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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DIEGO MENDES SOUSA

DIEGO MENDES SOUSA
 

Nasceu em Parnaíba, Piauí, em 1989. Começou a escrever poesia aos quatorze anos de idade e, aos dezessete, acaba de lançar o livro Divagações. Estudante do ensino médio, se intitula “leitor consuetudinário”, amante da música erudita, da pintura e admirador de Ferreira Gullar e Gerardo Mello Mourão, duas ascendências poéticas que levitam em esferas bem distintas, apontando para direções opostas... Ótimo para um jovem poeta tão reflexivo, plástico, esperpêntico. Ousado, nada trivial, não raras vezes amargo e perquiridor, sem indulgência. É a revelação de um talento que merece atenção, a quem auguramos um crescimento constante. Ele tem todas as condições, como revelou no livro de estréia. Antonio Miranda

“Diego é um poeta solitário, introspectivo e arredio por natureza. A angústia existêncial que às vezes o atormenta é revelada em “Candelabro”, poema comovente e de grande sensibilidade.”  Tarciso Prado

Prêmio Olegário Mariano (incentivo a Jovens Poetas) da União Brasileira de Escritores, entregue no salão da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, out. 2009.

Formado em Direito. Atualmente reside no Estado do Acre.

 

Vejam e leiam o ensaio:

 

O LIRISMO RADICAL: CONVERGÊNCIA E DIVERGÊNCIA DA NOSTALGIA DO NADA NA POESIA DE DIEGO MENDES SOUSA  

Ensaio crítico sobre a obra poética de Diego Mendes Sousa -

Autor: Prof.Dr. João Carlos de Carvalho

     Universidade Federal do Acre -    Cruzeiro do Sul-AC

https://www.portalentretextos.com.br/post/ensaio-critico-sobre-a-obra-poetica-de-diego-mendes-sousa-por-joao-carlos-de-carvalho

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3,  No. 6  jul./dez., 2021.          Diretor Flavio R. Kothe.  Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021.  146 p.              ISBN 2674-84-95  


       
PRELÚDIO PARA MAR GRANDE

         
Sempre reconto
        os girassóis
        e a claridade fantasma
        e um arrebol perdido
        na chama
        sangrenta
        de um tempo
        massacrado.

        Carrego os trovões
        de um horizonte ilhado
        nas sombras chuvosas
        do fracasso.

        Nos carrosséis
        que correm nostálgicos
        giram os velhos ventos
        vivos
        nas noites recolhidas
        de uma aurora
        que mais desaparece.

        Revivo o olhar do mar
        porque navegam comigo
        os sais e as sobras
        de um ser
        afogado.

        Na miragem
        e neste céu azulado
        estão encalhadas
        as dores seculares.

        Corpo em frangalhos
        trapos de um coração
        espantado:
        a minha alma é uma casa fantástica!
        Ave insondável e chorosa
        nos ninhos desertos
        do meu silêncio.

        Vago a observar o mar,
        mas antes reabito
        os sinais das águas
        e o seu rito bonito
        no finito de mim.

        Gestos sozinhos, luzes sem memória.

        Sou eu ali nas ondas, nas lembranças,
        nos ontens, nos passados...

        meus passarinhos, meus sacrifícios.

        Mar grande
        é também o meu amar bravo...

                Parnaíba, costa do Piauí, 21 de novembro de 2020.

 

https://www.viagenscinematograficas.com.br/2020/01/piaui-praias-delta-do-parnaiba.html
       

 

          MALÚRICO

       
O mar encharca os estilhaços
        do território onírico.

        Sonho nas luzes marítimas
        sem tempo prescrito.

        Meus saberes, meus íntimos
        toques de aleluia,
        meus cajuís coloridos do Labino,
        eu mordo!
        Devassos dentes doces...

        O mar demarca a minha origem
        retroterra, retrotempo, retrovida

        Ó, o mar demarca a minha origem...

        O mar registra a minha história
        poesia—ondas poesia-dunas poesia-sóis
        numinosa rosa de sal
        as entranhas da geografia litorânea
        essa alma estranha no trago estelar...

        Pouco importam as palavras migratórias
        tão-pouco o meu olhar interior e passageiro
        invento a mim mesmo
        nesse rito
        de imagens
        que escapam
        pelo coração
         da gleba.

        Resisto malúrico!
        Recolho as pérolas e desejo as praias
        que embarcam e singram
        os meus presságios...

        Tenho pressa, meu Deus, tenho pressa.

        Correm comigo os verdes os verdes olhos
                                                      de Altair
        também a violência de amar
        e os seus abrolhos.

        Tenho pressa.

        Acelero os passos
        e além disso resguardo um imenso lugar
        onde guardo a fertilidade estacional
        dos passarinhos em revoada frenética.

        Os caminhos
        ultrapassam os silêncios...
        Os caminhos
        ultrapassam os ventos...

        Pratico o dia viúvo do passado.
        Nada devo ao futuro.

        Sou poeta que beija a terra
        quando o universo explora
        as suas saudades pátrias!
        Terra Santa, terra vegetal
        Linha de terra, terá de Siena
        Parnaíba, seus tons descritivos,
        rios, lagoas, mangues e o Mar!
        Ah!, o mar!
        Que apressa os instintos indomáveis
        e o chão salgado das tardes infindas...
        No crepúsculo,
        alertou-me Regis de Miranda Marinho:
        “Seu canto malúrico ressoa
        cada vez mais forte!
        Bom parnaibano não é telúrico,
        mas malúrico,
        um ser das água do mar!”

        Aí eu contradisse:

        “Sou Salvaterra,
        prefiro o terreno dos abismos,
        a minha aurora vaga.
        E vou a lavar as mãos e os pés
        nessas dores sanguíneas
        pré-terra, mais valia, paraíso
        Parnaíba, sol a pino,
        minha Inglaterra às avessas.


 

        Irriga banha adúltera
        terra mar ao mar amar
        telúrico malúrico lírico
        meus restos meus excessos
        os sopros os gestos
        o aguar desesperado do mar!


               Parnaíba, costa do Piauí
                  28 de novembro de 2020.


        SONATA NOS RASGOS DA PRAIA

       
Gaivotas bailam desiguais
        à sombra do impossível
        feito burburinhos tristes
        de versos identificados
        com a fantasia solar.

        Uma e outras
        aves e grilhões
        nas mesuras
        do tempo
        navegam rasgos
        azuis
        no bulício das ilusões.

