PAULO GUSTAVO
Paulo Gustavo de Oliveira [Recife, 1957- ] é mestre em teoria da literatura. Suas obras mais recentes são O que te trai, o que te cala (1992); Aleluia no caos (1995) e O poder da noite (2004)
Extraído da revista POESIA SEMPRE, Número 29, Ano 15, 2008, edição Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Coisas que não se quebram
Coisas que não se quebram
Sem febre sem dor
A hora no relógio a torneira
O amor o braço o osso no jazigo da família
A fechadura que abre para o sonho
A onda a grande onda que se despede do mar.
Coisas que se quebram
O teu dente que morde o desgosto
As cordas os motores que param
Na madrugada quebrada pelo sol
A mala que fez a última viagem
O fêmur que te fez caminhar
Coisas que se quebram
Sem consolo sem desdém pelo que somos
Sem o sal da névoa que somos
Sem as mães gritarem
Em busca do filho morto
Sem sujeito oculto, sem reticências
Coisas que se quebram
Tão nuas no seu pequeno féretro
Límpidas no invisível
Coisas que dormirão sem respirar
Na ternura do inútil, no brusco leito
De uma nova metáfora,
Nas conchas marinhas
Que os deuses espalham
— Tão belas que até as esquecemos.
E como o mundo se sustenta?
E como o mundo se sustenta?
Perguntaria o próprio céu,
Não fosse eu a longa nuvem
Que se assombra com a luz!
Sobre que pilares invisíveis
Se assenta o espetáculo, o turbilhão das vozes,
A sucessão das faces que despertam sobre o mar?
Que outro nome tem o Sol
Para que a montanha o retenha no vale?
Como se sustenta o mundo?
Pergunta a argila dos meus ossos que definham.
Perguntam os olhos que levantam os muros da insônia,
Pergunta a própria insônia dos astros
E a cruz de Cristo emudecida nos alturas.
Não te direi amanhã
Não te direi amanhã
O que hoje não te disse
E não te direi por alto
O que julgo ser planície.
Não te direi em voz baixa
A rouquidão dos desejos
Não te direi como água
O que é a sede dos beijos.
Não te direi algum dia
O que os dias me calaram
Nem as sombras da alegria
Que só em mim se exilaram.
Não te direi com palavras
O que com gestos existo.
Se tudo que falo é mágoa,
O amor é sol imprevisto.
Extraído de
ALBUM DE POESIAS. Supplemento d´O MALHO. RJ: s.d. R$ 26, 117 p. ilus. col. Ex. Antonio Miranda
Página publicada em novembro de 2009; ampliada em julho de 2018; ampliada em março de 2019
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