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MAURO SALLES
Mauro Bento Dias Sales (nascimento: Recife-PE, 1933) é poeta, jornalista e publicitário. De sua amizade com Augusto Frederico Schmidt recolheu muitos ensinamentos para a sua poesia. Jornalista, fez carreira em O Globo, onde foi fotógrafo, repórter e colunista de automóveis, antes de assumir chefias e chegar à direção da Redação. Em 1965 participou da fundação da Rede Globo de Televisão, como seu primeiro Diretor de Jornalismo. Coisa de crianças, edição ilustrada, 1991 e Viagem (Reisen), edição em português e alemão, ilustrada, publicado em 1994, são alguns de seus grandes trabalhos. (Extraído de www.edicoesgalobranco.com.br
POEMS IN DEUTSCHE
RECIFE
O vento é do Pina
ou de Boa Viagem
a luz vem de longe
da velha cachoeira
Os rostos se explicam
Nassau ou Luanda
Mas de onde virá
a minha saudade?
Recife, cheguei
mas não me demoro
Mas vou nem ter tempo para tomar sorvete
no Gemba
nem chupar manga no Espinheiro
ou apanhar cajus na Piedade
A cidade não esperou a minha volta
E não foi poupada nem a esquina do Bar Lafayete
onde meu avô falava mal da vida alheia
Dos galhos de velhas jaqueiras ainda pendem
longos balanços que já não me cabem
— pena que ninguém me possa de novo fazer menino
Naquela casa de praia
de grande varanda aberta
armei soldados de chumbo
comi siri, caranguejo
cavalas e guaiamuns
e vi meu rio Tomé pegando fogo
querendo salvar Geni
tão bonita no meio do incêndio
Recife, perdoa
se não vou ter tempo de ver o peixe-boi
do Largo do Amorin
Será que ainda vive o peixe-boi?
E as tartarugas do Derbi?
E o mercado noturno do Bacurau?
E o farol de Olinda?
O carro me leva
pela Imbiribeira
que já não tem mais viveiros de tainhas
Mas ainda tem a Rua Motocolombó
que os cariocas não sabem dizer
Não vou às usinas
Tiúma ou Chatende
Nem vou aos engenhos
Outeiro ou São Felix
Nem vou ver Dindinha
que não tenho tempo
Vim só trabalhar
só vim trabalhar
ouvir quem não quero
Recife, que pena...
Tanta pena de voltar
pra minha casa no Rio
tão longe da minha terra
sem ter botado um calção
ido ao cinema
passeado em Caxangá
na Torre ou em Beberibe
Beberibe está cada vez
mais longe de Copacabana
o vento é do Pina
ou de Boa Viagem
Mas de onde virá
A minha saudade?
MUDANÇA
Recife, um a um
cada tijolo
derrube o muro
renova os alicerces
da construção
Supere as amarras
do passado
lance o último olhar
ao que existia
e foi meta e conquista
na paisagem
Depois aplaine o campo
que restou
caleje as mãos antigas
no velho arado
refaça os canteiros
esquecidos
traga o regador
dos tempos antes
plante a nova semente
da esperança
E espere confiante
a volta das flores
AO ENTARDECER
Ao porto retornam as últimas velas
Ao longe, os sinos tocam a Ave Maria,
No céu rosado acendem-se as estrelas,
Vésper brilha primeiro, estrela-guia.
Os pássaros, chilreando, voltam ao ninho,
A mãe, feliz, abre o peito à sua criança,
O pai retorna ao lar, repetindo o caminho,
Enquanto o dia morre, a noite avança>
Solitário, na praia continuo atento:
Às aves barulhentas, ao mar e ao vento,
De repente, tudo se aquieta ao meu redor.
No negro horizonte, surge a Lua enorme,
Cobrindo com sua luz o mundo que dorme,
Despertando a saudade de um grande amor.
O ABRAÇO
Nada mais humano e doce
Do que o abraço.
É o momento de querer:
Parar o tempo e perpetuar a felicidade;
Estancar as lágrimas e aliviar a dor;
Externar a amizade e o amor;
Derreter o gelo e aquecer a fraternidade;
Acabar com o egoísmo e isolamento;
Perdoar sem fingimento;
Esquecer a sua posição
Para amar a todos sem exceção.
