DIEGO MENDES SOUSA
Nasceu em Parnaíba, Piauí, em 1989. Começou a escrever poesia aos quatorze anos de idade e, aos dezessete, acaba de lançar o livro Divagações. Estudante do ensino médio, se intitula “leitor consuetudinário”, amante da música erudita, da pintura e admirador de Ferreira Gullar e Gerardo Mello Mourão, duas ascendências poéticas que levitam em esferas bem distintas, apontando para direções opostas... Ótimo para um jovem poeta tão reflexivo, plástico, esperpêntico. Ousado, nada trivial, não raras vezes amargo e perquiridor, sem indulgência. É a revelação de um talento que merece atenção, a quem auguramos um crescimento constante. Ele tem todas as condições, como revelou no livro de estréia. Antonio Miranda
“Diego é um poeta solitário, introspectivo e arredio por natureza. A angústia existêncial que às vezes o atormenta é revelada em “Candelabro”, poema comovente e de grande sensibilidade.” Tarciso Prado
Prêmio Olegário Mariano (incentivo a Jovens Poetas) da União Brasileira de Escritores, entregue no salão da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, out. 2009.
Formado em Direito. Atualmente reside no Estado do Acre.
Vejam e leiam o ensaio:
O LIRISMO RADICAL: CONVERGÊNCIA E DIVERGÊNCIA DA NOSTALGIA DO NADA NA POESIA DE DIEGO MENDES SOUSA
Ensaio crítico sobre a obra poética de Diego Mendes Sousa -
Autor: Prof.Dr. João Carlos de Carvalho
Universidade Federal do Acre - Cruzeiro do Sul-AC
https://www.portalentretextos.com.br/post/ensaio-critico-sobre-a-obra-poetica-de-diego-mendes-sousa-por-joao-carlos-de-carvalho
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3, No. 6 jul./dez., 2021. Diretor Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021. 146 p. ISBN 2674-84-95
PRELÚDIO PARA MAR GRANDE
Sempre reconto
os girassóis
e a claridade fantasma
e um arrebol perdido
na chama
sangrenta
de um tempo
massacrado.
Carrego os trovões
de um horizonte ilhado
nas sombras chuvosas
do fracasso.
Nos carrosséis
que correm nostálgicos
giram os velhos ventos
vivos
nas noites recolhidas
de uma aurora
que mais desaparece.
Revivo o olhar do mar
porque navegam comigo
os sais e as sobras
de um ser
afogado.
Na miragem
e neste céu azulado
estão encalhadas
as dores seculares.
Corpo em frangalhos
trapos de um coração
espantado:
a minha alma é uma casa fantástica!
Ave insondável e chorosa
nos ninhos desertos
do meu silêncio.
Vago a observar o mar,
mas antes reabito
os sinais das águas
e o seu rito bonito
no finito de mim.
Gestos sozinhos, luzes sem memória.
Sou eu ali nas ondas, nas lembranças,
nos ontens, nos passados...
meus passarinhos, meus sacrifícios.
Mar grande
é também o meu amar bravo...
Parnaíba, costa do Piauí, 21 de novembro de 2020.
https://www.viagenscinematograficas.com.br/2020/01/piaui-praias-delta-do-parnaiba.html
MALÚRICO
O mar encharca os estilhaços
do território onírico.
Sonho nas luzes marítimas
sem tempo prescrito.
Meus saberes, meus íntimos
toques de aleluia,
meus cajuís coloridos do Labino,
eu mordo!
Devassos dentes doces...
O mar demarca a minha origem
retroterra, retrotempo, retrovida
Ó, o mar demarca a minha origem...
O mar registra a minha história
poesia—ondas poesia-dunas poesia-sóis
numinosa rosa de sal
as entranhas da geografia litorânea
essa alma estranha no trago estelar...
Pouco importam as palavras migratórias
tão-pouco o meu olhar interior e passageiro
invento a mim mesmo
nesse rito
de imagens
que escapam
pelo coração
da gleba.
Resisto malúrico!
Recolho as pérolas e desejo as praias
que embarcam e singram
os meus presságios...
Tenho pressa, meu Deus, tenho pressa.
Correm comigo os verdes os verdes olhos
de Altair
também a violência de amar
e os seus abrolhos.
Tenho pressa.
Acelero os passos
e além disso resguardo um imenso lugar
onde guardo a fertilidade estacional
dos passarinhos em revoada frenética.
Os caminhos
ultrapassam os silêncios...
Os caminhos
ultrapassam os ventos...
Pratico o dia viúvo do passado.
Nada devo ao futuro.
Sou poeta que beija a terra
quando o universo explora
as suas saudades pátrias!
Terra Santa, terra vegetal
Linha de terra, terá de Siena
Parnaíba, seus tons descritivos,
rios, lagoas, mangues e o Mar!
Ah!, o mar!
Que apressa os instintos indomáveis
e o chão salgado das tardes infindas...
No crepúsculo,
alertou-me Regis de Miranda Marinho:
“Seu canto malúrico ressoa
cada vez mais forte!
Bom parnaibano não é telúrico,
mas malúrico,
um ser das água do mar!”
Aí eu contradisse:
“Sou Salvaterra,
prefiro o terreno dos abismos,
a minha aurora vaga.
E vou a lavar as mãos e os pés
nessas dores sanguíneas
pré-terra, mais valia, paraíso
Parnaíba, sol a pino,
minha Inglaterra às avessas.
Irriga banha adúltera
terra mar ao mar amar
telúrico malúrico lírico
meus restos meus excessos
os sopros os gestos
o aguar desesperado do mar!
Parnaíba, costa do Piauí
28 de novembro de 2020.
