ELMAR CARVALHO
José ELMAR de Mélo CARVALHO nasceu em Campo Maior, Piauí, Brasil em 1956. Juiz direito, bacharel em Direito e em Administração de Empresas. Publicou os livros: Rosa dos Ventos Gerais (prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores) , Cromos de Campo Maior, Noturno de Oeiras, e "Sete Cidades - roteiro de um passeio poético e sentimental" e participou de antologias.
Membro da Academia Piauiense de Letras desde 2008.
LIRA DOS CINQUENTANOS
Elmar Carvalho completa cinqüenta anos de uma carreira literária de projeção nacional, com uma bibliografia extensa e uma fortuna crítica relevante. Poeta de expressão telúrica e linguagem universal. Mereceu uma edição comemorativa, um alentado volume com quase trezentas páginas, em que reúne poemas, entrevistas, depoimentos e uma vasta galeria de fotos de sua trajetória, para a admiração de seus leitores. Teresina: Fundação de Apoio Cultural do Piauí - FUNDAPI, 2006. 271 p. ilus.
Antonio Miranda
AUTOBIOGRAFIA
Após seguir os mais ásperos caminhos,
Napoleão avesso, eu próprio me coroei
com uma coroa de cravos e espinhos.
Subi montes, rompi charcos,
atravessei grutas sem luz,
com os ombros esmagados
ao peso da férrea cruz.
Em noites de névoas e luares
sofri e cantei perdido nos lupanares.
Em dias de sol escaldante e incandescente,
fui casto Dante
e Baudelaire delirante e indecente,
pelas tardes mornas de ressacas e orgias.
No Olimpo a que subi em busca
dos mitos, à procura de Zeus,
pregaram-me num cruz onde
puseram irônica tabuleta: ”Rei dos Judeus”.
Por frígida e pálida manhã,
envolto em solidão e neblina,
rasguei e perdi minha toga purpurina.
Cheio de ódio e de amor,
sorvendo taças e mais taças
de bebida balsâmica e malsã,
nos bordéis de Eros, nos templos de Pã,
e nos palácios dourados de Mefisto,
onde sucumbo e resisto,
no meio de mentira e desengano,
fui Satã,
fui Cristo,
fui Humano.
Elmar Carvalho
(Teresina, 17.11.95 às 04:25h)
O BÚZIO
o búzio
- pequeno castelo
ou gótica catedral -
sobre a mesa avança
envolto em ondas e vendaval
anda ondulante
onda cavalgante
onda ante onda
atraído pelo chamado
do mar avança
chamado que carrega
nas espirais e labirintos
de sua concha côncava
avança e
lança sobre mim
a tessitura exata
de sua arquitetura
abstrata e surreal
avança
unicórnio lendário
protuberante
rinoceronte bizarro
surfista extravagante
em forma de chapéu
lentamente
avança co-movido
pelo chamado das ondas
que em si encerra
em seu ventre vazio
onde o vento em voluteios
é a própria voz do mar
oh, búzio caprichoso
como as curvas e volutas
de um corpo de mulher...
NO REINO DO SURREAL
I – FUTEBOL
último rei
dec/apitado
fiz o gol
da vitória
com minha própria
cabeça
nas traves da guilhotina
(e o goleiro era o carr’asco)
II – BASQUETEBOL
tomaram-me
tudo inclusive
o óbolo inútil
o bolo indigesto
a bola murcha
a bala de festim
a balada calada
alada
mas sem vôo
mas ainda me sobrou
cabeça para arrancá-la
e enfiá-la
na cesta
III – VOLEIBOL
dei um saque
jornada nas estrelas
em minha
cabeça
de antemão coroada
com o louro/ouro
da vitória
minha cabeça descreveu
uma parábola
bola
sangrando
bola
singrando
o espaço como um
cometa
de cauda sangrenta
(depois a fiz troféu da vitória)
GRAN FINALE
Desmanchei
com minhas mãos
que os criara
os deuses em que cria.
Desfiz
a imagem que fizera
da mulher amada.
Perdi a fé em tudo
como quem nada perde.
Depois
gritei, berrei,
chorei gargalhando
e resolvi ficar louco.
Depois de doido,
resolvi tentar a sorte
sal –
tan-
do de cabeça
do alto do arranha-céu.
Parnaíba, 15.06.78
AUTO-APRESENTAÇÃO
eis como sou
neste instante único
(após o qual já
serei um outro):
um homem que rema
no seco contra
a corrente das águas
um homem que usa
a gravata como
se fora um baraço
nas horas de opressão
um homem que escreve
torto por
linhas certas
um homem que sobe
e teima contra
a lei da gravidade
eu sou aquele
que aprendeu
a pecar para
ter a humildade
de não ter uma
virtude
eu sou aquele
que jogou roleta
russa com o tambor
cheio de balas e
apostou contra a
sorte
eu sou aquele
que lutou para
não ser
REALIDADE FANTÁSTICA
Velhas borboletas empoeiradas
saídas do fundo dos baús.