        São afetos vagos
        no céu ruído
        da fértil alquimia.

        São também
        olhos vazados
        do meu lugar
        de anseios
        à espreita.

        Bailam gaivotas na distância
        e é névoa ardente
        o infinito da praia
        fecunda.

        Onde estão os sonhos?
        E os assombros da dor?
        E os arranhões da alma?

        Mistérios
        encalhados
        no agora
        mais do mar.

        O coração
        do meu terral
        (de cajuís e de siris)
        sobrevive
        à cata de mim.

        Rasuro a vida
        nessa claridade
        de estranhamentos.

        Extravío o exílio.


                Parnaíba, costa do Piauí,
                17 de dezembro de 2020.



       
SOLAR DO POETA

       
É um solar antigo,
        de janelões trabalhados,
        recortados de presságios
        e com jasmineiros
        alegres.

        Existem flores brancas
        da cor da aurora
        para além
        de um céu claro
        com luzes azuis.

        De um lado do horizonte.

        a vista se descortina
        em telhados:
       sujos encardidos ressecados
        ao sol
        e consumidos por poeiras
        incrustadas
        pela passagem ferina
        do tempo.

        É domingo
        com sua paisagem
        remota
        e seus mágicos silêncios.

        As telhas de terracota
        anunciam apenas
        o desafogo do vento,
        que sopra os sais
        oriundos do mar.

        Este poeta hoje mira
        os sinos
        do seu deslumbramento
        e lembra alguns
        dos versos da Luiza Amélia de Queiroz,
        escritos
        no histórico e lindo casarão
        de azulejos portugueses,
        mistificados na ambiência
        romântica e charmosa
        da Rua Grande.

        Na Parnaíba,
        minha memória é fotográfica.
        A visão, pictórica.
       
        A nostalgia singra
        entre duas carnaúbas altas!
       
        A torre da Igreja de Santo Antonio
        aplaca
        uma melancolia
        de pássaro mudo.

        O meu coração voa
        entristecido
        pela Rua Dom Pedro II,
        onde viveu Fontes de Ibiapina
        com os seus papéis.

        Do outro lado do retrato,

        sagram minhas
        mãos de poeta
        prescritas
        em peças
        de dor,
        onde reverberam
        os mistérios
        e as sombras da alma.

            Parnaíba, costa do Piauí,
                10 de janeiro de 2021.

       

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL.  Ano 2, Número 3, jan./jun. 2020       Brasília, DF: Editora Cajuína,
2020. 124 p.  Presidente: Flavio R. Kothe.   ISSN 2674-8495 



        FRANCISCO

                  Por que sois tão medrosos?
                 Ainda não tendes fé?”


       
por mim e por ti
      para o mundo e
      para a cidade
      sem que me perdi
      a oeste
      de minha casa.

      tempo para sangrar:
      mar sem ar
      em águas
      além do lugar
      além das paragens
      amargas dos séculos

        fico à deriva
      a qualquer reabitar
      o que as folhas
      do outono febril
      pregam
      no corpo
      das coisas
      que doem
      e levam até
      o abismo
      da inescapável e
      tormentosa morte.

——


      para Roma
      para Madri
      para Paris
      para Londres
      para Nova York
      para São Paulo
      para Buenos Aires
      para a sombra das infância desperta.

      sem pai sem mãe
      nem avô nem avó
      sem os gestos
      dos irmãos
      nem primos nem amigos.

      ó mundo, ó solidão
      nuvem de chumbo
      desaba aqui...
      o céu é um fantasma cruel!
      miragem de desertos abertos
      que calham o frio
      que arde nos olhos.

        para a cidade
      para a paisagem
      para a atmosfera
      para o horizonte
     
      terrestre e enigmático
       a odisseia a Amazônia
       o Parnaíba o tigres
       o Nilo o Yangtzé
       as geografias
       que flutuam
       em mim...

 

       Francisco me ensinou
       a não ter medo.
       passageiro
       urbi et orbi
       ressuscitado das tempestades
       no desafogo da fé.

                
Cruzeiro do Sul  (Acre), Amazônia,
                       28 de março de 2020.

    

 

 

        CORONAVIRUS

        
Sem despedidas, sem o velório necessário, o caixão
            lacrado: é uma das maneiras de o vírus definir a
            crueldade de seu método e assombrar o futuro.
                                        Joaquim Ferreira dos Santos


           
Vem
         de um tempo escuro,
         chega devagar e inóspito.

           Como a madrugada mal dormida
         de outras eras,
          aporta do século catorze,
          não é americano nem espanhol
          nem chinês,
          e invade sorrateiro
          como a besta noturna.

            É misterioso
           e sufoca
           o homem 
           em vastidão.

           Mata sem ar
           o seu hospedeiro incrédulo.
           Mascara a família,
           isola gente,
           maltrata
           os mais velhos
           e os já doentes.

                É um vírus maligno, desumano.
             Sua única identidade
             é reescrever
             a história da humanidade.
             Virus que provém de longe,
             além oceanos,
             a flor dos relógios
             e dos corações
             em vagido
             obscuro.

             Sua memória
             abriga a dor...
             Sua casa:
             o desejo
             de apressar
             o massacre.

        Chora a Itália, padece a Espanha, espalha-se
      pelas Américas se e pelo continente africano.

                Desditoso, ah,
             e em desalento,
             o seu rastro
             é devastador.

             Carrega os vivos
             é desigual
             e futurista.

             Oh, almas imperfeitas,
             a levar os assombros
             da vida.

             No amanhã,
             caminharemos perdidos
             por um olhar grave.
             decerto,
             despovoados
             da eternidade.

             Os dias serão agônicos
             e as noites
             tardas e tristes.

                Os cantos do céu
             estarão
             na brevidade
             de um adeus
             aos mortos
             que não veremos...

             Oh, coronavírus!
             A ferir o horizonte
             com o seu signo indiferente
             ao humano.

             Oh, vírus!
             Piedade, piedade...
               Na hodierna aurora
               dos passos da Criação
               sem a claridade!

                       Cruzeiro do Sul  (Acre), Amazônia,
                               30 de março de 2020.


 

           

                                ISOLAMENTO

                   vamos dar vazão a toda essa dor,
                                 porque se o fizermos juntos,
                                       poderemos suportá-la.”

                 Concita de Gregorio, jornalista italiana.


                                      
palavra nenhuma
                          suporta
                          a dor da solidão.