SONATA NOS RASGOS DA PRAIA
Gaivotas bailam desiguais
à sombra do impossível
feito burburinhos tristes
de versos identificados
com a fantasia solar.
Uma e outras
aves e grilhões
nas mesuras
do tempo
navegam rasgos
azuis
no bulício das ilusões.
São afetos vagos
no céu ruído
da fértil alquimia.
São também
olhos vazados
do meu lugar
de anseios
à espreita.
Bailam gaivotas na distância
e é névoa ardente
o infinito da praia
fecunda.
Onde estão os sonhos?
E os assombros da dor?
E os arranhões da alma?
Mistérios
encalhados
no agora
mais do mar.
O coração
do meu terral
(de cajuís e de siris)
sobrevive
à cata de mim.
Rasuro a vida
nessa claridade
de estranhamentos.
Extravío o exílio.
Parnaíba, costa do Piauí,
17 de dezembro de 2020.
SOLAR DO POETA
É um solar antigo,
de janelões trabalhados,
recortados de presságios
e com jasmineiros
alegres.
Existem flores brancas
da cor da aurora
para além
de um céu claro
com luzes azuis.
De um lado do horizonte.
a vista se descortina
em telhados:
sujos encardidos ressecados
ao sol
e consumidos por poeiras
incrustadas
pela passagem ferina
do tempo.
É domingo
com sua paisagem
remota
e seus mágicos silêncios.
As telhas de terracota
anunciam apenas
o desafogo do vento,
que sopra os sais
oriundos do mar.
Este poeta hoje mira
os sinos
do seu deslumbramento
e lembra alguns
dos versos da Luiza Amélia de Queiroz,
escritos
no histórico e lindo casarão
de azulejos portugueses,
mistificados na ambiência
romântica e charmosa
da Rua Grande.
Na Parnaíba,
minha memória é fotográfica.
A visão, pictórica.
A nostalgia singra
entre duas carnaúbas altas!
A torre da Igreja de Santo Antonio
aplaca
uma melancolia
de pássaro mudo.
O meu coração voa
entristecido
pela Rua Dom Pedro II,
onde viveu Fontes de Ibiapina
com os seus papéis.
Do outro lado do retrato,
sagram minhas
mãos de poeta
prescritas
em peças
de dor,
onde reverberam
os mistérios
e as sombras da alma.
Parnaíba, costa do Piauí,
10 de janeiro de 2021.
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REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 2, Número 3, jan./jun. 2020 Brasília, DF: Editora Cajuína,
2020. 124 p. Presidente: Flavio R. Kothe. ISSN 2674-8495
FRANCISCO
Por que sois tão medrosos?
Ainda não tendes fé?”
por mim e por ti
para o mundo e
para a cidade
sem que me perdi
a oeste
de minha casa.
tempo para sangrar:
mar sem ar
em águas
além do lugar
além das paragens
amargas dos séculos
fico à deriva
a qualquer reabitar
o que as folhas
do outono febril
pregam
no corpo
das coisas
que doem
e levam até
o abismo
da inescapável e
tormentosa morte.
——
para Roma
para Madri
para Paris
para Londres
para Nova York
para São Paulo
para Buenos Aires
para a sombra das infância desperta.
sem pai sem mãe
nem avô nem avó
sem os gestos
dos irmãos
nem primos nem amigos.
ó mundo, ó solidão
nuvem de chumbo
desaba aqui...
o céu é um fantasma cruel!
miragem de desertos abertos
que calham o frio
que arde nos olhos.
para a cidade
para a paisagem
para a atmosfera
para o horizonte
terrestre e enigmático
a odisseia a Amazônia
o Parnaíba o tigres
o Nilo o Yangtzé
as geografias
que flutuam
em mim...
Francisco me ensinou
a não ter medo.
passageiro
urbi et orbi
ressuscitado das tempestades
no desafogo da fé.
Cruzeiro do Sul (Acre), Amazônia,
28 de março de 2020.
CORONAVIRUS
Sem despedidas, sem o velório necessário, o caixão
lacrado: é uma das maneiras de o vírus definir a
crueldade de seu método e assombrar o futuro.
Joaquim Ferreira dos Santos
Vem
de um tempo escuro,
chega devagar e inóspito.
Como a madrugada mal dormida
de outras eras,
aporta do século catorze,
não é americano nem espanhol
nem chinês,
e invade sorrateiro
como a besta noturna.
É misterioso
e sufoca
o homem
em vastidão.
Mata sem ar
o seu hospedeiro incrédulo.
Mascara a família,
isola gente,
maltrata
os mais velhos
e os já doentes.
É um vírus maligno, desumano.
Sua única identidade
é reescrever
a história da humanidade.
Virus que provém de longe,
além oceanos,
a flor dos relógios
e dos corações
em vagido
obscuro.
Sua memória
abriga a dor...
Sua casa:
o desejo
de apressar
o massacre.
Chora a Itália, padece a Espanha, espalha-se
pelas Américas se e pelo continente africano.
Desditoso, ah,
e em desalento,
o seu rastro
é devastador.
Carrega os vivos
é desigual
e futurista.
Oh, almas imperfeitas,
a levar os assombros
da vida.
No amanhã,
caminharemos perdidos
por um olhar grave.
decerto,
despovoados
da eternidade.
Os dias serão agônicos
e as noites
tardas e tristes.
Os cantos do céu
estarão
na brevidade
de um adeus
aos mortos
que não veremos...
Oh, coronavírus!
A ferir o horizonte
com o seu signo indiferente
ao humano.
Oh, vírus!
Piedade, piedade...
Na hodierna aurora
dos passos da Criação
sem a claridade!
Cruzeiro do Sul (Acre), Amazônia,
30 de março de 2020.
