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Foto:  http://g1.globo.com/pernambuco/noticia


NELSON SALDANHA

 

 

 

Nasceu em Pernambuco, nasceu no Recife, em 1933. Livro de Sonetos (1982). A Relva e o Calendário (1990) Diversos artigos e ensaios publicados em revistas brasileiras e do exterior. Em 1977 publicou Poesia, livro que levou o selo das Edições Pool.

 

Ocupa a cadeira n. 12 da Academia Pernambucana de Letras. Nélson Saldanha é poeta, crítico de idéias, ensaista e professor universitário.

 

O escritor Nelson Saldanha, membro da Academia Pernambucana de Letras (APL), faleceu nesta sexta-feira 10.07.2015. 

 

 

 

A CASA

 

Destelho a casa e fecho-me nas salas.

Entro em mim mesmo e em mim estou: andando

pelos meus corredores, que são valas.

Refaço meus mosaicos, empilhados

junto às paredes, em que estalam febres,

e em que procuro as portas deslocadas.

Subo e desço no escuro estas escadas

que dão aos meus porões, ora entulhados

com lixo e com raízes. E entretanto

vou rever as colunas, e o orvalho

acumulado sobre as folhas, cujas

nervuras reconheço talho a talho.

E reencontro os castiçais molhados

postos sob a ramagem, e estes ares

que são da noite, e dormem. E revejo

o verde escuro e triste dos veludos

e dos musgos, e o azul vitrificado

que vem dos sonhos mortos, repassados.

Apoio-me a parede, úmida e antiga,

que reconstruo com esforço, e escondo

debaixo de uma pedra um grão de sonho.

Assumo e sofro o chão em que o deponho

depondo-me também, sobre os batentes

que pesam como sombras, entre as sombras

que fariam as árvores ausentes.

Assumo e sou a casa e o sonho, e abarco,

no sonho inabitável que me habita,

os encaixes, os vidros, os ferrolhos,

forros e pisos, onde andaram passos

de vida e morte, e onde escoaram dias

ora também passados para sempre.

 

 

 

 

Extraído de POETAS DA RUA DO IMPERADOR. Recife: Pool, 1986.  Coletânea em homenagem ao Dr. F. Pessoa de Queiroz  e ao jornalista Esmaragdo Marroquim.

 

REVISTA DA ACADEMIA BRASILIENSE DE LETRASDireção: Antonio Carlos Osorio.       Brasília. No. 6 –setembro  1987.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

OS TRANSTORNOS E AS FRASES

 

Desdobro-me: recluso, dispersado,

encontro-me no esforço de refazer as passagens.

Impasses, dentro e fora: rotas, fluxos,

entre os quais reconheço e recupero

lembranças e imagens que, desconjuntadas,

navegam pelos rios desta oculta rede

que circula entre proas e folhagens

e me prende a mim mesmo e a tantas coisas.

Nem a mais rigorosa enumeração dos mapas

bastaria porém, penso eu, para solver as dúvidas

que se repetem como as horas e os espelhos.

Entretanto deparo com riscos de tinta

e cores, traços, faces, sonhos, números,

palavras que oscilam e coisas que ressurgem

presas às pontas de um sutil mosaico.

Mapas e calendários: nem sua enumeração

meticulosa e eficiente bastaria, penso eu,

para evitar a confusão dos sempres e dos nuncas.

Inclusive agora quando, à luz austera da tarde,

pedaços do poema me atravessam.

Sabemos contudo que o sangue lateja,

e que as rosas florescem,

mas os transtornos da vida contaminam as frases.

 

 

 

MEMÓRIA LABIRINTO

 

Sombras e folhas, trilhas, labirintos.
Águas de ontem e de hoje: fundas, rasas,
rastro de idas e vindas, chão e mapa,
desenho obscuro onde entram sóis e casas.
Sou o que encontro: linhas de lembranças,
raízes descontínuas sobrepostas,
projetos, dúvidas, papéis riscados,

improváveis vitrais recomeçados
(mistura de começo e recomeço);
e entretanto, por luzes e por sombras,
todo um esboço que ora reconheço.
Vagas figuras lívidas compõem
ritos e amores que se contrapõem,
e se impõem aos vagos dissabores
como se fossem mitos e clamores.
Frases que se amontoam como cartas,
entre passos perdidos. No porão,
onde penetro, esbarro na memória
E eis o viver: desenho e pulsação.

 

 

 

 

Página publicada em outubro de 2009; ampliada em junho de 2019

 


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