                          declaro o nome
                          dos meus mortos
                          no tempo
                          e trago para mim
                          a sílaba etérea
                          dos seus sonhos.

                           isolo os cravos
                           no crepúsculo,
                           porque sei
                           da porta
                           escura
                           da hora
                           seguinte.

                           só morrerei
                           na noite
                           em que estacado,
                           o meu coração
                           desistir de mim.

                            não posso
                            coexistir
                            mitigado
                            e desprovido
                            de amor.

                            quem poderá?

                             quem sobreviverá
                             ao fogo solitário
                             da vida
                             que preserva
                             o mistério
                             e a ironia
                             do não ser?

                             a distância,
                             prego o que sofro,
                             já que
                             no sofrimento
                             posso alegrar
                             o meu próprio fim.

                             ao norte do mar
                             da minha vida,
                             longe das areias
                             que perfuraram
                             os meus pés,
                             choro às escondidas.

                              poeta, pretérito do futuro,
                              o futuro no passado largo,
                              quem poderá
                              unir a alma
                              aos sussurros inaudíveis
                              do tempo?

                              quem poderá
                              escutar a beleza de um poema
                              quando tudo
                              for escuridão?

                              quem ainda terá rosto
                              para exprimir o atônito
                              negrume de uma
                              desesperança?

                                 
Cruzeiro do Sul  (Acre), Amazônia,
                                            31 de março de 2020.

                        


                    GESTA DO PANTEMPO     

                             Para Moisés Chaves

                                       “Quero é perder-me no mundo 
                                                   para fugir do mundo.”
                                        Augusto Frederico Schmidt

                                

                     No fundo,
                     é tédio.

                     O desespero
                     como companheiro,
                     a tarde desata
                     os seus tons
                     de róseo
                     e cinza.

                     Morre
                     dentro de mim,
                     o velho poeta passadista,
                     que padece
                     da dor
                     dos precipícios amargos
                     e demasiadamente
                     violentos.

                      A vertigem
                      do tempo
                      é uma
                      sombra
                      paralítica
                      a rir dos frágeis
                      gestos
                      da testemunha
                      irrevelada.

                      Trago nos olhos,
                      a tristeza
                      das voragens,
                      uma certa melancolia
                      acesa,
                      travada
                      nos arreios adormecidos,
                      da infância,
                      que ultrapassa
                      a existência,
                      por ser repositório
                      de saudades
                      e eternidades
                      infindas.

                      O sonho
                      é uma bile negra,
                      o rastro das descobertas
                      sem propósitos aparentes.

                      Digo muito
                      das telhas
                      despencadas,
                      dos mistérios
                      que dormem
                      nos anseios
                      dos pássaros
                      insulares.

                      Comovo-me
                      com palavras felizes:
                      girassol, campo, andorinha.
                      céu, riacho, relva,
                      cavalo, boi, arado...
                      E mais alguma
                      que move
                      o presságio.

                      O corcel
                      do universo
                      é amarelo
                      e vagueia
                      em seu abismo
                      de imagens.

                      O que tenho?

                      Miro a fonte
                      dos segredos.

                      A poesia é fuga...
                      Um partir desorientado
                      a seguir o rumo
                      do desencontro...
                     
                      Correm fantasmas
                      nas noites
                      que clareiam
                      a alma
                      pé ante pé
                      na arribação
                      do cosmos
                      na agonia
                      que transcende
                      as velas
                      espantadas
                      do passado...
                       
                       Cruzeiro do Sul  (Acre), Amazônia,
                               31 de abril de 2020.





       
GESTA DA VIVÊNCIA

               Para Miriam Castelo Branco

        Viver é tão precário...
     
      Como doem
      as esporas
      da vida.


      Ponteiro
      que mascara
      os sentidos.

      Tarde azul.
       Razão da nuvem.
       Horizonte à tona.
       Gotejo dos sonhos.
       Espaço verde
       do tempo.
       Esboço do amor.
       Espelho da eternidade.
       Outras cores
       estonteantes
       a ferir
       os girassóis
       e as estrelas.

       Tudo me faz
       atingir comovido
       em velas velozes.:
       velhos e novos
       presságios mortos,

       na vaga sonolência da luz.

       O que fiz de mim?

       Ser transitório
       em ruídos,
       no incêndio
       de um deserto
       furioso
       e escondido
       de um deserto
       furioso
       e escondido 
       sob ventos
       sem destino.

       Criatura de rosto
       transfigurado
       e perdido
       a afundar
       o olhar baixinho
       na brisa triste do mar:

       o que fizeram de ti?

             Cruzeiro do Sul  (Acre), Amazônia,
                 10 de abril de 2020.

 

 

*

Página ampliada e republicada em setembro de 2023.

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS    /    TEXTOS EN ESPAÑOL

 

DIEGO MENDES SOUSA

Diego Mendes Souza e Antonio Miranda dando uma entrevista para a TV Brasil

(antiga TVE) durante a  I Bienal Internacional de Poesia de Brasilia, set.  2008

 

VERTIGEM

A poesia desinfetou as entranhas

                                            de

                                            meu estômago

 

agora vomito como

                             restos sólidos

depois catarei essa

                             e

                             aquela

                                       palavra

 

impulsarei na sintaxe

                  o de sobra

          voltará à vertigem digestiva

                                              

 

VAIDADE

 

Esta pele morena

                não é feita de ouro

 

O suor do corpo

                       contrapala

                       a côndea lisa:

Uma do homem presente

        do tato presente

 

outra

 

        Onde só os mais dotados

                         de sensibilidade

                              entenderão

               a natureza-fátua e

                                          frívola

                              desse homem

                                      ainda nascente

 

 

OBSERVAÇÃO

 

O vento corredio passa engraçado

                              pelas árvores

dando-lhes os movimentos

 

            e os pássaros

                                   saltam

as trincheiras da brisa de outros nortes

 

Cantando tudo dentro de seu possível

                      como pardais

                                 audíveis

                      por toda manhã

 

 

PECHA

 

Como macilenta

                       pode ser minha imagem?

 

E concluo:

               não são banais

                       os coriscos

               as nuvens

                              os penedos

               inerentes à minha pessoa

 

Apenas são defeitos

 

 

 

CANDELABRO

 

Dói-me o peito

Queima-me a alma

                            esta solidão reclusa

 

Não por querer viver

             nesta orla-névoa

       albicante como meu rosto

 

Se por medo da morte

 

Se por medo da perda

desta vida sob velas

 

Uma noite...