ISOLAMENTO
“vamos dar vazão a toda essa dor,
porque se o fizermos juntos,
poderemos suportá-la.”
Concita de Gregorio, jornalista italiana.
palavra nenhuma
suporta
a dor da solidão.
declaro o nome
dos meus mortos
no tempo
e trago para mim
a sílaba etérea
dos seus sonhos.
isolo os cravos
no crepúsculo,
porque sei
da porta
escura
da hora
seguinte.
só morrerei
na noite
em que estacado,
o meu coração
desistir de mim.
não posso
coexistir
mitigado
e desprovido
de amor.
quem poderá?
quem sobreviverá
ao fogo solitário
da vida
que preserva
o mistério
e a ironia
do não ser?
a distância,
prego o que sofro,
já que
no sofrimento
posso alegrar
o meu próprio fim.
ao norte do mar
da minha vida,
longe das areias
que perfuraram
os meus pés,
choro às escondidas.
poeta, pretérito do futuro,
o futuro no passado largo,
quem poderá
unir a alma
aos sussurros inaudíveis
do tempo?
quem poderá
escutar a beleza de um poema
quando tudo
for escuridão?
quem ainda terá rosto
para exprimir o atônito
negrume de uma
desesperança?
Cruzeiro do Sul (Acre), Amazônia,
31 de março de 2020.
GESTA DO PANTEMPO
Para Moisés Chaves
“Quero é perder-me no mundo
para fugir do mundo.”
Augusto Frederico Schmidt
No fundo,
é tédio.
O desespero
como companheiro,
a tarde desata
os seus tons
de róseo
e cinza.
Morre
dentro de mim,
o velho poeta passadista,
que padece
da dor
dos precipícios amargos
e demasiadamente
violentos.
A vertigem
do tempo
é uma
sombra
paralítica
a rir dos frágeis
gestos
da testemunha
irrevelada.
Trago nos olhos,
a tristeza
das voragens,
uma certa melancolia
acesa,
travada
nos arreios adormecidos,
da infância,
que ultrapassa
a existência,
por ser repositório
de saudades
e eternidades
infindas.
O sonho
é uma bile negra,
o rastro das descobertas
sem propósitos aparentes.
Digo muito
das telhas
despencadas,
dos mistérios
que dormem
nos anseios
dos pássaros
insulares.
Comovo-me
com palavras felizes:
girassol, campo, andorinha.
céu, riacho, relva,
cavalo, boi, arado...
E mais alguma
que move
o presságio.
O corcel
do universo
é amarelo
e vagueia
em seu abismo
de imagens.
O que tenho?
Miro a fonte
dos segredos.
A poesia é fuga...
Um partir desorientado
a seguir o rumo
do desencontro...
Correm fantasmas
nas noites
que clareiam
a alma
pé ante pé
na arribação
do cosmos
na agonia
que transcende
as velas
espantadas
do passado...
Cruzeiro do Sul (Acre), Amazônia,
31 de abril de 2020.
GESTA DA VIVÊNCIA
Para Miriam Castelo Branco
Viver é tão precário...
Como doem
as esporas
da vida.
Ponteiro
que mascara
os sentidos.
Tarde azul.
Razão da nuvem.
Horizonte à tona.
Gotejo dos sonhos.
Espaço verde
do tempo.
Esboço do amor.
Espelho da eternidade.
Outras cores
estonteantes
a ferir
os girassóis
e as estrelas.
Tudo me faz
atingir comovido
em velas velozes.:
velhos e novos
presságios mortos,
na vaga sonolência da luz.
O que fiz de mim?
Ser transitório
em ruídos,
no incêndio
de um deserto
furioso
e escondido
de um deserto
furioso
e escondido
sob ventos
sem destino.
Criatura de rosto
transfigurado
e perdido
a afundar
o olhar baixinho
na brisa triste do mar:
o que fizeram de ti?
Cruzeiro do Sul (Acre), Amazônia,
10 de abril de 2020.
*
Página ampliada e republicada em setembro de 2023.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Diego Mendes Souza e Antonio Miranda dando uma entrevista para a TV Brasil
(antiga TVE) durante a I Bienal Internacional de Poesia de Brasilia, set. 2008
VERTIGEM
A poesia desinfetou as entranhas
de
meu estômago
agora vomito como
restos sólidos
depois catarei essa
e
aquela
palavra
impulsarei na sintaxe
o de sobra
voltará à vertigem digestiva
VAIDADE
Esta pele morena
não é feita de ouro
O suor do corpo
contrapala
a côndea lisa:
Uma do homem presente
do tato presente
outra
Onde só os mais dotados
de sensibilidade
entenderão
a natureza-fátua e
frívola
desse homem
ainda nascente
OBSERVAÇÃO
O vento corredio passa engraçado
pelas árvores
dando-lhes os movimentos
e os pássaros
saltam
as trincheiras da brisa de outros nortes
Cantando tudo dentro de seu possível
como pardais
audíveis
por toda manhã
PECHA
Como macilenta
pode ser minha imagem?
E concluo:
não são banais
os coriscos
as nuvens
os penedos
inerentes à minha pessoa
Apenas são defeitos
CANDELABRO
Dói-me o peito
Queima-me a alma
esta solidão reclusa
Não por querer viver
nesta orla-névoa
albicante como meu rosto
Se por medo da morte
Se por medo da perda
desta vida sob velas
Uma noite...
... Não serei solidão
não serei solidão
quando o candelabro
for sereno
ao apagar-se
SINA
Libertei-me
da revelia
indivisa
de indivíduos
pródigos
engrenando
dentro
da afabilidade matinal
Freme
no sabor
prateado
de estar vivo
a clamar
a exortar
a ascensão
de um poema
de uma flama
no elevadiço interior
onisciente
e díssono
que ata
o poeta
pleno pescoço
e sua sina
Poemas extraídos do livro Divagações. Parnaíba: Edição do autor, 2007. 130 p.
