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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

WALDEMAR LOPES

WALDEMAR LOPES

(Quipapá, 1 de fevereiro de 1911 — Recife, 21 de outubro de 2006) foi um poeta brasileiro. Waldemar Lopes nasceu em Peri-Peri, então município de Quipapá, hoje pertencente a São Benedito do Sul, Pernambuco. Sua formação intelectual foi firmada em vários campos de atividades em Pernambuco, Rio de Janeiro e Brasília, onde atuou em jornalismo (ótimo cronista e revisor primoroso), literatura (criou e participou de vários grêmios e academias literárias), administração pública, economia, direito público internacional (esses últimos vividos na sua atuação profissional no IBGE e na OEA).

Como jornalista, teve atuação destacada no Jornal do Commercio (Recife), Associação de Imprensa de Pernambuco, A Noite (Rio de Janeiro), Revista Brasileira de Estatística, Revista Brasileira de Municípios e outros órgãos da imprensa brasileira.

No Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi Diretor da Secretaria-Geral, Secretário Geral do Conselho Nacional de Estatística, membro da Comissão Censitária e da Comissão Nacional de Política Agrária.

Na Organização dos Estados Americanos (OEA), onde atuou de 1954 a 1976, foi diretor de seu escritório no Brasil e representande de sua Secretaria-Geral junto ao Governo Brasileiro.

Academia Pernambucana de Letras (cadeira 20); Academia de Letras e Artes do Nordeste (cadeira 7);

Obra literária: Legenda (1929); Sonetos do Tempo Perdido (1971); Inventário do Tempo (1974); Os Pássaros da Noite (1974); Sonetos da Despedida (1976); Sonetos do Natal (1977); Elegia a Joaquim Cardozo (1978); O Jogo Inocente (1979); Memória do Tempo (1981); Sonetos de Portugal (1984, 1994 e 2005); As Dádivas do Crepúsculo (1996); Austro-Costa no centenário do seu nascimento (1999); Cinza de Estrelas (2001).   Fonte: wikipedia 

Leia, mais abaixo, um ensaio de ANDERSON BRAGA em HOMENAGEM A WALDEMAR LOPES>>

 


 

De
Waldemar Lopes
SONETOS DO TEMPO PERDIDO
Jabotão dos Guararapes, PE: Editora Gurarapes - EGM, 2002

Gentilmente enviado pelo editor Edson Guede de Morais

 

SONETO DAS NUVENS E DA BRISA

Os pássaros nostálgicos.. Errantes,
mágicos do crepúsculo, soprando
das longas asas trêmulas o brando
vento da tarde; e logo, em céus cambiantes,

alvos blocos de pluma ão distantes
e efêmeras imagens modelando:
sereias e hipocampos, entre o bando
de carneiros, e rosas, e elefantes,

cães e estrelas, dragões, ou aguçadas
torres, na superfície roseoviva
por onde voga, acesa, a caravela

e nas longas asas captam, retesadas,
a poesia da tarde, fugitiva,
mas eterna no instante em que foi bela.


SONETO DO EFÊMERO

Sangaram os mulungos no ermo encantado
frágeis flores de brasa. O canto insone
— pobre pássaro rouco no ar crispado —
voa da concha azul do grafafone.

Sobre a face das almas desce o cone
de sombras, antes que, no ilimitado
reino interdito, a vida se abandone
à lógica do tempo.  E ladao a lado

o homem e as coisas: a arca subjetiva
— onde se funde o dúplice lamento,
— onde tudo ao mudável se reduz

e os ontens e amanhãs, matéria viva
dos seres, desintegram-s no vento
como as almas, o canto, os mulungos.


SONHOS DOS BOIS NA MADRUGADA

São clomares? são gritos? são gemidos?
Entre a música líquida, nos ares,
a lâmina de angústia dos mugidos
fere os nervos da noite... Os passos pares.

Verdores de vergéis.  A brisa.  Os idos
acalantos de aboio.  E sóis de luares.
Velhos pastos do tempo, remoídos
nas doçuras rurais, e em seus vagares.