 

... Não serei solidão

 

não serei solidão

                         quando o candelabro

                                   for sereno

                                                  ao apagar-se

 

SINA

 

Libertei-me

            da revelia

      indivisa

                 de indivíduos

         pródigos

 

                       engrenando

               dentro

                     da afabilidade matinal

 

         Freme

               no sabor    

         prateado

            de estar vivo

 

    a clamar

         a exortar

                      a ascensão

         de um poema

                  de uma flama

         no elevadiço interior

                  onisciente

                     e díssono

 

         que ata

             o poeta

                  pleno pescoço

                        e sua sina

  

                         

  

Poemas extraídos do livro Divagações. Parnaíba: Edição do autor, 2007. 130 p.

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METAFÍSICA DO ENCANTO
De
METAFÍSICA DO ENCANTO
Parnaíba: edição do Autor, 2008

 

Diego veio de longe, lá do Piauí, nordeste do Brasil... Muito moço, 20 anos de idade, que belo! A União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro te concede, Diego, o Prêmio Olegário Mariano, por sua Metafísica do Encanto. Parabéns e quanta felicidade. Diego é um poema.  Stella Leonardos

 

                                                                                                   

Diego, tão jovem, você escreve com muita propriedade sobre o Amor. Gostei da dedicatória da Metafísica do Encanto ao poeta Gerardo Mello Mourão. Daqui a 30 anos, com a madureza da sua poesia, você será (já é) considerado um dos grandes poetas deste Brasil.    José Santiago Naud

 

Metafísica do Encanto começa numa capa e termina em nenhuma outra!  Jorge Tufic 

Diego, sua Metafísica do Encanto é de uma beleza formidável, sofisticada, erudita, elevada e carrega dentro do seu universo de espanto, o canto apaixonado, a voz solitária, o desespero da alma à Piaf.  Messody Benolie


Frisson à Rilke 

Que o Tempo não refute nunca
o rastilho prisioneiro e perplexo
do Amor
pois o sangue- motor da vida- pulsa
rarefeito
no apelo escondido dos Astros
a debilitar o indispor do mundo
que arrasta o azul sobre o branco:
          o ar puro da felicidade 

Somente o Amor filtra a ofensiva
da amargura em qualquer coração
e derrama o inusitado sobre o rosto
        a orvalhar a eviternidade
e apreender o martírio de tédio
que deslumbra
a existência sufocante
em recatos de sabedoria enevoada
 

O clarão da existência                                              

Como enramar-me de felicidade
se o campo, a flor, o riso...
e o descontentamento
e a sombra do tempo
e as estrelas se assomam
sob o canto e o silêncio
sobre a vida
e a renúncia
sobre uma pluma
em relâmpagos
a luz
 

existir em tua ausência
na morada da minh’alma
exânime  

Ai bárbaro destino
como mondar a tristeza

que me perece e me amarga
tanto...
            como?

Os escritores e poetas Miguel Barbosa, Stella Leonardos e Alice Spíndola, na entrega do Prêmio Olegário Mariano 2010 ao jovem piauiense Diego Mendes Sousa, na União Brasileira de Escritores/RJ.

Os escritores e poetas Miguel Barbosa, Stella Leonardos e Alice Spíndola, na entrega do Prêmio Olegário Mariano 2010 ao jovem piauiense Diego Mendes Sousa, na União Brasileira de Escritores/RJ.

De
Diego Mendes
50 POEMAS ESCOLHIDAS PELO AUTOR
Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2010.
98 p  ISBN: 978 85 7749 085-1

 

moras com o belo e o eterno6

         Para Tarciso Prado

Espero a neblina

Brancos cavalos já passam
e o peito
(amolado na dor)
ensandece
sob o amor das éguas

E as constelações
dos sonhos pavorosos
fazem crescer
o ritmo do tempo-fogo
nas cordilheiras cordiais

E quando o sangue
do vermelho trágico
rasgar a sombra

As panteras já terão chegado

Acompanho a humanidade
além das muitas miragens


serenata aos iludidos

Amor não me deixa sofrer

Existem dias
que o coração
se parte
se deprime
se afoga
e dói até na alma
que se aperta
que se lastima
que se destrói
e depois do canto
nada mais resta
nem a força do encanto
que a vida explica
que o sonho baila
que o tempo mata

Amor não me deixa azul
que a pele sai a suar
que a boca inicia o soar
da canção dos pequenos
desventurados

Amor não me deixa morrer

 

De
Diego Mendes Sousa
FOGO DE ALABASTRO

Parnaíba, PI: Coileção Madrugada, 2011.
88 p.  ISBN 978-85-60146-23-9


 

Cadência de fêmea

 

Garoa de remorso fagulhado

pétala de rosa amarela

chão de gaia molhada

 

não espero para te dizer

Amor

 

já amo

solicitude de estrela

orvalhada

 

mel de turbulência

avoada

asa de casa arrulhada

 

olhos de felicidade

verdinhos

luz brilho fuga

despertos


FEMINILIDADE

 

 

Divindade

colibri alteroso

gineceu e abelha - viço

céu alegoria seminua

alvo resoluto de aparição

 

 

 

 

SOUSA, Diego Mendes.  Candelabro de alabastro.  Parnaiba: Siert Gráfica e Editora, 2013  119 p.  10 anos de poesia (Edição comemorativa).  14x21,5 cm. 

 

 

 

                    FATALISTICO

 

No campo o cajueiro se favorece

taciturno dos escombros de antanho

 

A copa das sombras

é o lume das calamidades

em ausente queixume

 

Ressoam as maviosas buscas

ressoam as andarilhas

alegrias

que o sonho é distante

signo e alume

e a completude do nada

o sonho:

 

a completude do nada

 

 

 

VATICÍNIO

 

Rebeldia concentrada se esvai

e fica o fel das cousas amargáveis

naufragosas dos destroços

imperdoáveis e monstruosas

das desventuras insinuantes

excessivas e imperativas

 

dolorosa é a amplidão das horas

 

 

TOADA DOS TOUROS

 

Ao galope da fêmea

sob os espinhos da roseira

 

— Os touros em pecaminosa tourada

 

Subterrânea é a convergência

das águas em remanso

 

Pelas estâncias do Amor

os sexos se refazem

contemplativos

 

ao caminho do imaginário

no horário de tempo algum

 

 