=================================================================
De
METAFÍSICA DO ENCANTO
Parnaíba: edição do Autor, 2008
Diego veio de longe, lá do Piauí, nordeste do Brasil... Muito moço, 20 anos de idade, que belo! A União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro te concede, Diego, o Prêmio Olegário Mariano, por sua Metafísica do Encanto. Parabéns e quanta felicidade. Diego é um poema. Stella Leonardos
Diego, tão jovem, você escreve com muita propriedade sobre o Amor. Gostei da dedicatória da Metafísica do Encanto ao poeta Gerardo Mello Mourão. Daqui a 30 anos, com a madureza da sua poesia, você será (já é) considerado um dos grandes poetas deste Brasil. José Santiago Naud
Metafísica do Encanto começa numa capa e termina em nenhuma outra! Jorge Tufic
Diego, sua Metafísica do Encanto é de uma beleza formidável, sofisticada, erudita, elevada e carrega dentro do seu universo de espanto, o canto apaixonado, a voz solitária, o desespero da alma à Piaf. Messody Benolie
Frisson à Rilke
Que o Tempo não refute nunca
o rastilho prisioneiro e perplexo
do Amor
pois o sangue- motor da vida- pulsa
rarefeito
no apelo escondido dos Astros
a debilitar o indispor do mundo
que arrasta o azul sobre o branco:
o ar puro da felicidade
Somente o Amor filtra a ofensiva
da amargura em qualquer coração
e derrama o inusitado sobre o rosto
a orvalhar a eviternidade
e apreender o martírio de tédio
que deslumbra
a existência sufocante
em recatos de sabedoria enevoada
O clarão da existência
Como enramar-me de felicidade
se o campo, a flor, o riso...
e o descontentamento
e a sombra do tempo
e as estrelas se assomam
sob o canto e o silêncio
sobre a vida
e a renúncia
sobre uma pluma
em relâmpagos
a luz
existir em tua ausência
na morada da minh’alma
exânime
Ai bárbaro destino
como mondar a tristeza
que me perece e me amarga
tanto...
como?
Os escritores e poetas Miguel Barbosa, Stella Leonardos e Alice Spíndola, na entrega do Prêmio Olegário Mariano 2010 ao jovem piauiense Diego Mendes Sousa, na União Brasileira de Escritores/RJ.
De
Diego Mendes
50 POEMAS ESCOLHIDAS PELO AUTOR
Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2010.
98 p ISBN: 978 85 7749 085-1
moras com o belo e o eterno6
Para Tarciso Prado
Espero a neblina
Brancos cavalos já passam
e o peito
(amolado na dor)
ensandece
sob o amor das éguas
E as constelações
dos sonhos pavorosos
fazem crescer
o ritmo do tempo-fogo
nas cordilheiras cordiais
E quando o sangue
do vermelho trágico
rasgar a sombra
As panteras já terão chegado
Acompanho a humanidade
além das muitas miragens
serenata aos iludidos
Amor não me deixa sofrer
Existem dias
que o coração
se parte
se deprime
se afoga
e dói até na alma
que se aperta
que se lastima
que se destrói
e depois do canto
nada mais resta
nem a força do encanto
que a vida explica
que o sonho baila
que o tempo mata
Amor não me deixa azul
que a pele sai a suar
que a boca inicia o soar
da canção dos pequenos
desventurados
Amor não me deixa morrer
De
Diego Mendes Sousa
FOGO DE ALABASTRO
Parnaíba, PI: Coileção Madrugada, 2011.
88 p. ISBN 978-85-60146-23-9
Cadência de fêmea
Garoa de remorso fagulhado
pétala de rosa amarela
chão de gaia molhada
não espero para te dizer
Amor
já amo
solicitude de estrela
orvalhada
mel de turbulência
avoada
asa de casa arrulhada
olhos de felicidade
verdinhos
luz brilho fuga
despertos
FEMINILIDADE
Divindade
colibri alteroso
gineceu e abelha - viço
céu alegoria seminua
alvo resoluto de aparição
SOUSA, Diego Mendes. Candelabro de alabastro. Parnaiba: Siert Gráfica e Editora, 2013 119 p. 10 anos de poesia (Edição comemorativa). 14x21,5 cm.
FATALISTICO
No campo o cajueiro se favorece
taciturno dos escombros de antanho
A copa das sombras
é o lume das calamidades
em ausente queixume
Ressoam as maviosas buscas
ressoam as andarilhas
alegrias
que o sonho é distante
signo e alume
e a completude do nada
o sonho:
a completude do nada
VATICÍNIO
Rebeldia concentrada se esvai
e fica o fel das cousas amargáveis
naufragosas dos destroços
imperdoáveis e monstruosas
das desventuras insinuantes
excessivas e imperativas
dolorosa é a amplidão das horas
TOADA DOS TOUROS
Ao galope da fêmea
sob os espinhos da roseira
— Os touros em pecaminosa tourada
Subterrânea é a convergência
das águas em remanso
Pelas estâncias do Amor
os sexos se refazem
contemplativos
ao caminho do imaginário
no horário de tempo algum
MÚSICA DA AGONIA
Poema de Diego Mendes Sousa
Para Antonio Miranda
A voz calou-se
dentro das essências
ruidosas
Destemido,
o anjo insiste
em extasiar-se
no subterrâneo
da alma
Na escuridão,
o corpo cego caminha
no descompasso
dos sonhos
extintos
Vagar
é uma errância
inesperada
O Amor,
a instantaneidade
no calabouço
dos tempos idos
Todos os olhos estão esquecidos
nos vícios
redimidos do desejo
Passar é um destino
rarefeito
a aplacar verdades
inabaláveis
afeitas ao sofrimento
ao vasto silêncio
do meu desespero
inaudível
A voz calou-se
novamente
no desatino
das coisas
supremas
Sou música devastada
em ronda inefável
em viagem secreta
por horizontes vários
Estou d’alma triste
na agonia
dos céus amplos
— sem ecos solares
SOUSA, Diego Mendes. Gravidade das Xananas. Guaratinguetá. SP: Penalux, 2019. 62 p. 14 x 21 cm. Prefácio por Marian de Carvalho. Posfácio por Maria de Lourdes Hortas; ISBN 978-85-5833-475-4 Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.
