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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

OLIMPIO BONALD NETO

 

"Olímpio Bonald neto é um dos mais amados e respeitados nomes da poesia e dos estudos de cultura popular do Nordeste. Muito contribuiu para a elaboração de uma poesia erudita de veia popular.Independente e criativo, dinâmico e simples como o seu povo. Olímpio Bonald Neto, está hoje, carregado de poesias e de reflexão."  ALBERTO DA CUNHA MELO

 



 

Dois poemas ilustrados extraídos do livro:
O LIVRO DE POESIA DE OLIMPIO BONALD NETO. 
Recife: Academia Pernambucana de Letras, 1990.

 

 

 

POESIA ERÓTICA

 

 

 

 

SAVARY, Olga, org. Carne viva.  1ª antologia brasileira de poemas eróticos.  Rio de Janeiro: Editora Anima, 1984,  348 p.  14x21 cm.  Capa: ilustração de Sérgio Ferro. Inclui 77 poetas ativos no final do século 20.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

       práxis amandi

 

 

       Na práxis de então
bem pouco se aprendia
com as vagas teorias
da chula sacanagem.
Quase sempre havia alguém
que não gozava
e se perdia
no meio da viagem.

 

                Hoje se sabe,
de Kama Sutra e Sade
passando de Ovídio as Barbarela
por dentro de Vinícius de Morais,
que amar é arte requintada
e há de
melhor acontecer a quem mais sabe.

Começa-se a bolina pelos olhos
ou pela planta dos pés
— que tanto faz —
mas que se o faça como quem não quer

 

        Que se tateie — muito de leve e manso —
por cada canto da pele o corpo inteiro
e sempre no sentido
inverso ao da penugem

Bem lentamente caia nos declives
e nos velados mais fundos e escondidos.
Teça, com os dedos leves, pelo a pelo,
a trama do prazer,
roçando e eriçando cada uma
das papilas digitais — as mais sensíveis
desde os agudos picos aos mais túmidos
e úmidos abismos,
como se cada polpa de dedo fosse língua.

 

Não se abandone então..
Não perca o tino,
que o pássaro do espasmo é fugidio,
e cansa de voar
nas brumas da emoção
do ser em cio.

Daí por diante
passe a refletir
à frente dos espelhos,
e crie — a dois ou a dez
todas as formas de ir
e posições
passíveis das possíveis
contorções.

Prossiga nos caminhos da surpresa
e não se escandalize
se a resposta vier maior que a empresa.
Pois que, por suas mãos
os deuses são,
e não se sabe onde
explodindo seus próximos desejos.

E tendo tudo isto posto,
tome todo tento à tentação
de sua companheira.

 

E, se tiver força e são ciência,
refreie os seus ginetes,
sorva a seiva que lhe molha os lábios
inspire fundo,
até que a égua úmida, esgotada,
deliquefeita e mais deliquescente
estanque o seu galope,
e se abandone, como quem se esquece
da própria servidão
da vida e morte,
na relva dos lençóis.
E então comece.

 


NORDESTE – ANO XVII – DEZEMBRO DE 1964 – Recife – Pernambuco.  Direção:  Esmaragdo Marroquim e Ladjanne. 
23x31 cm                      Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

       Eram dez olhos ardentes
       ou dez sóis — criações da mente —
       entre o Mistério e a Visão?
       Distorção da luz, apenas?
       Projeção do inconsciente?
       Ou, em torno e sob mim,
       mais que olhar e luz havia?

       Era dor — paixão e chama —
       que de mim surgia.

       Pelo lado que mirasse
       a clareza circundante
       — entre falésias e céus
       azulgirantes —
       me punha na própria carne
       a certeza que existia.

       Dez olhos meus que nasciam
       vendo maios do que os meus viam
       por dentro e fora de mim:
       a antevisão dos extremos
       sem nascimento e sem fim.



      
O QUÊ

       O corpo rijo entre as pontes
       e os braços — dos mil que havia —
       tocavam, suave, a fronte
       hortizontalmente aérea
       sobre o meio-dia.

       Descarnadas homoplatas
       sem lábios, sem paz, sem nome.
       As pernas e os pés ligados
       à tessitura da fome.