MÚSICA DA AGONIA
         
          Poema de Diego Mendes Sousa

 
                       Para Antonio Miranda


A voz calou-se 
dentro das essências
ruidosas
 
Destemido,
 o anjo insiste
em extasiar-se 
no subterrâneo 
da alma
 
Na escuridão,
o corpo cego caminha
no descompasso
dos sonhos
extintos
 
Vagar 
é uma errância
inesperada
 
O Amor,
a  instantaneidade
no calabouço
dos tempos idos
 
Todos os olhos estão esquecidos
nos vícios 
redimidos do desejo
 
Passar é um destino
rarefeito
a aplacar verdades
inabaláveis
          afeitas ao sofrimento
          ao vasto silêncio
          do meu desespero
          inaudível
 
           A voz calou-se
           novamente
           no desatino 
           das coisas
           supremas
 
           Sou música devastada
           em ronda inefável
           em viagem secreta 
           por horizontes vários
 
           Estou d’alma triste
           na agonia 
           dos céus amplos
          — sem ecos solares

 

 

SOUSA, Diego MendesGravidade das Xananas.  Guaratinguetá. SP:  Penalux, 2019.           62 p.  14 x 21 cm. Prefácio por Marian de Carvalho.  Posfácio por Maria de Lourdes Hortas;  ISBN  978-85-5833-475-4    Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.

 

                  ENSINAMENTOS SOBRE O POETA

                   Quando tenho saudades do mar
                   conchas ao ouvido!
                   ... marulho de todos os dias
                   estendido ao peito
                   na imensidão dos azuis
                   imemoriais)

                   Homero!

                   Céu, outro mar,
                   nas águas solitárias
                   da infância,
                   os tempos proustianos,
                   a busca desenfreada
                   do tempo perdido,
                   de outras memórias
                   nos velhos poetas gregos,
                   nos amados escribas latinos,
                   — sonata de um naufrágio,
                   os poemas no abismo.

        

SOUSA, Diego MendesO viajor de Altaíba.    Guaratinguetá. SP:  Penalux, 2019.  102 p.  14 x 21 cm.  Apresentação por Carlos Nejar.  ISBN  978-85-5833-498-3  Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.

 

METALINGUAGEM

 

Para Ferreira Gullar

 

 

Ai que vontade de esganar Clarice Ela me ensinou o infinito 0 perdido

o áspero e o desespero

 

no halo de uma flor a devorar meu espelho

 

 

 

SOUSA, Diefo Mendes.  Tinteiros da casa e do coração desertos.  Guaratinguetá, SP:  Penalux, 2019.  100 p.   14 x 21 cm.  ISBN 978-85-5833-488-4   Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.

 

 

TINTEIROS DE SEGAR RAÍZES

 

Chega o tempo imediato
em que todos temos
de segar as raízes

 

(como batatas ou cenouras,
beterrabas ou mandiocas)

 

antes que a terra-mãe
apodreça o limo
das nossas cascas
duradouras,
mas perecíveis:

 

passa o tempo vivaz... 

expiramos contidos
desde o ventre

 

 

OLIANI, Luiz Otávio.  entre-textos 2.  Porto Alegre, RS: Vidráguas, 2015.  104 p. 14x21 cm.  ISBN 978-85-62077-19

Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

       CANDELABRO

 

                      Diego Mendes Sousa

 

 

Dói-me o peito
Queima-me a alma

esta solidão reclusa

Não por querer viver

Nesta orla-névoa
albicante como meu rosto


Se por medo da morte

 

Se por medo da perda
desta vida sob velas

Uma noite...

... Não serei solidão

não serei solidão

quando o candelabro
for sereno

    ao

apagar-se

 

 (50 poemas escolhidos pelo autor. RJ: Edições Galo Bran­co, 2010. (Coleção 50 poemas escolhidos pelo autor) v.53.)

 

 

 

 

                     FORA DA RIBALTA

Luiz Otávio Oliani


               

 

quando o candelabro se apagar
ó poeta
não haverá solidão reclusa

apenas o silêncio
de quem, ao lê-lo
verá, em cada poema
a generosidade
nos versos partilhados:
herança à humanidade

 

 

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Helena Ferreira


SERENATA PARA LOS ILUSIONADOS

Amor no me dejes sufrir...

Hay dias
en que el coarazón
se rompe
se deprime
se ahoga
y me duele hasta en el alma
que se comprime
que se hiere
que se destruye
y después del canto
nada más resta
ni la fuerza del encanto
que la vida explica
que el sueño baila
que el tiempo mata

Amor no me dejes azul
pues la piel va a sudar
la boca empieza a sonar
la canción de los pequeños
desventurados

Amor no me dejes morir


EL FIN

Amor no me dejes morir

Ánimo poeta

Hallaste la polifonia de tu Musa
robusta enigmática deprimente estricta

no hubo la catástrofe mayor:

el verso malo
el verbo no inventivo
sólo los adjetivos que insistieron

 pero qué te falta...
¿qué te fala?

— la filosofia retumbante
del bienteveo esta mañana
de diciembre
lluviosa, Mon Amour!

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 4,  No. 7  jan./jun., 2022.           Diretor Flavio R. Kothe.  Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2022.  158 p.     

ISBN  2674-8495                             Ex. bibl Antonio Miranda

 

 

        AMO CANTADOR

      
Eh flor do tempo!
       O meu boi é um menino
       que foge de medo...
       Meus sonhos vaqueiros
       Meus cordões de dor
       passam pelas ruas da infância
       clarim de bumbar a noite tá! tá! tá!
       Meu boi renascerá
       Eh eh boi!
       Minha azulada toada
       ainda se ouvirá no evo
       enquanto o meu boi
       de repente magoado
       se lembrar de acordar!


       TAMBORES

     
O céu é uma pancada
       ligeira... branda... mais leve
       que tema força de Deus
       Os tambozeiros retumbam
       o lamento prruuummmm!
       os Tucuns e o Catanduvas
       tangoliá tangoliá
       a Ilha Grande de Santa Isabel
       tangoliá tangoliá
       a roncadeira o apito o maracá
       fazem o meu boi bumbar
       rio, beira rio, beira-mar, mar
       refrão do batalhão, dono do boi
       toque de tambor sotaque do amor
       bailam no coração dos caboclos
       e no curral dos pensamentos,
       mais uma vez vivo,
       o meu boi contente
       para a panaibanidade
       tangoliá.
 

