J. RIBAMAR MATOS
(1946-1974)
era o poeta que partia sem ter tempo de transmitir à posteridade os sentimentos que lhe sufocavam a alma jovem e idealista. Nascido em Oeiras, Piauí, era funcionário do Banco do Nordeste do Brasil, morreu precocemente, vítima de um desastre automobilístico, acontecido no Ceará.
Era um poeta ligado à tradição da poesia; seus sonetos, rimados e metrificados, tinham substrato geralmente lírico.
Biografia: https://academia-oeirense-de-artes.webnode.com
Poemas do livro Poeira de estrada (1984):
RESSURREIÇÃO
Se eu falecer, querida, bem distante,
e não vires, sequer, meu corpo frio,
ao meu sepulcro leva, a cada instante,
a dor cristalizada, fio a fio...
Reza ao teu morto uma oração constante:
deixa cair do triste olhar vazio,
do teu, então, já pálido semblante
o pranto que te torna o olhar sombrio...
Vai derramar em minha sepultura
chuva eterna de lágrima sentida
de tua alma, diluída na amargura;
que, se molhar a minha face ungida,
então me erguendo lá da cova escura,
eu chamarei por ti, mulher querida!
SILÊNCIO
Pouco te importa o meu sofrer insano
e que eu viva, afinal, como hoje vivo,
nessa angústia de pássaro cativo,
a andar de desengano em desengano!
Já não tenho ilusões nem mais me engano
com a minha existência sem motivo,
pois não creio em, depois, ver redivivo
o vigor de outros tempos, espartano.
Ver-me-ás, entretanto, silencioso e mudo,
nem um lamento de meu lábio triste
ouvirás nunca mais, depois de tudo!
Calado e triste há de me ver agora,
sem o vigor de quando tu surgiste,
tecendo versos pela vida a fora...
OEIRAS
Do fundo do meu tempo encarcerado
emerge intacta a vida inconsequente
do menino de rua – impenitente
ladrão de umbus de Santa do Condado:
O Sobrado, com grade e cata-vento,
lembrava estórias de lhe meter medo:
— estórias de fantasmas, cujo enredo
deixava-o todo num estremecimento;
as ruas tortuosas, muito escuras,
com seus imensos casarões vetustos
e o cemitério, onde a tremer de sustos,
via almas brancas pelas sepulturas;
e a torre solitária da Matriz
erguida para o céu (como se fosse
a presença de Deus, serena e doce,
na alma do povo simples e feliz!);
e o Mocha de águas turvas que, perplexo
testemunhou primeira vadiagem,
do molecote impúbere, selvagem,
mal despertando pro prazer do sexo;
Igrejas do Rosário e Conceição,
Poço do Silva, praça do Mercado,
ruas do Fogo e do Hospital, Condado,
Canela, Barro Alto, Boqueirão,
tudo emerge do fundo da memória
do menino que a vida endureceu...
(...)
(Oeiras, meu torrão de amor e glória,
saúda-te o menino, que sou eu!).
Página publicada em janeiro de 2020.
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