Era a vida? Floriu, dor libertada.
Rubra rosa na relva, eis a recente
memoração da morte: céu de engano

refletido no sangaue da alvorada,
sob o triste clamor puro e pungente
desse pranto animal — e mais que humano.

 

MÁRCIO, Mário.   A poesia de Waldemar Lopes.  Prefácio de Carlos
Cavalcanti.  Recife: Comunigraf, 2006.  32 p.  15x21 cm.  “ Waldemar Lopes “ Ex. bibl. Antonio Miranda.


          LIÇÃO ANTIGA

Entre as filas de verde um homem vem e vai:

na moldura rural, o seu vulto pequeno

sob o capote escuro. Esse vulto é o do Pai,

a irrigar o pomar, no aclive do terreno.

 

facho desfeito, o sol sobre a paisagem cai

e a água rebrilha, branca. O céu, azul-sereno,

faz-se um canto de luz que flutua e se esvai

na asa leve da brisa. O dia esplende, pleno.

 

E tudo o Pai esquece, a regar as raízes:

a vida quase ao fim, o corpo a definhar,

a insónia, a tosse rouca, a febre, as hemoptises.

 

Seu legado será esta lição perfeita:

se a morte se aproxima, é tempo de plantar;

outros farão depois a festa da colheita.

 

                      (De A Flor Medieval)

 

 

LOPES, WaldemarSonetos da despedida.  Brasília, DF: Gráfica Escola de Jornal e Artes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Brasília, 1976.  15 p.  22x15 cm “Waldemar Lopes”  Ex. autografado, bibl. Antonio Miranda

 

        CANTO DE ESPERA

          (A matéria do tempo é transfeita em memória.)
          No cinza do cerrado, o frêmito discreto
          do alvor de lua, a urdir a magia ilusória
          de um vago mundo irreal, mais íntimo e secreto.

          Os voos de tucano, à luz do céu inquieto
          Na bandeja de verde, o marco feito História.
          Em gestos fraternais — a dádiva do afeto.
          O lourejo da acácia, a esplender sua glória.

          É coroa de espinho a catedral acesa,
          ou, se ao cimento fere um sonho de beleza,
          nave estranha, a luzir, presa ao cais de outra Era.

          Os pássaros da noite. O gramado. Os meninos.
          E os buritis da várzea abrindo os dedos finos
          onde o silêncio antigo era um canto de espera.

 


LOPES, WaldemarHomenageando Waldemar Lopes/ Anderson Braga Horta. Jaboatão, PE: Editora Guararapes, 2015.   84 p. 20,5x13 cm. Editor: Edson Guedes de Moraes. Edição artesanal, limitada. Ex. bibl. Antonio Miranda

 


 

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HOMENAGEM A WALDEMAR LOPES 

Anderson Braga Horta

 

Conheci Waldemar Lopes no ano de 1973, em seu apartamento na Asa Sul, em reunião projetada por Domingos Carvalho da Silva para a criação do Clube de Poesia de Brasília. Havia apenas três anos que publicara seu segundo livro, Sonetos do Tempo Perdido (o primeiro fôra Legenda – Recife, 1929), com isso candidatando-se à contumácia, em termos editoriais, visto que até então o único livro de circulação nacional em que aparecia era a Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, de Manuel Bandeira (Rio de Janeiro, 2.ª ed., 1965). Mas bastaria o que o poeta de Estrela da Vida Inteira colocara nessa antologia para granjear-lhe o merecido renome de grande sonetista; lá estavam, para gáudio dos aficionados dessa forma poética, jóias numa vitrine, quatro daqueles sonetos, entre eles o de número 7, depois nomeado “Soneto dos Vaga-Lumes”, bastante, por si só, para credenciar um poeta à admiração dos leitores:

 

   SONETO DOS VAGA-LUMES

 

Era o impúbere céu, era a anteaurora

translúcida. Na meia-luz contida

de súbito se abria, aura sonora,

a flor do canto, logo emurchecida.

 

Mas no chão da memória surge agora,

de matérias do tempo concebida,

visão morta da noite feita aurora

(e uma vida fundida noutra vida).