ENSINAMENTOS SOBRE O POETA
Quando tenho saudades do mar
conchas ao ouvido!
... marulho de todos os dias
estendido ao peito
na imensidão dos azuis
imemoriais)
Homero!
Céu, outro mar,
nas águas solitárias
da infância,
os tempos proustianos,
a busca desenfreada
do tempo perdido,
de outras memórias
nos velhos poetas gregos,
nos amados escribas latinos,
— sonata de um naufrágio,
os poemas no abismo.
SOUSA, Diego Mendes. O viajor de Altaíba. Guaratinguetá. SP: Penalux, 2019. 102 p. 14 x 21 cm. Apresentação por Carlos Nejar. ISBN 978-85-5833-498-3 Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.
METALINGUAGEM
Para Ferreira Gullar
Ai que vontade de esganar Clarice Ela me ensinou o infinito 0 perdido
o áspero e o desespero
no halo de uma flor a devorar meu espelho
SOUSA, Diefo Mendes. Tinteiros da casa e do coração desertos. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2019. 100 p. 14 x 21 cm. ISBN 978-85-5833-488-4 Ex. bibl. particular de Salomão Sousa.
TINTEIROS DE SEGAR RAÍZES
Chega o tempo imediato
em que todos temos
de segar as raízes
(como batatas ou cenouras,
beterrabas ou mandiocas)
antes que a terra-mãe
apodreça o limo
das nossas cascas
duradouras,
mas perecíveis:
passa o tempo vivaz...
expiramos contidos
desde o ventre
OLIANI, Luiz Otávio. entre-textos 2. Porto Alegre, RS: Vidráguas, 2015. 104 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-62077-19
Ex. bibl. Antonio Miranda
CANDELABRO
Diego Mendes Sousa
Dói-me o peito
Queima-me a alma
esta solidão reclusa
Não por querer viver
Nesta orla-névoa
albicante como meu rosto
Se por medo da morte
Se por medo da perda
desta vida sob velas
Uma noite...
... Não serei solidão
não serei solidão
quando o candelabro
for sereno
ao
apagar-se
(50 poemas escolhidos pelo autor. RJ: Edições Galo Branco, 2010. (Coleção 50 poemas escolhidos pelo autor) v.53.)
FORA DA RIBALTA
Luiz Otávio Oliani
quando o candelabro se apagar
ó poeta
não haverá solidão reclusa
apenas o silêncio
de quem, ao lê-lo
verá, em cada poema
a generosidade
nos versos partilhados:
herança à humanidade
==================================================
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Helena Ferreira
SERENATA PARA LOS ILUSIONADOS
Amor no me dejes sufrir...
Hay dias
en que el coarazón
se rompe
se deprime
se ahoga
y me duele hasta en el alma
que se comprime
que se hiere
que se destruye
y después del canto
nada más resta
ni la fuerza del encanto
que la vida explica
que el sueño baila
que el tiempo mata
Amor no me dejes azul
pues la piel va a sudar
la boca empieza a sonar
la canción de los pequeños
desventurados
Amor no me dejes morir
EL FIN
Amor no me dejes morir
Ánimo poeta
Hallaste la polifonia de tu Musa
robusta enigmática deprimente estricta
no hubo la catástrofe mayor:
el verso malo
el verbo no inventivo
sólo los adjetivos que insistieron
pero qué te falta...
¿qué te fala?
— la filosofia retumbante
del bienteveo esta mañana
de diciembre
lluviosa, Mon Amour!
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 4, No. 7 jan./jun., 2022. Diretor Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2022. 158 p.
ISBN 2674-8495 Ex. bibl Antonio Miranda
AMO CANTADOR
Eh flor do tempo!
O meu boi é um menino
que foge de medo...
Meus sonhos vaqueiros
Meus cordões de dor
passam pelas ruas da infância
clarim de bumbar a noite tá! tá! tá!
Meu boi renascerá
Eh eh boi!
Minha azulada toada
ainda se ouvirá no evo
enquanto o meu boi
de repente magoado
se lembrar de acordar!
TAMBORES
O céu é uma pancada
ligeira... branda... mais leve
que tema força de Deus
Os tambozeiros retumbam
o lamento prruuummmm!
os Tucuns e o Catanduvas
tangoliá tangoliá
a Ilha Grande de Santa Isabel
tangoliá tangoliá
a roncadeira o apito o maracá
fazem o meu boi bumbar
rio, beira rio, beira-mar, mar
refrão do batalhão, dono do boi
toque de tambor sotaque do amor
bailam no coração dos caboclos
e no curral dos pensamentos,
mais uma vez vivo,
o meu boi contente
para a panaibanidade
tangoliá.
FOLHARAL
Nas fazendas espalhadas no Cantagalo...