Velhas borboletas obsoletas
e de
asas
enferrujadas querendo
aprender de novo a arte de
bor- bor- bor-
bo- bo- bo-
le- le- le-
to- to- to-
a- a- a-
vo- vo- vo-
ar. ar. ar.
Lâmpadas
votivas destroçadas, estrelas
cadentes geladas, luzes
apagadas pelos inimigos da
claridade.
Antigos
alfarrábios cheios
de traças e cupins
com as amarelas
páginas dissecadas
reescritos.
NOTURNO DE OEIRAS
Meia-noite.
Metade silêncio,
metade solidão.
Atravesso a praça das Vitórias
na hora dolorosa das doze badaladas
punhaladas que também me atravessam.
Da casa de doze janelas
doze donzelas me espiam com olhares
que são setas de medo que
assustam e extasiam.
Passadas pesadas
nos assoalhos de tábuas
dos rugosos sobrados se confundem
com o batuque tuc-tuc e
com o atabaque tac-tac
de meu desengrenado coração.
A lua se esgueira e espreita
das frestas das nuvens.
Os fantasmas caminham
solenes, devagar,
visíveis e invisíveis,
seres quesão e não são.
No horto do Pé de Deus
visagens rezam contritas.
No horta do Pé do Diabo
assombrações assombram
bichos e visitas.
À distância a casa da pólvora
vigia em sua solidez de pedra bruta.
Nos campanários de antigas igrejas
algum falecido sineiro repica
os sinos para si mesmo.
Uma sonata se evola
de piano que já não existe.
E persiste por pura teimosia.
O suicida se insinua
no vão da escada de vetusto sobrado.
Uma taça de prata tilinta e se despedaça ...
o relógio da catedral
parou no tempo que continua:
a pátina rói as bordas
da ferida do mostrador e
mostra a dor das doze badaladas.
Negros ainda esperam abolição
absolvição nas cercanias do Rosário
pelos pecados que não pecaram
As pedras antigas do calçamento
são percorridas por sombras
feitas somente de alumbramento.
O vento que passa
não é vento: é fru-fru
de saia de pessoa morta
ou hálito de porta
de casa já demolida.
Da Madona !ágrimas escorrem
e chovem sobre os telhados ...
Oeiras navega na noite
de um tempo que não termina.
De um tempo sem medida,
fugitivo de ampulhetas e relógios.
(Republicado: 1/1/06)
(Extraído de Rosa dos Ventos Gerais)
CARVALHO, Elmar de. Cromos de Campo Maior. Edição comemorativa do cinquentenário de Bitorocara (Campo Maior). 2ª edição. Teresina: Gráfica Mendes, Lei A. Tito Filho PMT; FCMC, 1995. ilus. s.p. ( José Elmar de Mélo Carvalho ) 22x20 cm. Capa e ilustrações de João de Deus Netto. Col. A.M.
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CARVALHO, Elmar. Poe Mitos da Parnaíba. Poemas: Elmar Carvalho. Ilustrações: Gervásio Castro. Diagramação e impressão: Gráfica do Povo. Teresina: 2009. Ilus. col. Ex. bibl. Antonio Miranda
O conjunto de 25 PoeMitos da Parnaíba retrata figuras populares, pitorescas, excêntricas e jocosas da cidade, mas sempre no que elas tinham de mais comovente e de mais humano. Cunha e Silva Filho
Derocy
Derocy, Ofélia da Parnaíba
não era um orador oral:
era um orador boçal
em seus discursos bestialógicos,
ilógicos, escatológicos. Tirava
do sério o homem mais sério quando
disparava seus disparates.
Simplicão
Não o Dias da Silva,
mas o Long John da Parnaíba,
o terror da mulherada,
pé de cana e pé de mesa,
concorrente de jumento e garanhão.
Se pegava mulher novata,
desconhecedora da fama de seu
alopramento descomunal.
A cama se transformava
no altar do sacrifício da mundana,
segura a pulso como uma potra bravia.
Processado pela noiva descartada
após quarenta anos de noivado.
(A noiva não sabe a sina
do que terá escapado.)
Pacamão
— Eu sou um monumento
anatômico e biotômico
onde a lenda se mistura com a realidade;
onde o homem se confunde com o mito.
E neste instante, sinto-me
forte como um elefante!
— Cadê a tromba? — perguntou um gaiato.
— Está aqui — retrucou Paca/mão na braguilha.
Pacamão: pacamônicos folclores
de ditos repetidos pela boca
do povo — arma de repetição
deflagrando gargalhadas.
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Poesia – humor
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Página ampliada e republicada em janeiro de 2021
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