 

Chispas de azul verdefosforescendo

trazem à solidão da terra acesa

o secreto esplendor da alma apagada.

 

Ritmo de lume e cor, nascem morrendo,

enquanto cresce – tensa de beleza,

madura de silêncio – a madrugada.

 

Extraio algumas palavras da apresentação de Bandeira:

 

Até os vinte e dois anos foi contumaz na poesia. .... Nos últimos anos, voltou à poesia, já agora na condição de bissexto, mas um bissexto que honra a categoria e é de fazer inveja a muito contumaz que anda por aí incensado. Os Sonetos do Tempo Perdido precisam ser publicados na íntegra, pois representam poesia da melhor escrita no Brasil.

 

O livro com esse belo título de sabor proustiano demoraria ainda cerca de seis anos para sair: impresso em dezembro de 1970, foi lançado no ano seguinte. Recebeu imediata consagração, como a do Prêmio do PEN-Clube do Brasil. Todas as peças que o integram são antológicas. Gostaria de ler, aqui, uma por uma, nisso fazendo consistir a homenagem ao amigo e ao poeta. Mas vamos limitar-nos a apenas mais dois de seus belos sonetos. Eis o primeiro dos trinta e três Sonetos do Tempo Perdido:

 

SONETO DA ESPERANÇA 

Tempo de azul e não. Desencantado
reino do que não foi, mundo postiço,
ontem feito de agora, hoje passado:
na essência do não-ser o instante omisso. 

(Margaridas da tarde, onde o seu viço?
Choro de água nos ares, lento e alado
caminho cor de sonhos? Insubmisso
mar sem datas, desfeito e recriado? 

Suaves rechãs por onde a mão do vento
esculpia no verde a sombra exata
e as imagens que o olhar já não alcança. 

Aventuras tão-só do pensamento:
arco de azul, a tarde era a fragata
supérflua, para o exílio da esperança.)

 

Com esses magníficos versos rivalizam os do segundo soneto, não menos expressivo. Na sua fôrma clássica –o que, de resto, é característico da poesia waldemariana– concentra-se uma sintaxe poética original, em que palpita, condensado mas vívido, um mágico sentimento da beleza das coisas; sentimento que é, transposto em forma verbal, um modo superior dessa beleza mesma, se me permitem esta livre aplicação, aqui, do camoniano-platônico “transforma-se o amador na coisa amada”:

 

SONETO DAS NUVENS E DA BRISA 

Os pássaros nostálgicos... Errantes
mágicos do crepúsculo, soprando
das longas asas trêmulas o brando
vento da tarde; e logo, em céus cambiantes, 

alvos blocos de pluma vão distantes
e efêmeras imagens modelando:
sereias e hipocampos, entre o bando
de carneiros, e rosas, e elefantes, 

cães e estrelas, dragões, ou aguçadas
torres, na superfície roseoviva
por onde voga, acesa, a caravela 

e as longas asas captam, retesadas,
a poesia da tarde, fugitiva,
mas eterna no instante em que foi bela.

 

A relativa bissextitude do poeta se dissolveria na preamar de livros e opúsculos que viria a seguir: Inventário do Tempo e Os Pássaros da Noite (ambos de 1974); de 1976 a 1979, um por ano, Sonetos da Despedida, Sonetos do Natal, Elegia para Joaquim Cardozo e O Jogo Inocente; o citado Memória do Tempo, de 1981, mais os Sonetos de Portugal (1984, 2.ª ed. em 1994 e 3.ª em 1995), As Dádivas do Crepúsculo e A Flor Medieval (1996), Sombras da Tarde (1999) e Cinza de Estrelas (2003). Não posso deixar de mencionar a miniantologia, singelamente intitulada Sonetos, que tive a alegria de preparar, em 2006, para a coleção O Livro na Rua, da Thesaurus (n.º 27 da série Escritores Brasileiros Contemporâneos).

