SEVERINO UCHÔA
(1909-1983)
Severino Uchôa nasceu em Camutanga/PE, em 16.04.1909. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Professor, jornalista, folclorista e poeta. Foi Presidente da Academia Sergipana de Letras. Faleceu em Aracaju, onde residia, a 15 de julho de 1983. Publicações: Augusto Maynard; Trovas; Cantigas do Coração; Brasil do Chapéu de Couro; Rosário de Saudades.
UCHÔA, Severino. Brasil do Chapéu de Couro (O drama telúrico e social do sertão nordestino). Prefácio de Luís da Câmara Cascudo. Rio de Janeiro, RJ: Emprêsa Gráfica “O Cruzeiro”, 1964. 146 p. 15x23 cm. Capa de Dounê. “ Severino Uchôa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A SECA
É meio-dia. Aumenta a incandescência
De uma agressiva luminosidade;
O vento é morno, reina uma indolência
Que até as tocas de granito invade!
Não houve prece ou brados de clemência
Com que a Seca — Bruxa da Maldade —
Atenuasse a sua irreverência
Aos preceitos de amor e caridade!
Oculta no sopé da Borborema
Ela afugenta os temporais do Atlântico,
Desviando-os da Terra de Iracema!
E enquanto dá sinistra gargalhada
E emite os sons fatídicos de um cântico,
O Sol cáustica a flora torturada!
BRASIL DO CHAPÉU DE COURO
Meus patrícios da cidade:
Ouçam minha saudação
De apreço e brasilidade
Ao povo do meu sertão
Que padece a falta dágua
Nas terras da catingueira
E alivia sua mágoa
Cantando "Mulher Rendeira"!
Exaltemos as figuras
Dos sertanejos tristonhos
Olhando o Sol nas alturas
Queimando seus pobres sonhos,
Sonhos de quem nada alcança
Mas persiste na porfia
De sepultar todo dia
O cadáver da Esperança!
Descendentes de arrojados
Desbravadores das zonas
Bravias lá do Amazonas
Se encontram desamparados!
Porém, mesmo assim, reagem,
Sertanejo nada teme,
Possui a mesma coragem
De Borda Gato e Pais Leme! .
Louvemos a inteligência
Dos nossos cabeças-chatas
Que sem proferir bravatas
Fazem outra independência,
Não pela voz de um regente,
Mas nas usinas de ferro
Cujas sirenes dão berro
De boiadeiro valente!
Sertão dos saracoteios
Ao som de fole e ganzá,
Das cercas de gravata,
Das alpercatas e arreios,
Dos bodes pais de chiqueiro!
Meu sertão das vaquejadas,
Dos cocos, das emboladas,
Cem por cento brasileiro!
Sertão de estribos e selas,
Dos baús de couro cru,
Sertão do mandacaru,
Dos currais e das cancelas
Entre a colcha de retalhos
Da terra sintonizada
Com o canto da passarada
E o tilintar dos chocalhos!
Sertão de taça e chicote,
De esporas, gibão e botas,
Que corre e dá cambalhotas
No mato atrás de um garrote;
Sertão que jamais recua,
Cujo povo destemido
Vendo o Brasil agredido
Vai pra guerra e senta a pua!
No meu Sertão Nordestino
Impera a grande bravura
Da vaqueirama que atura
O verão, esse assassino
Que mata de sede um touro,
Fazendo da seca um drama
Na região que se chama
Brasil do Chapéu de Couro!
Página publicada em junho de 2015
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