um
O seu minuto culminante de beleza,
O seu instante de bondade extrema,
O seu momento de heroísmo,
Na subitânea íntegra pureza
De uma forma imperecível!
Como o coágulo de luz no diamante sem jaça,
Qual se a gota de orvalho, porventura,
Imagem matinal do sorriso da luz,
Se condenasse repentinamente.
Não a forma perfeita,
Porém aquela, exata e duradoura,
De um ápice de síntese.
Forma que se transfunda, num jato, a substância
De um momento imortal entre dois limites inúteis do tempo fugaz.
Uma forma que seja - nos limites do vário e mutável - perene.
E possa traduzir a integração, a plenitude e a culminância
Do glorioso momento da vida:
O desejo de fixar o efémero para o tornar eterno.
Como o oleiro inocente, com as mãos carregadas de sonho,
Procurar transmitir ao barro paciente,
Numa manhã feliz em que os deuses se vestem de luz,
O movimento, a vida, a elástica e nervosa agilidade
Da asa de um pássaro voando...
E o pintor, com os olhos impregnados de cores viventes, Anseia revelar, numa combinação imprevista de tintas, Em que a luz e a névoa se misturem, E a virgindade da manhã se case À difusa tristeza do crepúsculo,
Num tom maravilhoso,
0 úmido olhar do amor que pecou por prazer...
E o músico, de coração sangrante de harmonias,
Tenta subjugar, num acorde que encerre
0 resumo de todas as únicas notas supremas
Arrancadas das cordas soluçantes
Dos violinos de todos os artistas
Que morreram em êxtase de sonho.
A expressão musical das primeiras estrelas
Que iluminam o silêncio da tarde,
Como lágrimas de adolescentes...
E o atleta, que tem o sentido dos ritmos nos músculos submissos,
Busca perpetuar, numa imagem que esplenda
Clara e vibrátil como uma ode pindárica,
E tenha a assustadora beleza da vitória sobre a morte,
Ao pasmo olhar da multidão de fôlego suspenso,
0 salto sobre o abismo.
E o herói, que mede o valor da vida pela beleza oportuna da morte,
Ambiciona cunhar, numa imagem que ostente
0 soberano orgulho do desprezo
E a coragem consciente do perigo,
0 simbólico exemplo
Do primeiro soldado que tombou
Com um sorriso nos lábios e uma rosa de sangue no peito.
E o santo que transcende as leis humanas
Aspira a eternizar, numa imagem que seja,
A própria infinitude de todos os êxtases
E todas as bondades sem nenhuma recompensa
0 gesto irrepetível
Do instante de humildade e de renúncia
Em que se debruçou para beijar o leproso na boca,
Como um lírio num charco...
E o poeta, flauta cheia do sopro divino
Quer reunir, a um acesso instintivo de forças genésicas
Num canto absoluto
0 irrelevado espírito das coisas,
A harmonia que ninguém ousou captar,
A beleza invisível para os outros.
E o lavrador, que espera a bendição de Deus,
Deseja aprender, numa imagem que vibre
Como a entranha da agreste companheira
Sob as primícias da maternidade,
A alegria da terra,
Rasgando o próprio seio sem doer
Para as eclosões das primeiras sementes.
Como o oleiro o seu momento de inocência criadora,
E o pintor, o seu momento de domínio incomparável
da matéria plástica,
E o músico o seu momento de cósmica integração,
E o atleta o seu momento de vitória espetacular,
E o santo o seu momento de êxtase supremo
E o lavrador, o seu momento de esperança milagrosa
E o poeta o momento de seu canto absoluto
Todos aspiram a perpetuar-se
Moldando o grande sonho em forma eterna.
Todos desejam essa alegria perfeita
Da forma em que se transfunda, num jato, a substância
Do momento imortal, único, entre os dois limites extremos
e inúteis do teraj po fugaz.
[Caminhos da vida e da morte (1941))
Página publicada em janeiro de 2020.
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