 

       FOLHARAL

      
Nas fazendas espalhadas no Cantagalo...
       No brejo do Macacal... No Nova Parnaíba...
       eu era menino e hoje me alembro
       a folhada no escuro, a catirina, a burrinha,
       o pai Francisco, o doutor cazumbá
       a agonia do porrete de pano nas costas
       a epifania de que o tempo era ali, na inocência
       dessas folhas assustadoramente secas
       bananeira verdes na memória
       quando o homem-mato
       era a única alegria dos meses
       de junho e julho
       que havia cachimbada mais viva
       que a de escapar do Folharal,
       esse ser de máscara negraa
       com olhos de catevagem
       uma fumaça de espelhos estonteantes
       pura a minha evasão...

      

        TRANSITÓRIO

      
A casa da poesia
       é a nuvem

       e o poema nu
       vem

 
       PASSAGEIRO

      
O tempo arrulha
       uma saudade
       mergulhada
       na claridade
       do presente

       O tempo
       arrasta
       o tempo
       e nada fica
       do tempo
       em seu sigilo
       escravo
       do passado

       O compassao
       do tempo
       dadonde
       apontam
       as mazelas
       de um âmago
       abundante
       de memórias
       mostra a agulha
       de coser
       o tempo
       como uma múmia
       que ponteia o horizonte
       da dor pura,
       fugidia
       que atravessa
       a vida...

               

               A existência mais cruel
       e a inexistência mais pavorosa
       guardadas no coração
       a despontar
       o alumbramento
       do ser
       que faz morada
       nas velas humanas...

       O tempo
       despenca
       como o mar
       e em seu desespero
       o rigor do mistério
       o sal os cristais
       passageiros

       A confidência
       que voa
       no além céu
       do espaço sonial

       este pássaro
       que nunca saiu
       do tempo



      
PENITÊNCIA

      
Venero os beija-flores
       que com seus voos
       em alto-falantes
       parecem imprecar
       a prece da ave-maria

       aves de um relevo sofrido
       aves de um segredo fracassado
       aves de um tempo arrependido

       Louvo os beija-flores
       na tarde de uma primavera
       para muito além
       da minha alma
       perplexa
       nos bálsamos
       da noite

       para muito além
       da minha casa
       abismada
       no passado

       Setembro
       vem se destampando
       para a vida
       duramente
       invadida
       cruelmente
       perdida
       violentamente
       esquecida

       e o coração
       assustado
       peregrina
       atônito
       sem brilho

       ave-marias
       ave-marias
       ave-marias

       Aprecio os beija-flores
       também os dias
       que desembarcaram
       enfurecidos
       para o fundo
       da ladainha
       do meu eu
       ausente

       do meu eu
       ausente

       Pai nosso...
       Santificado seja...
       na terra
       no céu

       O céu mais alto do que a terra!
       A terra mais profunda do que o céu!
       O céu e a terra desgrenhados na memória!

       O subterrâneo de todas
       as cousas incompreensíveis
       e o sentido da existência
       às escondidas

       Admiro os beija-flores

              as verbenas

                                 as margaridas

            as papoulas                      as orquídeas

                                as xananas                                          
      
       as dálias

                                 os lírios         
          as mimosas                       as lavandas
                                 as roas              as tulipas
       as verônicas                     as tulipas
                            as açucenas

       e as terceiras lembranças
       de muitos outros
       acontecimentos
       impregnados
       à dor etérea

 

SOUSA, Diego Mendes.  Agulha de coser o espanto.  Ilustração Irineu Santiago.  Teresina: Piauí: Àrea de Criação, 2023.  106 p.  ISBN 978-65-85113-05-2                     Ex. bib. Antonio Miranda

 

        HIPNOSE

               
        “O homem poetiza tudo o que está longe.”
                                                                          Pio Baroja

               
O tempo
                tudo leva.

                Do tempo
                algo fica
                à queima-roupa.

                Viver
                é tudo
                   lidar.

                Para que nada
                fique
                na ilusão
                do lembrar.

 
        AS CURVAS

       
  A geografia plácida do tempo
        a ternura das curvas!

        Preservas, ó doce amada,
        a claridade das formas
        a conformidade do amor
        as carícias e as obsessões

        Quem enturva os presságios
        sabe que a chave da sofreguidão
        está na insignificância das coisas
        e no levante das dores inventadas

        As curvas, ó amada,
        são os labirintos e os segredos!


FILOSÓFICA

               
“Claro relâmpago entre duas trevas:
              a de onde vim e aquela pra onde vou...”
                                               Ascenso Ferreira 

       
Envelheci a alma a caminho do tempo,
        em busca do abismo,
        enquanto os tinteiros doloridos
        rasgavam a imaginação colorida
        de bronze e de chumbo;
                  — Minhas tessituras metálicas.


 

                Gesta de água

             “Há sempre um copo de mar
                  para um homem navegar.”

                
              
Nesta grandíssima manhã
              de primavera,
              as portas
              de minha casa
              estão abertas
              para a visita
              fluida da beleza.

              Altair é susana da minha poesia
              e de minha vida.

              A solidão habitava o feiume
              dos meus gestos e
              querençoso eu esperava
              o tempo.

              Hoje caminho tardo
              pelo vento oeste.

              Meu coração vagueia
              no mapa das ruínas
              e infesto o campo dos
              silêncios.
              Cada ruído pressentido,
              diz da alma.
              Cada rastro revelado
              diz da vidência, essa
              alegria
              a se eternizar.

              Mancham os céus de um cinza cruel
              e morrem
              os oceanos
              em mim.

              Eu que sempre
              fui água,
              mansidão
              de peixes
              e siris.

              Ser líquido
              na chuva,
              rio no mar naufragado

              Eu que sempre
              fui água,
              a escorrer
              pelo sangue das marés.

              Ó manhã
              devastada no belo!
              Assim é a ceia farta
              dos maremotos
              escondidos!
              Queda,
              queda,
              estrondo

              elegia da natureza
              encantada,
              sou água!



              Gesta do tempo


              “há folhas no meu coração, é o tempo.”
                   Aldir Blanc

                    Lembro como
               se fora hoje
               o tempo de ontem
               e de agora,
               essa memória ilhada,
               despencada de um
               passado bom.

               Tudo era celebração
               em mim.

                Nada passava ao acaso,
                porque nada era mesmo
                sofrimento nenhum.

                Nenhuma ranhura visgava
                a alma.
                Nenhuma mácula!
                Tudo era vida
                nessa festa
                sem alguma
                dor de amor.
                Tudo era
                — vou pensar assim—
                já prece alada
                nessa ferida
                de um sonhador agônico!