No brejo do Macacal... No Nova Parnaíba...
eu era menino e hoje me alembro
a folhada no escuro, a catirina, a burrinha,
o pai Francisco, o doutor cazumbá
a agonia do porrete de pano nas costas
a epifania de que o tempo era ali, na inocência
dessas folhas assustadoramente secas
bananeira verdes na memória
quando o homem-mato
era a única alegria dos meses
de junho e julho
que havia cachimbada mais viva
que a de escapar do Folharal,
esse ser de máscara negraa
com olhos de catevagem
uma fumaça de espelhos estonteantes
pura a minha evasão...
TRANSITÓRIO
A casa da poesia
é a nuvem
e o poema nu
vem
PASSAGEIRO
O tempo arrulha
uma saudade
mergulhada
na claridade
do presente
O tempo
arrasta
o tempo
e nada fica
do tempo
em seu sigilo
escravo
do passado
O compassao
do tempo
dadonde
apontam
as mazelas
de um âmago
abundante
de memórias
mostra a agulha
de coser
o tempo
como uma múmia
que ponteia o horizonte
da dor pura,
fugidia
que atravessa
a vida...
A existência mais cruel
e a inexistência mais pavorosa
guardadas no coração
a despontar
o alumbramento
do ser
que faz morada
nas velas humanas...
O tempo
despenca
como o mar
e em seu desespero
o rigor do mistério
o sal os cristais
passageiros
A confidência
que voa
no além céu
do espaço sonial
este pássaro
que nunca saiu
do tempo
PENITÊNCIA
Venero os beija-flores
que com seus voos
em alto-falantes
parecem imprecar
a prece da ave-maria
aves de um relevo sofrido
aves de um segredo fracassado
aves de um tempo arrependido
Louvo os beija-flores
na tarde de uma primavera
para muito além
da minha alma
perplexa
nos bálsamos
da noite
para muito além
da minha casa
abismada
no passado
Setembro
vem se destampando
para a vida
duramente
invadida
cruelmente
perdida
violentamente
esquecida
e o coração
assustado
peregrina
atônito
sem brilho
ave-marias
ave-marias
ave-marias
Aprecio os beija-flores
também os dias
que desembarcaram
enfurecidos
para o fundo
da ladainha
do meu eu
ausente
do meu eu
ausente
Pai nosso...
Santificado seja...
na terra
no céu
O céu mais alto do que a terra!
A terra mais profunda do que o céu!
O céu e a terra desgrenhados na memória!
O subterrâneo de todas
as cousas incompreensíveis
e o sentido da existência
às escondidas
Admiro os beija-flores
as verbenas
as margaridas
as papoulas as orquídeas
as xananas
as dálias
os lírios
as mimosas as lavandas
as roas as tulipas
as verônicas as tulipas
as açucenas
e as terceiras lembranças
de muitos outros
acontecimentos
impregnados
à dor etérea
|
SOUSA, Diego Mendes. Agulha de coser o espanto. Ilustração Irineu Santiago. Teresina: Piauí: Àrea de Criação, 2023. 106 p. ISBN 978-65-85113-05-2 Ex. bib. Antonio Miranda
HIPNOSE
“O homem poetiza tudo o que está longe.”
Pio Baroja
O tempo
tudo leva.
Do tempo
algo fica
à queima-roupa.
Viver
é tudo
lidar.
Para que nada
fique
na ilusão
do lembrar.
AS CURVAS
A geografia plácida do tempo
a ternura das curvas!
Preservas, ó doce amada,
a claridade das formas
a conformidade do amor
as carícias e as obsessões
Quem enturva os presságios
sabe que a chave da sofreguidão
está na insignificância das coisas
e no levante das dores inventadas
As curvas, ó amada,
são os labirintos e os segredos!
FILOSÓFICA
“Claro relâmpago entre duas trevas:
a de onde vim e aquela pra onde vou...”
Ascenso Ferreira
Envelheci a alma a caminho do tempo,
em busca do abismo,
enquanto os tinteiros doloridos
rasgavam a imaginação colorida
de bronze e de chumbo;
— Minhas tessituras metálicas.
Gesta de água
“Há sempre um copo de mar
para um homem navegar.”
Nesta grandíssima manhã
de primavera,
as portas
de minha casa
estão abertas
para a visita
fluida da beleza.
Altair é susana da minha poesia
e de minha vida.
A solidão habitava o feiume
dos meus gestos e
querençoso eu esperava
o tempo.
Hoje caminho tardo
pelo vento oeste.
Meu coração vagueia
no mapa das ruínas
e infesto o campo dos
silêncios.
Cada ruído pressentido,
diz da alma.
Cada rastro revelado
diz da vidência, essa
alegria
a se eternizar.
Mancham os céus de um cinza cruel
e morrem
os oceanos
em mim.
Eu que sempre
fui água,
mansidão
de peixes
e siris.
Ser líquido
na chuva,
rio no mar naufragado
Eu que sempre
fui água,
a escorrer
pelo sangue das marés.
Ó manhã
devastada no belo!
Assim é a ceia farta
dos maremotos
escondidos!
Queda,
queda,
estrondo
elegia da natureza
encantada,
sou água!
Gesta do tempo
“há folhas no meu coração, é o tempo.”
Aldir Blanc
Lembro como
se fora hoje
o tempo de ontem
e de agora,
essa memória ilhada,
despencada de um
passado bom.
Tudo era celebração
em mim.
Nada passava ao acaso,
porque nada era mesmo
sofrimento nenhum.
Nenhuma ranhura visgava
a alma.
Nenhuma mácula!
Tudo era vida
nessa festa
sem alguma
dor de amor.
Tudo era
— vou pensar assim—
já prece alada
nessa ferida
de um sonhador agônico!
E por ora permaneço
o bagageiro
de estado vespertino
mudo e perdido
diante da morte.