Os Pássaros da Noite, que se apresenta com o selo do Clube de Poesia de Brasília,levantou o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal.Vinte composições enfeixa, todas de extraordinária beleza, escrínio de que se destaca esta jóia de acabamento e brilho incomparável, que de imediato conquista o amador de poemas para o círculo de seus admiradores, este maravilhoso

 

SONETO DOS SÍMBOLOS EFÊMEROS

 

Os símbolos efêmeros: memento

da vida breve: música secreta

– do tempo, a se esvair na asa do vento,

– do sonho, a esmaecer a chama inquieta.

 

Cresça no céu de pedra o véu nevoento;

junto à nuvens se perca a doida seta

rumo ao não e ao talvez: o sentimento

atrela-se a uma estrela, e essa incompleta

 

visão apaziguante é misteriosa

luz transcendência: rútila persiste,

seiva do ser, essência poderosa,

 

pois se foi dito o quanto a carne é triste,

arde em perfume o espírito da rosa

e é mais belo o que só no sonho existe.

 

Sobre os Sonetos de Portugal, repito o que disse a propósito na ocasião do lançamento – que nesses versos não pretendeu o poeta mais altos vôos. Diz ele mesmo, em nota prévia, que, "do ponto de vista formal, sua linguagem é demasiado espontânea, sem maiores preocupações de ordem técnica". Naturalmente, não são de aceitar essas e outras restrições que faz ao novo livro o próprio autor. A circunstancialidade que presidiu à elaboração dos seus trinta e oito sonetos, "registros de uma romaria sentimental à altura dos setenta anos", é amplamente transcendida pela pureza do sentimento e da linguagem, pela técnica que se resolve em simplicidade, pela autenticidade, enfim. Retratam eles paisagens de Portugal (e não se apaga de nossos olhos a imagem do "Minho, cão azul deitado", nem se esquecem essas "asas de um moinho ao pé da encosta, / as doiradas pirâmides de feno, / os mansos bois com flores nas cabeças"); cantam a gloriosa epopéia nascida da "essência de ideal na alma do Infante", o "homem que fez maior o sonho do Homem"; homenageiam os autores queridos –"Eça, Nobre, Camões, Régio, Pessoa, / e o doce Antero, que era poeta e santo", e Cesário Verde, e Guerra Junqueiro, e Camilo, e Ferreira de Castro–; exaltam a língua portuguesa, a "fala heróica de Camões"; e, além e acima, sublinham o mais profundo, o mais belo destino da gente portuguesa, que

 

é doar a semente do humanismo

aos desafios do devir do mundo.

 

Poucas traduções fez o poeta, quase todas de latino-americanos. Uma delas é o Canto a Brasília, do uruguaio Carlos Manini-Ríos, publicada em plaquete em 1973. Particularmente notável é a de “L’Albatros”, de Baudelaire, livremente transposto para sua fôrma predileta (em O Jogo Inocente):

 

O ALBATROZ DE BAUDELAIRE

NAS MALHAS DO SONETO

 
Andarilho do azul, o albatroz soberano
sonha infinitos céus. Lá-baixo arde a paisagem
da móvel massa imensa; e no dorso do oceano
o indolente navio enfrenta a lenta viagem. 

De súbito, porém, a alegre marinhagem
captura o grão-senhor do espaço, em desumano
empenho de vencer-lhe a grandeza selvagem
e desfazer-lhe o garbo, a intrepidez, o engano. 

Ei-lo agora rendido à humilhante postura:
um cachimbo no bico, apupado em chacota,
longas asas arrasta, os remos a imitar. 

Irmão do poeta, em vão se angustia e amargura:
alijado do azul, sem mais ideal nem rota,
as asas de gigante impedem-no de andar.

 

Muitos escritores de alta linhagem manifestaram-se acerca dessa poesia. Aurélio Buarque de Holanda, seu companheiro entre os bissextos de Bandeira, prefaciando os Sonetos do Tempo Perdido, tece penetrantes considerações em torno desse “disfarçado romântico”, em cuja obra diz que “podemos ver, sem esforço, uma técnica, uma estrutura pouco distante das mais puras fontes simbolísticas”; comenta elegantemente “l’enfance retrouvée”, da epígrafe baudelairiana, e sua recaptura no verso de Waldemar, não sem frisar, heracliticamente, que tal se dá com vestes e feições que não as de outrora, mas por meio de um transfazimento em símbolos, numa reconquista alegórica; e –recordo ainda, sem querer exaurir a seqüência de singulares e lúcidos tópicos de sua análise– disserta magistralmente sobre o notável emprego que dá ao enjambement e sobre a freqüência e a função das expressões interparentéticas (períodos, versos inteiros, às vezes corporificando a maior parte do soneto).