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SALLES, Mauro. O Gesto. São Paulo: Massao Ohno, 1993. 213 p. 15X23 cm. capa dura. “Edição hors-commerce de 500 exemplares.” Ao final do livro, uma gravura de Selma Daffré em folha expandida, dobrada, assinada a lápis pela autora.. “ Mauro Salles “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MISSA
Gestos soam falsos
no altar sem sentido
Velas não transmitem
presenças eternas
(Deus não está comigo
na Missa a que assisto)
Deus
se esconde bem
no olhar da criança
e no coração
daqueles que não rezam mais
O GESTO INDECIFRADO
À frente
longos caminhos aguardam
a mim que não sei
sequer as pedras que piso
— todas plenas de segredos
Á frente
a vida é uma pergunta irrespondida
E na tarde em que te encontro
(a duvidar do mundo
de Deus
dos homens
e das coisas)
fica apenas a presença de um enigma
e a força do gesto indecifrado
NÚPCIAS
Pelos caminhos do mundo
segui teus passos perdidos
Perdidos eram teus gritos
que vinham do mar aberto
Aberto o flanco da rocha
em que dormiste na noite
Noite em que não nos amamos
como no sonho da véspera
RIO
Redescobri
na madrugada
a poesia do bonde
onde ficamos sós
cercados de ruídos
anúncios
e rostos desconhecidos
SALLES, Mauro. Recomeço. São Paulo: Massao Ohno, 1995. 77 p. 13x22,5 cm. Capa: Helga Mierthke. “Editado ao ensejo da posse do Autor como membro titular do PEN Clube do Brasil”. Tiragem: 500 exs. “ Mauro Salles “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Tempo
Prender no bojo da noite
teu olhar iniludível
No sopro de teus cabelos
acorrentar vendavais
De folhas secas fugazes
cobrir teu corpo
E depois ficar pensando
que o tempo não vale nada
Sertaneja
A flor do mandacaru
enfeita o rosto moreno
na paisagem do sertão
Poeira vermelha esconde
o verde das palmas
dos cactus
e os arreios sem brilho
dos cavalos
Não há ciganas
nem cangaceiros
lá onde a moça nuinha
aguarda as dobras da noite
sob o manto fiel
dos vágalumes
POEMS IN DEUTSCHE
SALLES, Mauro. Reisen. Übersetzung von Angel Bojadsen. São Paulo: Massao Ohno, 1994. 76 p. ilus. com. 21 x 23 cm Überarbeitung: Stefani Schneider, Juliana Birnbaum Hutzler, Werner Regenthal Satz, GHN / Nuno Bittencourt. Tiragem: 500 exemplares. “ Mauro Salles “ Ex. bibl. Antonio Miranda
JANGADA
Passaram todas as águas
e a praia não ficou clara
A maré sobe ao seu limite
cobrindo os arrecifes da manhã
Espumas escondem casas de caranguejos
tocas onde corais iluminam profundezas
No fundo há sargaços
enrolados nas conchas
e lagostas que passeiam sobre os mariscos
O pescador
molha a vela da jangada
recolhe as covas da noite passada
E coloca no cesto de vime
ciobas, cavalas
polvos, guaiamuns
o siri-patola
e aquele peixe prateado
que lutou uma hora na ponta do anzol
JANGADA
Die Gewässer sind alle vorbei geströmt
und haben den Strand nicht gesäubert
Die Bbbe steigt bis zu ihrem Höchststand
die Riffe des Morgens verdeckend
Schaum verbirgt Krebshäuser
Höhlen, wo Korallen die Tiefe beleuchten
Auf dem Meeresboden gibt es Seetang
der die Muscheln einrollt
und Langusten die zwischen den Seetieren spazieren gehen
Der Fischer
weicht das Segel seiner Jangada ein
und sammelt die Höhlen der letzte Nacht
Und wirft in den Weidekorb
Ciobas, Makrelen
Kraken, Guaiamuns
den Siri-Patola
und jenen silbernen Fisch
der eine Stunde lang am Angelhaken kämpfte
VOO 861
O corpo foi se fechando
— as pálpebras
os joelhos dobrados —
e a cabeça curvou-se
no dorso vergado
Os braços se alongaram
na direção dos pés
Aos poucos ficou pequena
enroscada
corno um cisne no ninho
Os cabelos se espalhavam sobre o rosto
que dizia, adormecido:
— Toma conta de mim
FLUG 861
Der Körper schloß sich mehr und mehr
— Die Lider
die gebeugten Knie —
und der Kopf neigte sich
auf den gebogenen Rücken
Die Arme streckten sich
in Richtung der Füsse
Langsam wurde sie klein
zusammengerollt
wie ein Schwan im Nest
Die Haare hingen ins Gesicht
das sagte, eingeschlafen:
— Kümmere Dich um mich
Poesia brasileira em alemão - Brazilianische poet in german / deutsch
Página publicada em fevereiro de 2010; ampliada e republicada em março de 2015. Página ampliada em julho de 2020
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