Foto: Cazé
HERMES VIEIRA
Hermes Rodrigues Cardoso Vieira [ 1911 - 2000 ] nasceu na Fazenda Caiçara, Elesbão Veloso - PI. Poeta popular, cronista, romancista, indianista e folclorista. Tem publicado: Poemas Nordeste (1988); Piauí Sertão (1988), entre outros.
LAMENTOS DE MÃE LUA
"No sertão, nos matagais,
Quando vai no céu a lua
E nas fontes cristalinas
O luar meigo flutua,
Um silêncio agreste e doce
Deixa tudo extasiado;
Pelo espaço enluarado.
E uma voz dolente ecoa
Essa voz que dissimula
Uma dor a gargalhar,
É notória no sertão
Pelas noites de luar.
É a voz da Mãe-da-Lua
A chorar o ausente esposo
Que, segundo afirma a lenda,
teve um fim misterioso.
Era um pobre lenhador;
Certa vez, indo lenhar,
Por motivo inexplicável,
Não voltou mais ao seu lar.
Mãe-da Lua, em desespero,
Coração angustioso,
Atirou-se pelas brenhas
A procura do esposo.
Andou muito, mas, debalde:
O marido não encontrou,
E por isso nunca mais
A cabana ela voltou.
E
depois, num ramo nu,
Sob um manto de luar,
Outras aves encontraram
Mãe-da-Lua a soluçar.
Não querendo a infeliz ave
Pelas outras ser zombada,
Logo o pranto simulou
Numa triste gargalhada.
E num galho, solitária,
Mergulhada no luar,
Ela ainda continua
Com seu triste gargalhar.
Como oculta a Mãe-da-Lua,
Gargalhando os seus tormentos,
Muitos riem, assim também,
Ocultando os sofrimentos".
NORDESTE
"Meu Nordeste feiticeiro,
Morenão de bronze o peito,
Genuíno brasileiro,
Eu me sinto satisfeito
Em ser filho de um teu filho
E no chão por onde trilho,
Que venero com respeito.
Meu Nordeste das moagens
Nos engenhos de madeira,
Dos açudes, das barragens,
Da lavoura rotineira,
das desmanchas de mandioca,
Do foguete-de-taboca
Irmão gêmeo da ronqueira.
Meu Nordeste onde os velórios
São rezados no sertão,
E improvisam-se os casórios
(Sem juiz, sem capelão),
Os padrinhos e os compadres,
As madrinhas e as comadres,
Na fogueira de São João.
Meu Nordeste do bornal,
Rifle, bala e cartucheira,
Da "lombada" e do punhal,
da "garruncha" e da peixeira,
Do cacete e do facão,
Com que um cabra valentão
Desmantela festa e feira.
Meu Nordeste em rede armada
(De algodão ou de tucum),
Aguardando a maxixada
Com quiabo e jerimum,
Mel, canjica e milho assado,
Feijão verde e arroz torrado,
Na semana de jejum.
Meu Nordeste a boi de carro...
Carro-de-boi do Nordeste,
Tosco, humilde, simples charro,
Submisso e a nada investe,
Que, arrastando estrada afora,
Range, grita, canta e chora
Ajaujado à canga agreste. (....)
( Do Livro "Poemas Nordeste")
LAMENTO DE UM RETIRANTE ÓRFÃO
Seu doutô, vosmincê tá bisservando
Bem prali, mais pra lá desses lagêro,
uma cova e uma crúiz já disbotando
Bem pertim desses pés de mamelêro?
Apois é nessa cova, meu patrão,
Sapagando e cuberta de capim,
Quaje nu, sem mortáia e sem caxão,
onde tá sipurtado meu paizim.
Vê tombém essas outas piquinina
onde o só tá bejando cum seus rai?
São dos meus rimãozim — Bento e Cristina,
Qui morrero do jeito de papai.
Foi a seca, esse monsto do Nordeste,
Quinscanchada num só devoradô,
Conduzindo um surrão de fome e peste,
Meus trêis entes quirido aqui matou.
Vivo só cum mamãi, pobe e duente,
Supricando do povo a cumpaixão;
Mais porém, muntos sombra e ri da gente
E nos dão disingano im vêiz de pão.
E o pió disso tudo, cá pra mim,
É si vê passá era e chegá era
Intregando pra muntos leite e vim,
E pra nóis sofredô, fome e miséra!
Muntos diz qui o Gunverno sempre dá
Uma ajuda praqueles qui têm fome;
Mais porém, quando a ajuda sai de lá,
Outra Seca pió lhi agarra e come!
Quando chega os momento dinleição,
As promessa têm chêro de alimento;
Mais, dispois, junto o vento elas si vão,
E nóis fica no mêrmo sufrimento!
ANTOLOGIA DE SONETOS PIAUIENSES [por] Félix Aires. [Teresina: 1972.] 218 p. Impresso no Senado Federal Centro Gráfico, Brasília. Ex. bibl. Antonio Miranda
PIAUÍ
Teus montes, as montanhas e as colinas;
Teus vales ubertosos, florescentes;
Teus campos matizados, sorridentes;
Teus brejos fabulosos de águas finas;
Teus rios, tuas fontes cristalinas;
Teus lagos pequeninos, transluzentes;
Teus bosques perfumosos, viridentes;
Teus belos chapadões e as campinas;
Teus ricos e pomposos estendais
De flores e de frutos naturais;
De lindas borboletas multicores;
De ledos e canoros passarinhos,
São tudo para mim dourados ninhos.
São bálsamos que acalmam minhas dores!
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Página ampliada e republicada em março de 2023
Página publicada em janeiro de 2019
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