Os laços vencidos
desse tempo
de outrora
temperados
de sorte
desde então e ainda
sou o meu próprio
passageiro
áspero e cruel,
à espera do destino.
O nada passa ao acaso
e lembro de tudo, porque
a lembrança, a nostalgia
às claras, a saudade
inesperada e o caminho de um adeus
são todas as coisas reais:
o sol que se põe, o rio que corre,
a chuva que cai, o menino que chora...
Os barulhos do tempo
voando
entre as estrelas,
no silêncio da voragem
lá fora:
a noite e os seus muitos
segredos.
Gesta de amor
“Não, não vou aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...”
José Régio.
Sem você é bálsamo
amargo.
O amor é uma folha
transformada
no tempo,
sem você.
Mais tarde,
a claridade dos sonhos
de um grande amor,
nada será,
sem você.
O tempo acelera
a saudade
desse amor de imensidão.
É você, com esse sorriso
de pássaro, com essa voz
de um doce acalanto
no eco da alma,
que afoga
os cantos
da dor,
que sobrevive
ao vento
em mim.
As água imaginárias
são espantos
de uma força rasgada em gesta,
que vem de você.
Sem você, o que seria do
meu olhar
de absinto
que tudo diz
sobre esse
amor de poeta,
que traz
somente você
no coração.
Bálsamo amargo,
borra-botas é a vida,
sem você.
Meus gestos
estão em você,
como a noite
está dispersa
nas estrelas,
como a noite
está negrinha
sem lua,
como a noite
está nua
em você.
Bálsamo amargo,
pé-rapado é o Amor,
sem você.
Gesta do tédio
“[...] o tempo, com seu fio mais delgado,
no rosto já bordou sua nervura.”
Antonio Carlos Secchin
Precisasidominar
os espasmos
do tempo,
dormi-lo ainda mais.
Arrastas o caminho
que impede o voo do pássaro,
ao seu último destino.
Nenhum universo místico despencará.
Olhas o mar que permanece além,
em frente à terra do abandono.
Viajas só, na ilusão das águas,
com tantos nascedouros
de presságios.
O nado dos peixes
é um nada,
ante o abismo
e a promessa das estrelas.
Oh Poeta,
decantas a dor
dos telhados
estilhaçados e
sobreviventes
da alma desenfreada,
do marasmo oceânico
do tédio.
És o espantalho estraçalhado,
de um corpo perfurado
de sonhos,
delírios do real.
Tão perto
estão as tristezas cruéis,
que assaltam
os mistérios
e as sombras.
Pensas na distância de tudo.
Rasgas as folhas
do massacre.
Compartilhas a angustiante
urgência
na agonia
que devora
o ser.
O teu existir amordaça
o íntimo
e sangra
as mãos.
Depois o horizonte deserto,
a morte não findará o rastilho da vida.
Seguras a rosa orvalhada e passageira
de suave perfume.
Simplesmente, resgatas a carência
do mínimo festejado,
mergulhado
na abundância
dos cristais inocentes.
A noite é tão bonita...
O amor, uma flor de intensa coragem!
Guias de passos,
de um coração estancado
nos velhos laços feridos:
a casa que ficou para trás,
no choro luzidio
dos pertencimentos ilhados em ti.
Perdes as palavras...
O vocabulário das iluminações...
Crias o antigo relicário da nudez
e entregas os silêncios
à própria sorte.
Depois,
a chuva
lavará
as lágrimas
do carrossel
em fúria,
que te toca
a face
porcelanada.
Assim, perdes as ternas palavras.
Declaras ao mundo
os sentimentos e
o teu espanto jamais acabará!
|
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. No. 11 – jan./jun. 2024. Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF : Editora Cajuína, Opção editora, 2023. 168 p. ISBN 22674-8495 No. 10 226
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
FIM DO MUNDO
“O vento senta no ombro das tuas velas.”
William Shakespeare
O coração foi a pique!
A pique derruíram o tempo
caíram os silêncios despencaram as casas
tombaram os sonhos cessaram as saudades
a pique as ruínas das palavras alvas
a pique o sangue sonolento
e mais nada...
abateram-se os desertos
derribaram o ser ambíguo
destruíram as mãos também vacilantes
desmoronaram o destino
ao fundo, os rios afundaram
os navios
a prumo, os navios naufragaram nos rios
os rios a pique soçobraram
as cidades
sucumbiram a terra
arrastaram o mar
apagaram do mapa
os oceanos
declinaram as civilizações
pau a pique
soterraram os pássaros
a liberdade
sepultaram os poetas e os loucos
enterraram o que havia à vista
a alma
o amor
e as gerações mudas
foram pique
calado ficou o mundo
o coração a pique em outro abismo...
DE SAÍDA
“Entendo que não tive outra alegria
nem nunca outro qualquer contentamento,
senão de ter cantado o que sofria.”
José Albino
Atormentado assombro
que no ser se infiltra...
Sela o coração na varanda
fugitiva e lembra
o selvagem sonho
de um tempo tocante...
Caminha entre suplícios
na hora do destino.
Como esquecer o vivido?
Se a alma ainda sofre
no redemoinho extinto?
Apaga os delírios inocentes
e debanda as fantasias perdidas.
Deslembra os muros do passado.
Omite a ti mesmo
em preclaro
engano...
Só não olvides
a infância
lenho das lembranças
e lampejo arteiro
de algum amor...
Desmemoria este poema.
A Poesia zarpou.
VER[DOR] DE ESTRELAS
“Conheci mais tristeza que ventura
e sempre andei errante e peregrino.”
José Albano
Maldormido chão.
Maldormido céu
sem nuvens.
Maldormida lua.
Sinto os maldormidos tempos
caminharem
na sonolência
e na vazlez dos acordes
das maldormidas
auroras.