                E por ora permaneço
                o bagageiro
                de estado vespertino
                mudo e perdido
                diante da morte.

                Os laços vencidos
                desse tempo
                de outrora
                temperados
                de sorte
                desde então e ainda
                sou o meu próprio
                passageiro
                áspero e cruel,
                à espera do destino.


                O nada passa ao acaso
                e lembro de tudo, porque
                a lembrança, a nostalgia
                às claras, a saudade
                inesperada e o caminho de um adeus
                são todas as coisas reais:
                o sol que se põe, o rio que corre,
                a chuva que cai, o menino que chora...

                Os barulhos do tempo
                voando
                entre as estrelas,
                no silêncio da voragem
                lá fora:
                a noite e os seus muitos
                segredos.


                Gesta de amor

                       “Não, não vou aí! Só vou por onde
                          Me levam meus próprios passos...”
                          José Régio.

              Sem você é bálsamo
              amargo.

              O amor é uma folha
              transformada
              no tempo,
              sem você.

              Mais tarde,
              a claridade dos sonhos
              de um grande amor,
              nada será,
              sem você.

              O tempo acelera
              a saudade
              desse amor de imensidão.

              É você, com esse sorriso
              de pássaro, com essa voz
              de um doce acalanto
              no eco da alma,
              que afoga
              os cantos
              da dor,
              que sobrevive
              ao vento
              em mim.

              As água imaginárias
              são espantos
              de uma força rasgada em gesta,
              que vem de você.

              Sem você, o que seria do
              meu olhar
              de absinto
              que tudo diz
              sobre esse
              amor de poeta,
              que traz
              somente você
              no coração.

              Bálsamo amargo,
              borra-botas é a vida,
              sem você.



              Meus gestos
              estão em você,
              como a noite
              está dispersa
              nas estrelas,
              como a noite
              está negrinha
              sem lua,
              como a noite
              está nua
              em você.

              Bálsamo amargo,
              pé-rapado é o Amor,
              sem você.


                Gesta do tédio

                  “[...] o tempo, com seu fio mais delgado,
                        no rosto já bordou sua nervura.”
                         Antonio Carlos Secchin

              Precisasidominar
              os espasmos
              do tempo,
              dormi-lo ainda mais.

              Arrastas o caminho
              que impede o voo do pássaro,
              ao seu último destino.

              Nenhum universo místico despencará.

 

               Olhas o mar que permanece além,
               em frente à terra do abandono.

               Viajas só, na ilusão das águas,
               com tantos nascedouros
               de presságios.

               O nado dos peixes
               é um nada,
               ante o abismo
               e a promessa das estrelas.

               Oh Poeta,
               decantas a dor
               dos telhados
               estilhaçados e
               sobreviventes
               da alma desenfreada,
               do marasmo oceânico
               do tédio.

               És o espantalho estraçalhado,
               de um corpo perfurado
               de sonhos,
               delírios do real.

               Tão perto
               estão as tristezas cruéis,
               que assaltam
               os mistérios
               e as sombras.


               Pensas na distância de tudo.
               Rasgas as folhas
               do massacre.

               Compartilhas a angustiante
               urgência
               na agonia
               que devora
               o ser.

                O teu existir amordaça
                o íntimo
                e sangra
                as mãos.

                Depois o horizonte deserto,
                a morte não findará o rastilho da vida.

                Seguras a rosa orvalhada e passageira
                de suave perfume.

                 Simplesmente, resgatas a carência
                 do mínimo festejado,
                 mergulhado
                 na abundância
                 dos cristais inocentes.

                 A noite é tão bonita...
                 O amor, uma flor de intensa coragem!
                 Guias de passos,
                 de um coração estancado
                 nos velhos laços feridos:
                 a casa que ficou para trás,
                 no choro luzidio
                 dos pertencimentos ilhados em ti.

                 Perdes as palavras...
                 O vocabulário das iluminações...

                 Crias o antigo relicário da nudez
                 e entregas os silêncios
                 à própria sorte.

                 Depois,
                 a chuva
                 lavará
                 as lágrimas
                 do carrossel
                 em fúria,
                 que te toca
                 a face
                 porcelanada.

                 Assim, perdes as ternas palavras.
                 Declaras ao mundo
                 os sentimentos e
                 o teu espanto jamais acabará!


REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. No. 11 – jan./jun. 2024Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF :        Editora Cajuína, Opção editora, 2023.  168 p. ISBN  22674-8495 No. 10 226
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
 

 

        FIM DO MUNDO
                 “
O vento senta no ombro das tuas velas.”
        William Shakespeare

         

        O coração foi a pique!

        A pique derruíram o tempo
        caíram os silêncios despencaram as casas
        tombaram os sonhos cessaram as saudades
        a pique as ruínas das palavras alvas
        a pique o sangue sonolento
        e mais nada...
        abateram-se os desertos
        derribaram o ser ambíguo
        destruíram as mãos também vacilantes
        desmoronaram o destino
        ao fundo, os rios afundaram
        os navios
        a prumo, os navios naufragaram nos rios
        os rios a pique soçobraram
        as cidades
        sucumbiram a terra
        arrastaram o mar
        apagaram do mapa
        os oceanos
        declinaram as civilizações
        pau a pique
        soterraram os pássaros
                     a liberdade
        sepultaram os poetas e os loucos
        enterraram o que havia à vista
        a alma
        o amor
        e as gerações mudas
        foram pique
        calado ficou o mundo

        o coração a pique em outro abismo...


        DE SAÍDA
              “Entendo que não tive outra alegria
                 nem nunca outro qualquer contentamento,
                 senão de ter cantado o que sofria.”
                
José Albino

         
Atormentado assombro
         que no ser se infiltra...
         Sela o coração na varanda
         fugitiva e lembra
         o selvagem sonho
         de um tempo tocante...
         Caminha entre suplícios
         na hora do destino.
         Como esquecer o vivido?
         Se a alma ainda sofre
         no redemoinho extinto?

         Apaga os delírios inocentes
         e debanda as fantasias perdidas.
         Deslembra os muros do passado.
         Omite a ti mesmo
         em preclaro
         engano...
         Só não olvides
         a infância
         lenho das lembranças
         e lampejo arteiro
         de algum amor...

         Desmemoria este poema.
         A Poesia zarpou.


         VER[DOR] DE ESTRELAS
         “Conheci mais tristeza que ventura
           e sempre andei errante e peregrino.”
          