       Das reentrâncias barrocas
       feitas cornijas nos dedos
       brancos pombos espreitavam
       verde negros manguezais.
       Enquanto três vezes sete    
       abutres espiravam
       sobre Êle, em formação.

       A cabeça mal se via
       perdida além, nos outeiros,
       Mas os cabelos castanhos,
       como estranhas baronesas
       de raízes desgrenhadas,
       desciam nas correntezas.

       Por daí subirem em chuva
       moldadas gotas de sangue
       a atingir o céu tranquilo
       das turvas coares do mangue.


      
 A VOZ E A DOR

       Falava? Zuniam ventos
       no grunhir de muitas feras
       que de rosnar deflagrassem
       um tempo sem mais espera
       mas com hora de igualdade
       em que homens se definem
       pelo que cruzam no peito
       e descobrem além da estrela.

       Gritava? (Ou era só a cidade
       que seus ossos ou em si mesma
       que gemia?) Não sei.

       Pressentia
       que inumeráveis gargantas
       despertavam o abissal.
       desespero dos metais
       — mixto de dor e sirenes —
       nos apitos fabris e nas buzinas
       e nos clarins, nos sinos, nas bigornas
       emudecendo quando a Voz se erguia
       a humedecer no topo das esquinas
       a rubra cicatriz dos sinaleiros.

       Gemia?
       Era um grito de peixes e de espáduas
       a correr os tímpanos de cal
       e a derrubar das torres andorinhas
       com fúria de verdade ou vendaval.
       A Dor vinha do chão
       e em nós crescia.
       Mas, enquanto vã,
       — orquídea malsinada — florescia,
       vivendo do silêncio que morria,
       a cidade insuspeita vicejava.

       Juízes permutavam ouro e lei.
       Arquitetos construíam
       silêncio e pesadelo
       na geografia exata do concreto.
       E, à suave sombra do madeiro,
       políticos, militares, pregadores
       disputavam em campo de guerreiro
       o resgate maior, o ser primeiro
       a conspurcar Seu nome,
       a ter do berço
       o corpo do irmão
       e, no tacão
       o chão comum,
       o sal e o sono.
 

 

       O BENDITO É O FRUTO...

      
E, no entanto, Êle todo era presente.
      
Nu, tranquilamente só, inusitado.
       E a ser banido pelos pés calçados,
       e a ser ferido pelos pés desnudos,
       e a ser comido pelos pés famintos,
       e a ser cuspido
       e a ser queima em fornos eletrônicos
       e ferrado sem fogo pelo estrôncio.

        Nu e ferido. Fiel e renegado.

       Depois eu vi,
        eu vi banqueiros,
        eu vi os cães e as freiras,
        assassinos, beneméritos, ladrões,
        os solfados sem honra e sem bandeira
        especulando a própria liberdade
        e o preço do futuro de seus filhos.

       e os homens pios e os puros
        confundem-se e maguá-Lo
        pelo temor que sentiam.
        E eu os via tremendo
        e tremia só de vê-los!

       Afinal fui à janela
        para sentí-Lo completo
        O pardo corpo estirado
        à beira d´água fedia.

       E nos pés, nas mãos, no peito
       as feridas milenares
       multiplicavam-se ainda
       a cada aceno dos homens
       como vasta manta aberta
       de viva carne de sol.
       Dos altiplanos de cal
       rútilo sangue escorria
       afogando nas sarjetas
       a cidade em Vida.
       (Seiva pura que aumentasse
       a diástole dos mangues).

        E a capital crepitando
        ao longo calor das eras.


 
      
PASTO ASFÁLTICO

      
Seu corpo total e bruto
       — derme de asfalto curtido,
       pelo de pedra britada,
       colorido a tungstênio: —
       serve de pasto aos sapatos.

       Preso ao chão negro das ruas
       sob as rodas, sob os cravos,
       retalhado pelos trilhos
       enredado por milhares
       de quilômetros de fios
       esburacado de esgotos
       ungido de escarro e sangue
       sendo pasto dos sapatos...



      
OS VERDUGOS

      
Aqui britadores cravam
       mais rude que as próprias feras
       nos artelhos da Visão
       estaca e desespero de cimento
       angústia visceral, fome e pão.

 

 

 


 

Página publicada em janeiro de 2011
Página ampliada em junho de 2020

 

 

 

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