Gilberto Mendonça Teles, por sua vez, apresentando Memória do Tempo, esmiúça, com a competência habitual, iluminada por uma sensibilidade de poeta, ele também, de notórios méritos, aspectos, técnicas, alumbramentos de um mago capaz de mergulhar o leitor no “encantamento de uma sonata verbalmente construída em forma de soneto”.

Seria impossível, e descabido, transcrever todas essas manifestações numa simples oração de homenagem, que outra coisa não são estas palavras, mas os nomes gostaria de lembrar: Almeida Fischer, Alphonsus de Guimaraens Filho, Antônio Guedes de Campos, Domingos Carvalho da Silva, Herberto Sales, José Augusto Guerra, Nélson Omegna, Plínio Salgado, Pompeu de Souza, que trouxeram, como ele, valioso aporte cultural à jovem Brasília; Abgar Renault, Artur Eduardo Benevides, Audálio Alves, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Nejar, Francisco Carvalho, Geraldo Pinto Rodrigues, João Manuel Simões, Mauro Mota, Onestaldo de Pennafort, Vitto Santos, poetas de variadas feições; Nilo Pereira, que o recebeu na Academia Pernambucana de Letras; Alvacir Raposo, Álvaro Salema, Mário Márcio de Almeida Santos, Miranda Neto e Vieira de Melo, que lhe dedicaram estudos; e outros, como Abeylard Pereira Gomes, Antônio Girão Barroso, Bela Josef, Cornélio Leal, Edson Nery da Fonseca, Fagundes de Menezes, Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, Heli Menegale, Hélio Pinto Ferreira, Jayme Posada, Joaquim Inojosa, José Alcides Pinto, José Condé, José de Souza Alencar, Jurandir Gomes Júnior, Luiz Delgado, Marcelo Bastos, Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, Martins Napoleão, Mem de Sá, Milton Lins, Nertan Macedo, Nyda Cuniberti de Abal (poetisa argentina), Oscar Mendes, Pe. Fernando Bastos de Ávila, Permínio Asfora, Povina Cavalcanti, Renato Aquino, Roberto Acízelo Quella de Sousa, Sílvio Júlio, Valdemar Cavalcanti, Vivaldi Moreira.

Não trarão as minhas modestas palavras valor maior a esse contributo. Mas não posso deixar de dizê-las –de repeti-las, às que noutras ocasiões lhe tenho ofertado–, porque, pouco valiosas que sejam, constituem oblata que despretensiosamente se juntam às mais gradas, e vêm com o selo não só da admiração, mas de uma perduradoura amizade.

A poesia de Waldemar Lopes impõe-se e encanta pela sóbria, rigorosa linguagem, não infensa contudo à invenção vocabular –"carne de lua / transluminosamente azuluzindo"– e perpassada de um frêmito constante –"aura da aurora"– que vem do abismo-infância e se projeta no "imprevisto itinerário" do abismo-amanhã. São seus temas (colhidos à vol d'oiseau sobre as superiores realizações de Sonetos do Tempo Perdido e Os Pássaros da Noite, que o situam entre os grandes sonetistas da língua): o tempo, onipresente ("tudo é memória: o só vivido / ou o apenas sonhado"), "a flor da infância", a "noite metafísica" projetando "uma sombra na sombra de outra sombra", a vida, "o rude esforço sem sentido" ("viver não acrescenta: diminui"), o amor, cujo "êxtase pungente .... antes nos lembra a morte do que a vida", mas sobretudo o efêmero-eterno da beleza –"a poesia da tarde, fugitiva, / mas eterna no instante em que foi bela"– e o sonho, "as coisas mais sonhadas que vividas".