José Albano

           
Maldormido chão.
           Maldormido céu
           sem nuvens.
           Maldormida lua.

           Sinto os maldormidos tempos
           caminharem
           na sonolência
           e na vazlez dos acordes
           das maldormidas
           auroras.

           Silêncio de maldormidas
           quedas...
           Maldormidas auroras.

            Silêncio de maldormidas
            quedas...
            Maldormidas ruínas...

            Como o trágico atordoa?
            Como a tristeza apavora?
            Como a insônia incomoda?

            Maldormidas vidas.
            Maldormidas dores.
            Maldormidas horas.

            Os pássaros amanhecem
            as árvores...

            O sol acorda os pássaros...

             As árvores
             e os pássaros
             choram
             a música
             de destino
             ao vento...

             Maldormidos presságios.
             Maldormido vedor
             de estrelas.
             Maldormido mar
             da minha alma.

             Maldormido rio
             do meu deserto.

             Marcha idílica
             de maldormidos abismos
             da minha terra.

              Maldormidos sinos.


              CELESTE
              “Cada pássaro canta melhor
                 em sua árvore genealógica.”
                Jean Cocteau

                
Deixarei de ser poeta
               quando me atirar
               na queda.

               Meu chão,
               outro céu!

               No rio da terra
               (enchente etérea,
               chuva sem trégua)
               o lúcido declínio
               sufocado no mar.
    

O Rio Igaraçu: www.phbemnota.com
                          
              

              NASCENTE
            
“A água do rio carece
                 da vândala violência do mar.”
                
Astrid Cabral

                 
Meu cântico é uma origem.
               Meu salmo é a inconsequência
               da causa natalícia.

               Nasci no rudimento do Parnaíba.
               Os estrondos de meu berço
               entoam estranhos sentimentos.
               Meu hino é uma essência
               da nascente a vida inteira.
               O percurso da alvorada
               é o meu passo lento
               nessa voragem.

               O rio Igaraçu
               é o início do meu tempo
               a naturalidade das minhas
               águas
               o mar inesquecível
               na fonte secreta dos meus silêncios.
               

              SANTEIROS DO PIAUÍ                

                 
Que rosto tão sofrido, Francisco!
               Meu querido calado
               em noite completa
               e o abismo do rio Parnaíba
               a espelhar a originalidade
               desse engenho títere de amor.
               Que outro nome teria o piauiense
               sem essa dor sonhadora que enlaça a vida?
               São pássaros varadouros, mas também são anjos
               [com rosas e com flechas
                                   outros anjos caídos
               esculpidos em talhas de madeira
               nas fornalhas da imaginação.
               São mãos de homens da terra,
               na rudeza sensível do caminho.
               São Mestres fazedores de santos
               e de sacrários. São filhos do Piauí
               que engrossam a massa das ilusões.
               Que rosto tão sofrido, Francisco!
               Meu assombro mudo em noite fechada.


               MAU TEMPO
      
               
Era o fim
                de mais uma tarde
                de nítido céu azul,

                quando percebi
                que éramos nós que
                passávamos e
                não o tempo.

                Todas as noites
                permaneciam,
                menos nós
                que involuntariamente
                passávamos.

                As folhas caem.
                As casas se arruínam,
                Os séculos decaem.

                Os caminhos devastados
                no silêncio desesperador
                das estrelas...

                Abrimos os abismos
                dentro de nós mesmos
                de repente
                caímos.


                 LEI
              
“Somos cegos de razão.”
                    José Saramago

                    
Ninguém estaciona o Sol,
                  ninguém!
                  Somente Deus,
                  que esbarra o tempo


                 contra a vida.

                 
                 A DINÂMICA DA MORTE
                 “Os olhos choram, porque veem.
                    Antônio Vieira

                    
Cada um é um.
                  Os girassóis rodopiando
                  na roleta do tempo
                  e o homem imóvel
                  perante a indiferença
                  dos ciclos.


                  APARA(DOR)
               
“O olhar que sente e a mão que vê.)
                     Goethe

                   
O poeta é o tecelão para teares absurdos
                 detém uma máquina de costura agreste
                 e uma mania noturna,
                 conserta delírios, espantos,
                 fantasias, mistérios,
                 signos anímicos,
                 vestígios,
                 sonhos anímicos,
                 vestígios,
                 sonhos, dores remendadas
                 e epifanias existenciais.


                 DE PROFUNDIS
             
 “A minha terra é um céu, se há céu sobre a terra.”
 
                 
Da Costa e Silva

                  
 Às carreiras,
                 o mesmo disse:
                 adeus ao mar.

 


DIEGO MENDES SOUSA – Fanais dos verdes luzeiros. 
Guaratinguetá, SP.: Penalux, 2019   92 p. 
ISBN 978-85-5833-609-3  
Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda, doação do Autor.

 

Fanal dos omissos

Decerto, nas lembranças,
estaremos a omitir
o que o tempo preservou
sob as nuvens de um céu
de amargo chumbo.

Toda água que vaza dos olhos
agora como retrato de uma líquida saudade,
é tilintar de almas sobrepostas.

Escrevamos ainda os silêncios
do querer dos sinos absurdos
(Àvidos das cores dos barulhos!)
na tarde esverdeada
deste ser triste e empoeirado
— as minhas couraças absolutas!


Fanal do condor solar

O sol é um olho alérgico
sobre a orfandade que rasoura
o meu mistério de condor
enfurecido de sonho.

Deus sabe da dor
que imprimo em versos enfim
e em ruídos de claridade.

À note, os fantasmas irão aplacar
os desassossegos do tempo,
no silêncio,
— manivela de bronze ardente!
Comovente!
Que somente
os poetas aquietam.

Fanal do colo agônico

O passado e eu conjugamos
uma interrogação triste?

Paro,
a esperar que o tempo intimidado
olhe-me cara a cara
a fim de que renasça pasmado e luminoso.

Fico — como um ausente sem endereço —
em uma rua escura de um outono febril
a ver ainda pássaros negros
no agônico coração amargo.

Sou — mirando os meus labirintos em queda —
a cachoeira ruminando horizontes fantasmas
e esquecidos.
Eu e o passado,
triste exclamação conjugada!


*
Página ampliada e republicada em novembro de 2024

Página publicada em outubro de 2007; ampliada e republicada em outubro de 2008, ampliada e republicada em janeiro de 2010. Ampliada em abril de 2019; página ampliada em outubro de 2020



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