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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MARCOS OLIVEIRA

 

 

Pernambucano de Belo Jardim, é publicitário e pós-graduado em Filosofia e Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Recebeu vários prêmios nacionais de poemas, entre eles o Concurso Ladjane Bandeira, promovido pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife, e recebeu menção honrosa no Concurso Nacional de Poemas Helena Kolody, promovido pela Secretaria Estadual de Cultura do Paraná (PR). Também possui poema publicado na coletânea Poetas de Curitiba, editada pele Fundação Cultural de Curitiba.

 

 

 

 

COLETÂNEA DE POESIAS – PRÊMIO SESC  DE POESIA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 2008.  Brasília. DF:  Serviço Social do Comércio do Distrito Federal SESC DF, 2008.  185 p.  Ilus. fotos dos poetas e do júri.  

 

 

 

         DOS PROCEDIMENTOS NÚMERO 1:
PARA APRECIAR COISAS INÚTEIS E BELAS

 

 

         Aspirar ser peixe e begónia a um só tempo.
Extrair, pelo calor dos lábios, os lagoeiros da boca da noite
Usar a parte extrema dos olhos da tarde, para enxergar o ele-mento morfológico que indica o estado de flor da amante
Partir o lacre que obscura o olhar, para melhor enxergar o  
musgo da parede nua.
Ficar horas a fio apreciando o curso de um regato e, nos sortilé-
gios destas horas, esperar pelo pássaro extinto.
Investigar se as coisas estão todas nos seus devidos lugares:
os jasmins brotando beija-flores, Clara domando
dragões, etc.

Mandar ao contrário, não mandar, esquecer de mandar -para
que o silêncio do mato possa caminhar sem ódio
e sem medo.
Tocar maracás no ventre da noite nova.
Converter-se à religião dos peixes cordilheiros que cultuam os
deuses dançantes. Bailar contra a corrente.
Aprender o ofício de desacorrentar prometeus e fazer dos abis-
mos jardins suspensos.

                      Esquecer-se por mil anos.
Desejar ser o espelho de Vénus. Aprender a língua de Vênus
Morrer de amor por Vénus.
Plantar uma flor nas encostas de um ouvido insolente.
Fazer morada nas camadas de ínfimos imediatamente localiza-
dos embaixo das ruínas do engenho - para ser vizinho e amigo
e irmão do caramujo cor-de-vinho.
Garimpar no riacho por entre os jacintos o nome Nada. Des-lumbrar-se com o Nada na concha das mãos. Reconhecer o
Nada como a mais preciosa das virtudes douradas.
Golpear a escuridão com lanternas vermelhas. Matar as trevas

acendendo todos os vaga-lumes que conseguir encontrar. Amarrar os lobos para que a noite desça em silêncio. Contemplar, contemplar e contemplar. Contemplar até o limite da dor: para enxergar a alma desta flor.
 Compadecer-se diante da noite anciã que amadurece uma

aurora dentro de si.
 Alegrar-se com a aurora que já nasce prenhe de palavras. Reaver a forma de lagarto para poder falar a língua do jardim. Por exemplo: quando ouvir das moscas a palavra podre saber que se trata das entranhas exposta da terra, donde nascerão avencas ensolaradas e ervas rebeldes.
 Colecionar, com toda a inocência, adornos para bestas, trilhos abandonados, caminhos de andarilhos, chaleiras antigas, domingos esquecidos...
Nascer e morrer a cada lunação e alumiar-se de lulas incandes-
centes para celebrar o espaço de tempo entre duas luas novas.

Ouvir os meninos dizerem que estão munidos de arcos e fle-chas. Ouvir os meninos dizerem que estão cravando de estrelas o coração da tarde. Acreditar sinceramente nos meninos. Diminuir pelo atrito do seu peito com o peito dos pássaros o tamanho do eu, até fazer o espírito chegar à altura das larvas

pré-borboletas.

Transbordar de ciúmes da lua cheia para poder ser aceito no

rebanho de violoncelos seresteiros.
Aprender a arte de abrir livros como quem abre um ovo grávido

                                       de palavras.

Deixar-se devorar agradavelmente pelo bicho-tempo
enquanto, à soleira da capela do lugarejo, prepara o "Estudo Sobre as Vacas que Pastam a Grama da Pracinha".
Chamar de vida o caminhar para sempre do amigo, o abraço na estação, o apagar da última lamparina, o suspiro derradeiro da

noite, o suicídio das moscas azuis.

Vestir o mais belo dos vestidos e usar as mais preciosas das jóias para receber a visita do anjo dândi.
 Saber com rigor a tábua das marés, para lembrar aos navegantes desavisados que a língua desta pátria é aquela que a boca da noite sussurra.
Acomodar no cesto aromático o silêncio e todos os
ouvidos que conseguir colher, para ofertar à moça que inda agora foi promovida a fagote.
Preparar o pasto das abelhas nos sulcos arados de um soneto.

 

 

 

Página publicada em agosto de 2020


 

 

 
 
 
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