Clássica na forma, com sugestões simbolistas e uma força de pensamento que a aproxima de um Antero e de um Leoni, essa poesia de suave pessimismo nos convida a descobrir "a transitória / dádiva do mistério: ínfimo instante = / sopro de eternidade no ar perplexo".

Para fechar a amostragem poética, trazemos Waldemar Lopes às comemorações do cinqüentenário de Brasília evocando o terceiro dos cinco Sonetos da Despedida:

 

FLOR DE CIMENTO E SOL

 Sobre o vazio imenso a flâmula da Idéia
fulgia, estrela ideal, na amplidão do Planalto.
Ao mundo mineral, em sopro de epopéia,
tinham cortado, outrora, o pasmo e o sobressalto 

das Bandeiras viris. Cantava no mais alto
dos verdes buritis a mansa melopéia
da brisa. Mas um dia a afanosa colméia
de candangos por fim daria o grande salto 

na seqüência do tempo; e à cobiça forânea
– flor de cimento e sol, ou mais: contemporânea
do futuro – se opôs a Cidade sonhada 

como Lúcio a compôs e a previra o profeta:
destino e doação, sonho tornado meta,
luz-síntese a indicar o rumo da escalada.

 

Também no território da prosa passeia à vontade o grande mestre do soneto. No opúsculo Amando Fontes: a Linha da Vida, o Perfil da Obra (Recife, 1995), a propósito do autor de Os Corumbas, e aplicando em seu enfoque uma postura antípoda à dos "tecnocratas da crítica", relembra com justeza o fino ensaísta José Augusto Guerra, que, "em sua pertinaz defesa da crítica impressionista", sobrepunha "o imponderável da expressão estética" às "rígidas leis das ciências exatas".

Em trabalho sobre Bandeira: Estrela Permanente no Céu de Pasárgada (Recife, 1996), o raro sonetista exibe as duas faces de seu talento literário. São dois excelentes ensaios – "Manuel Bandeira: Poesia sem Mistério" e "Presença de Teresópolis na Vida e na Obra de Manuel Bandeira" (ao fim deste se reproduz o soneto inédito "Luar de Maio", escrito na cidade fluminense, em 1906, pelo poeta de "Evocação do Recife"); e, fechando o volume, alguns poemas do ensaísta em louvor de Bandeira e de Teresópolis.

Pouco antes de morrer, entregou ao prelo, prontos e revistos, os três volumes de sua Prosa Variada de Ontem e de Hoje,contendo “breves crônicas sobre fatos e idéias, textos à margem da História, notas sobre livros e autores, discursos acadêmicos e não-acadêmicos, memórias”: o primeiro, intitulado O Preço da Liberdade; o segundo, Laudas de Louvação; e o terceiro, Veredas do Tempo. Coube-me a honra de redigir as orelhas do inicial, onde registro que o grande poeta é também muito bom de prosa, e nos dois sentidos da expressão: conversador de irradiante simpatia, marcaram época as fidalgas recepções que oferecia em sua residência no Lago Sul, em Brasília, com a esposa, sua querida Iracy; prosador de mérito, como tal reconhecível pelo menos desde Austro-Costa, Poeta da Província, de 1970, oferece-nos, com os três tomos dessa “prosa variada”, a inteira extensão de seu valor.

Com tranqüilo domínio da língua e do estilo, discorre sobre assuntos que, se não o forem por natureza, se tornam palpitantes mercê de sua pena. E o espectro que abarca é amplo e diferenciado: desde literatura, naturalmente, até história e, sobretudo, interpretação histórica; de economia e política a perfis psicológicos como o de Tancredo Neves; desde o comentário erudito sobre citações literárias até o elogio à idéia geradora de Goiânia, em ensaio de 1951, que preconiza e defende a interiorização da capital do País.

Merecem destaque a competência e a sensibilidade com que fala de poetas e de poesia, da essência desta, da validade ou demagogia do engajamento poético, da intransitividade de certa poesia contemporânea. São objeto de suas reflexões escritores de todas as regiões do Brasil e de países tão distanciados quanto o Chile e a Bulgária, a Alemanha e o México, a Nicarágua e a Espanha.