Silêncio de maldormidas
quedas...
Maldormidas auroras.
Silêncio de maldormidas
quedas...
Maldormidas ruínas...
Como o trágico atordoa?
Como a tristeza apavora?
Como a insônia incomoda?
Maldormidas vidas.
Maldormidas dores.
Maldormidas horas.
Os pássaros amanhecem
as árvores...
O sol acorda os pássaros...
As árvores
e os pássaros
choram
a música
de destino
ao vento...
Maldormidos presságios.
Maldormido vedor
de estrelas.
Maldormido mar
da minha alma.
Maldormido rio
do meu deserto.
Marcha idílica
de maldormidos abismos
da minha terra.
Maldormidos sinos.
CELESTE
“Cada pássaro canta melhor
em sua árvore genealógica.”
Jean Cocteau
Deixarei de ser poeta
quando me atirar
na queda.
Meu chão,
outro céu!
No rio da terra
(enchente etérea,
chuva sem trégua)
o lúcido declínio
sufocado no mar.
|
O Rio Igaraçu: www.phbemnota.com
NASCENTE
“A água do rio carece
da vândala violência do mar.”
Astrid Cabral
Meu cântico é uma origem.
Meu salmo é a inconsequência
da causa natalícia.
Nasci no rudimento do Parnaíba.
Os estrondos de meu berço
entoam estranhos sentimentos.
Meu hino é uma essência
da nascente a vida inteira.
O percurso da alvorada
é o meu passo lento
nessa voragem.
O rio Igaraçu
é o início do meu tempo
a naturalidade das minhas
águas
o mar inesquecível
na fonte secreta dos meus silêncios.
SANTEIROS DO PIAUÍ
Que rosto tão sofrido, Francisco!
Meu querido calado
em noite completa
e o abismo do rio Parnaíba
a espelhar a originalidade
desse engenho títere de amor.
Que outro nome teria o piauiense
sem essa dor sonhadora que enlaça a vida?
São pássaros varadouros, mas também são anjos
[com rosas e com flechas
outros anjos caídos
esculpidos em talhas de madeira
nas fornalhas da imaginação.
São mãos de homens da terra,
na rudeza sensível do caminho.
São Mestres fazedores de santos
e de sacrários. São filhos do Piauí
que engrossam a massa das ilusões.
Que rosto tão sofrido, Francisco!
Meu assombro mudo em noite fechada.
MAU TEMPO
Era o fim
de mais uma tarde
de nítido céu azul,
quando percebi
que éramos nós que
passávamos e
não o tempo.
Todas as noites
permaneciam,
menos nós
que involuntariamente
passávamos.
As folhas caem.
As casas se arruínam,
Os séculos decaem.
Os caminhos devastados
no silêncio desesperador
das estrelas...
Abrimos os abismos
dentro de nós mesmos
de repente
caímos.
LEI
“Somos cegos de razão.”
José Saramago
Ninguém estaciona o Sol,
ninguém!
Somente Deus,
que esbarra o tempo
contra a vida.
A DINÂMICA DA MORTE
“Os olhos choram, porque veem.
Antônio Vieira
Cada um é um.
Os girassóis rodopiando
na roleta do tempo
e o homem imóvel
perante a indiferença
dos ciclos.
APARA(DOR)
“O olhar que sente e a mão que vê.)
Goethe
O poeta é o tecelão para teares absurdos
detém uma máquina de costura agreste
e uma mania noturna,
conserta delírios, espantos,
fantasias, mistérios,
signos anímicos,
vestígios,
sonhos anímicos,
vestígios,
sonhos, dores remendadas
e epifanias existenciais.
DE PROFUNDIS
“A minha terra é um céu, se há céu sobre a terra.”
Da Costa e Silva
Às carreiras,
o mesmo disse:
adeus ao mar.
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DIEGO MENDES SOUSA – Fanais dos verdes luzeiros.
Guaratinguetá, SP.: Penalux, 2019 92 p.
ISBN 978-85-5833-609-3
Exemplar na biblioteca de Antonio Miranda, doação do Autor.
Fanal dos omissos
Decerto, nas lembranças,
estaremos a omitir
o que o tempo preservou
sob as nuvens de um céu
de amargo chumbo.
Toda água que vaza dos olhos
agora como retrato de uma líquida saudade,
é tilintar de almas sobrepostas.
Escrevamos ainda os silêncios
do querer dos sinos absurdos
(Àvidos das cores dos barulhos!)
na tarde esverdeada
deste ser triste e empoeirado
— as minhas couraças absolutas!
Fanal do condor solar
O sol é um olho alérgico
sobre a orfandade que rasoura
o meu mistério de condor
enfurecido de sonho.
Deus sabe da dor
que imprimo em versos enfim
e em ruídos de claridade.
À note, os fantasmas irão aplacar
os desassossegos do tempo,
no silêncio,
— manivela de bronze ardente!
Comovente!
Que somente
os poetas aquietam.
Fanal do colo agônico
O passado e eu conjugamos
uma interrogação triste?
Paro,
a esperar que o tempo intimidado
olhe-me cara a cara
a fim de que renasça pasmado e luminoso.
Fico — como um ausente sem endereço —
em uma rua escura de um outono febril
a ver ainda pássaros negros
no agônico coração amargo.
Sou — mirando os meus labirintos em queda —
a cachoeira ruminando horizontes fantasmas
e esquecidos.
Eu e o passado,
triste exclamação conjugada!
*
Página ampliada e republicada em novembro de 2024
Página publicada em outubro de 2007; ampliada e republicada em outubro de 2008, ampliada e republicada em janeiro de 2010. Ampliada em abril de 2019; página ampliada em outubro de 2020
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