MARCÍLIO MEDEIROS
Marcilio Lins de Medeiros Brito nasceu em Caicó - RN a 06 de maio de 1965. Radicou-se no Recife aos seis anos. Após cerca de trinta anos, passou a residir em Aracaju. É bacharel em direito e letras, com especialização e mestrado em administração, área em que atua no setor público. É poeta, ator, produtor cultural e professor universitário. Nos 80’s, participou ativamente do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, editou os jornais literários Vaga-lume e Prólogo (independentes), participou da organização do I Congresso de Escritores do Nordeste (1988, Recife) e publicou um livro de poemas adolescentes (Recife, 1984). Nos anos 1990, foi um dos organizadores do I Congresso Nacional de Escritores em Pernambuco (1995), diretor administrativo da União Brasileira de Escritores – Secção Pernambuco – UBE-PE de 1997 a 2000 e teve publicado A Pulsação Repleta (Companhia Editora de Pernambuco, Recife, 1998). Tem, ainda, poemas publicados em diversas antologias e jornais. Atualmente, continua dedicando-se à poesia e a organização de eventos literários e culturais em Aracaju.
“poesia contida, despojada, limpa como o linho, sem excessos nem acessórios (...) poesia intimista, a de Marcilio Medeiros, toda ela permeada de iluminações repentinas, de insights, conduzidas pela intuição – especialíssima modalidade de conhecimento - que faz de ‘cada expressão uma expressão única’ “ (Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, da Academia Pernambucana de Letras).
MORTE TERMO TEMOR
Aguarda: tom de neve.
Água parda proscreve
a rapidez. Agora tarda
Afeito: bom para sumir,
de terra desfeito, vai surtir
único e último efeito.
Fira: dom da faísca.
Fogo de pira confisca
quem só se reproduziu na lira.
Alarde: som de alaúde,
ar de notas arde sobre o ataúde,
antes que chegue a tarde.
PÉS (COM APOIO)
Escassez de nuvens
sobre o piso.
Tez inchada de pés sem
o alarido
dos passos.
Descalços
todavia presos
Crassos
mas não tesos
Em vão
será suficiente
supor
que movimentos
de dedos
sustarão
termo, memória, medo
do rumor.
AMORTO
curvas
vincos
vácuos
o amor
desliza
sem se opor
à brisa
brinda
poro
mora
diviso
no friso
no risco
do corpo:
vívido
atrita-se
estica-se
solta-se
ar em volta
calores
calos
calafrios
MÓBILE
areias seguem calcanhares
nômades anônimos
ampulheta fraturada
pela direção dos ventos
levados refazendo-se
é dia pela claridade
grãos que caminham
retirando os passos
OS AVESSOS, MESMOS
de onde nasço
de onde cresço:
peixe escorregadio
pedra que não suporta
nenhuma bota
braços de mar
braços de seco rio
onde mais ausência
excrescência?
na diferença iguais:
estufa úmida - canais
calor enxuto - veredas
TATURANA
A mão plana,
passeia calor.
Muda cor,
forma, peso.
Levanta caravana
de pelos
pelo leito seco
do peito
que arqueia, lento
rolar de roldanas,
pontas de dedos:
antenas, pernas,
penas: taturana,
e anseia o vento,
o pentear de
capim, cana.
picada
afago de aranha
e deveria comemorar no abandono
c l i q u e s na p l
e e
não são senha
do código elétrico
submerso
é tudo sono
ela destaca-se da noite
(que recompleta suas lacunas)
entranha-se a aranha
na cama, na concha do corpo, no insolúvel banho
VIGÍLIA
cravo lótus
sombras de incenso
quase-final de estoque
volteando em si com num ralo
em lentíssima voltagem
em prudente baque
o mal? entalado
pedaço que separa
palavra e peritalse
um címbalo acorda
acorde no tímpano perfurado
A MORTA
seca
a porta
despida
fibra ante fibra
ocultando-se
cadáver
posto até quando
destroçar os veios
enxame de abelhas
descompactando-se
OBSCURO
sempre há uma brecha
raios a decepar flores
a nudez das cores reservadas
estiletes eretos na raspagem
da poeira que se esconde
e repousa na limitada
decomposição que lhe resta
as dobras dos móveis
sua carapaça, seu secreto
labirinto onde maturam
os dias passados em objetos
um sopro, uma falha
traz o arpão incendiado
a gralha silenciosa, mas munida
a riscar o olhar assustado
de coisas mal-dormidas
O PACIENTE
jaz insepulto
corifeu das muitas vozes
é sono a não-morte
terra sem lápides
para além das formigas
que vão carregam guardam
não visitaram mares
nem perderam dentes
jaz, flutua na infinidade
sem corte ou sangue
voz de vozes
o corpo rente à terra
a espera, fome
de que mal se lembra
desmembrada memória
a quebra, a queda:
quem lhe havia cruzado
as mãos no peito?
ele mesmo
COLHEITA
ceifa o talo
a luz refletida
o sol em micropartículas
escorrem & caem
& deitam
- pedaços
um só
espirro
sumarenta cana
caldo, calda
frita no pó
estrada que fervilha
antes e sempre nó
agora nódoa
na via
solta de suas folhas
na folha de papel
som, desenho, sentido
em lascas se abre e se reúne
palavra vestida do despir-se:
poema
seu próprio abismo
CAVALGADURA
sim,
olhos de marfim
órbitas de sodalita
perfuram, insólitos
o mole centro
do abdômen
dentro do homem
saturam
sala vazia de órgãos
vãos órfãos azia
amálgama
escura
cavalo
que cavalga
a alma
dura
POEMAS PUBLICADOS NA
REVISTA BLECAUTE 2011
TATURANA
A mão plana,
passeia calor.
Muda cor,
forma, peso.
Levanta caravana
de pelos
pelo leito seco
do peito
que arqueia, lento
rolar de roldanas,
pontas de dedos:
antenas, pernas,
penas: taturana,
e anseia o vento,
o pentear de
capim, cana.
VIRGEM
não há bis
no abismo
por isso a regra diz
se quer ficar à margem
curta o risco, a vertigem
mas, virgem,
não meta a língua
o nariz
na visão
translúcida
porosa
do vão
ROTA
dois livros
duas rotas
o mesmo caminho
Mário de Sá-Carneiro
estricnina
Sylvia Plath
gás de cozinha
HĒDONĒ
alegrias
que se fumam
bebem
cheiram
dor
só se for Rimbaud
ECOS
ecos trincaram vidro
arremesso ao ventre
de suas vozes
voltam hídricos
como se recém-golfados
da saliva ácida
o coma era
suspensão
na redoma
Poemas extraídos de
Blecaute
Uma Revista de Literatura e Artes Campina Grande (PB) – Ano III – Nº9 – Agosto 2011
Página publicada em dezembro de 2010 |