Mesmo quando escreve sobre assuntos técnicos, ligados a suas vivências profissionais, nunca se deixa tomar pelo frio tecnicismo; ao contrário, seu estilo é sempre irrigado de simpatia e calor humano. O que se disse de Ferreira de Castro, que foi grande “pela arte e pelo coração” (“que só assim se pode ser grande”, completa o nosso autor), tem perfeita aplicação a Waldemar Lopes.

Waldemar era homem de grande afabilidade e simpatia. Alto, esguio, muito claro, tendendo ao rubicundo, era uma figura verdadeiramente apolínea, coroada por uma cabeleira de prata. A impressão de distância que essa figura poderia causar se desfazia de pronto ao influxo de uma fala mansa, de voz um tanto embargada, e ao poder de envolvimento de sua personalidade, de que emanava –como que temperando o apolíneo– uma leve brisa de melancolia (Antonio Carlos Villaça, nas orelhas de Memória do Tempo, diz que ele tinha “a suprema coragem de ser só, sendo gregário” e que ele era “um ser melancólico”). Na verdade, era um homem agregador, desses que se fazem cercar de pessoas e derramam em torno de si as ondas lustrais da amizade, os eflúvios mais refinados e mais almos da inteligência e do espírito. E um homem de ação. Jornalista, funcionário de proa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, diretor da Revista Brasileira de Estatística e da Revista Brasileira dos Municípios, diretor-secretário da Síntese Política, Econômica e Social, da Universidade Católica do Rio de Janeiro, serviu, de 1954 a 1976, à OEA – Organização dos Estados Americanos, tendo sido diretor de seu escritório no Brasil e representante de sua secretaria-geral junto ao Governo. Em Brasília, como dito, foi um dos fundadores do Clube de Poesia, que presidiu em seu período de ouro; com Domingos Carvalho da Silva, entre outros, foi um dos luminares da Revista de Poesia e Crítica; vice-presidente da ANE – Associação Nacional de Escritores e secretário-geral da Academia Brasiliense de Letras. Saindo de Brasília em 1976, transferiu-se, com sua aura de sereno agitador cultural, para a cidade de Teresópolis, onde fundou e dirigiu os Cadernos da Serra, presidiu a Academia Teresopolitana de Letras e o Conselho Municipal de Cultura. De volta a seu Pernambuco natal, em Olinda primeiro, depois no Recife, exerceu até o fim o seu papel oracular, de irradiador de cultura.

Waldemar Freire Lopes, nascido em 1.º de fevereiro de 1911, é natural de Peri-Peri, então pertencente ao município de Quipapá e hoje ao de São Benedito do Sul, em Pernambuco. Faleceu no Recife, em 21 de outubro de 2006, aos 95 anos de idade. Entrevado, com problemas sérios de locomoção, desde alguns anos, manteve-se entretanto lúcido e ativo até o fim. Humanista de escol, fino cultor da poesia e da amizade, deixou luminosa e indelével impressão em tudo que tocou, no coração dos que o conheceram e de quantos têm tido a fortuna de ser tocados pelo seu verso de pensativa beleza.

Relevem que eu termine esta homenagem com uma nota pessoal, recordando o soneto que lhe fiz quando se retirava de Brasília, em abril de 1976 (não por nenhum suposto mérito, que de si mesmo não tem, embora procurasse de algum modo imitar-lhe o incomparável estilo, mas pelo sentido –na ambivalência da palavra– de seus quatorze versos, talvez mais significativos hoje do que então):

 

         SONETO SEM DESPEDIDA

 para Waldemar Lopes

 Buscas da infância o inexorável pomo,
pinta-lo em cores de memória, abstrato
e belo; mas, melhor que nesse cromo,
trazes no coração seu cerne, intato. 

O que ganhaste em Tempo e em Ritmo exato,
dize-lo perda e no-lo dás em Nomo.
E, agora que te vais de nosso trato,
tampouco ir-te-ás quanto imaginas. Como, 

da noite, a fugitiva claridade
solar dissolve em luz os tons soturnos –
permanece entre nós tua alma antiga 

na dimensão do Sonho sem idade;
e, em teu Reino de pássaros noturnos,
tua presença matinal e amiga.

 

Associação Nacional de Escritores,

Brasília, 25 de fevereiro de 2010.

Vale das Iúcas – Teresópolis, RJ   Foto: https://www.vivareal.com.br 

 

REVISTA DE POESIA E CRÍTICA    No.  13 – Brasília – São Paulo – Rio  -
Setembro  1987.  Diretor  José Jezer de Oliveira.    80 p.
                                                              Ex. doação do livreiro Brito – DF

 

 

         NOTURNO DO VALE DAS IÚCAS

 

       Da distante amurada imaginária,
       feita de sonho, e tempo, e pedra, e ausência,
       olho o vale dormido, a nau imensa
       que no estuário da noite deita as âncoras.
       A emanação das formas invisíveis
       esplendem, uma a uma, as belezas ocultas
       em seu porão de névoa e sortilégio.
       Amanhã há de ser o cântico das cores,
       a violenta explosão do verde vário
       incendido ao fluir da luz madura
       sobre os degraus e aclives das montanhas.
       Palpitações de vida, há por agora
       as do silêncio, grávido de mitos,
       a iluminar os signos da palavra;
       só o surdo monólogo das pedras,
       choro das águas, solidão calada
       do coração da noite, latejante
       e desnudo, sem túnicas de estelas.
       Dentro da treva oleosa, identifico
       as lâminas de fogo, lacerados
       bico-de-papagaio, debruçando-se
       sobre a música límpida nas águas;
       o oiro vivo de acácias estridentes
       junto ao sangue das frágeis espatódeas
       e a luz do luto que, na quaresmeiras,
       é coroa de roxo e de esperança.
       Adivinho na encosta ensombrada
       as construções de falso cemitério,
       brancos sonhos de cal, reino de pássaros,
       e à direita celebro a praça humilde
       onde um dia pousou — e ela se fez mais bela —
                o olhar triste de um poeta
                 convizinho da morte:
                       Manuel Bandeira.


       Exiladas do seu redil azul,
       as andorinhas andarilhas sonham,
       sob as sombras do sono e do silêncio,
       os volteios dos voos vagarosos
       nos vái-e-vens do vento. De repente
       na memória das serras emboscadas
       estrondeia o tropel dos cavalos selvagens
       sob o esplendor do paraíso rústico
       presente na visão de George March;
       e vêm secos das fainas e folganças
       dos negros de alma limpa, os insubmissos
       que, detrás desses órgãos de granito,
       viram raiar, em flor, a liberdade.
       Ao fluxo de magia das lembranças
       sai um silvo do túnel, fere a noite,
       e o trem antigo perde-se na bruma.
       Um círculo de prata pulsa rápido,
       em sua rota reta, rumo às rochas,
       paira sobre o silêncio, fica imóvel
       nos altos céus escampos; e, de súbi to,
       é seta vertical entre constelações.
       Os pássaros de sol estão fosforescendo
       em derredor da torre da matriz,
       nas fraldas da colina — arco estrelado
       de mirantes suspensos —, contra os muros
       de sombra, que se alteia mpela Várzea,
       concha de ruço e azuis cintilações.
       No velho hotel sobem do piano mudo
       ressonâncias de músicas extintas
       para o baile nostálgico de vultos
       que os espelhos refletem, inclinados,
       nos mortos corredores e salões.
       Quando a eclosão da aurora abrir em chama,
       sobre as asas paradas de outra águia
       de pedra, a rosa rubra da manhã,
       há de doer, de novo, a contida saudade
       da sinfonia matinal dos galos.
       Sua ausência prolonga os maus presságios
       de treva interminável, mais temíveis
       sem o anúncio sonoro das auroras.
       Nessa abstrata amurada imaginária,
       feita de sonho, e tempo, e eternidade,
       a alma perscruta os mundos infinitos
       e liberta da angústia metafísica
       os segredos do ser: estão submersos
       no mar da noite a vida e o seu mistério.
      

*

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023

Página publicada em julho de 2010; ampliada e rempublicada em dez. 2010

 

 
 
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