JOSÉ PEIXOTO JÚNIOR
O poeta José Peixoto Júnior nasceu em Serrita (PE), aos 3 de abril de 1925. Transferiu-se para Brasília em 1976, e aqui reside desde aquela época. Diplomado em Direito, serviu no Tesouro Nacional da Secretaria da Receita Federal, como auditor-fiscal, até a sua aposentadoria em 1990. É filiado ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal, e pertence à Academia de Letras de Garanhuns, à Associação Nacional de Escritores, onde foi presidente de 2011 a 2013, à União Brasileira de Escritores/SP, à Associação Cearense de Escritores, à Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço, à Casa do Poeta Brasileiro/DF e ao Instituto Cultural do Cariri.
Escreveu e publicou os seguintes livros: Imposto do Selo Federal, 1965; Panorama tributário brasileiro, 1971; Bom Deveras e seus irmãos, 1988; Cartas & poemas, 1991 (em parceria); Sobre o mundo, 2001; Padre Peixoto, intelectual, político, sacerdote, 2007; Coroa de sonetos, 2008; Crônica memorista, 2017. Tem participação nos livros: Brasília: vida e poesia, 1996, Org. de Ronaldo Alves Mousinho; Modernos contos brasileiros, 1998, org. de Aníbal de Albuquerque; Antologia dos 20 anos da Casa do Poeta Brasileiro, 1998; Antologia do conto brasiliense, 2004, org, de Ronaldo Cagiano; Geografia poética do Distrito Federal, 2007, org. de Ronaldo Alves Mousinho; 30 anos de poesia, 2008, org. da Casa do Poeta Brasileiro; Poetas del mundo em poesias, 2008, org. de Delasnieve Miranda Daspet de Souza; Sonetos de bolso — Antologia poética, 2013, org. de Jarbas Júnior e João Carlos Taveira.
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O AUTOR E SUA OBRA
"Geralmente não se escreve sobre um poema isolado, e sim sobre coleção de poemas agrupados em livro, individuais ou coletivos. Toda regra há ter exceção. José Peixoto Júnior é responsável pela quebra do paradigma. Escreveu um soneto ("Poema de Natal") que, pela originalidade, merece análise e consideração da crítica. Trata-se de um decassílabo. Mas o que chama atenção não é a forma. Grita nesses versos o conteúdo, a temática inusitada, a descoberta sutil, o aproveitamento sintético." (João Carlos Taveira)
"Muito agradeço seu esmerado livro Crônica Memorista, assim como fotografia do abençoado casal José Peixoto e Raymunda Brito e do amigo que lhe escreve. Felicito-o pela obra publicada rica em valores humanísticos, humorísticos, literários e religiosos. Ad multos annos." (José Carlos Brandi Aleixo)
"Crônica Memorista, de autoria de José Peixoto Júnior (Editora Kelps – Goiânia – 2017) é um livro escrito com o coração. Ele contém as remembranças de um homem vivido, calejado e sofrido, mas nem por isso brigado com a vida. Revela-se uma pessoa sensível, observador arguto e dono de admirável memória. Como dizia Gilberto Amado, soube prestar atenção à vida e rechear o minuto, condições indispensáveis a um bom memorialista." (Enéas Athanázio)
"Amigo Peixoto, adorei conhecer um tantão de sua vida, tão bem narrada na autobiográfica Crônica Memorista. Se não tudo, pelo menos o que ali está registrado, não faltando aventuras e desventuras vividas nos tempos das brincadeiras e das irresponsabilidades, na juventude, nos estudos e até no lombo de cavalos e no comércio. Portanto, se não tudo, quase tudo que ao longo dos anos foram sendo brilhantemente enfrentados e vencidos por você. Mesmo obrigado a sair carregando mala e cuia pelo Brasil afora, ora atrás de concursos, ora da carreira universitária, de posição e melhores salários, enquanto a família crescia e o custo de vida encarecia." (José Maria Leitão).
Filho de Brasília
Castro Alves é filho de Brasília!
Patrimônios, os dois, da humanidade;
Deles são a petúnia, a sálvia, a gília
Dos canteiros de flores da cidade.*
Ambos buscaram (noites de vigília!...)
Conseguir, preservar a liberdade;
Esse bem, garantia da família
E riqueza maior da sociedade.
"Cecéu", um apelido da infância.
Por símbolo o condor — gênio entre as aves —,
Para um gênio de andina culminância.
No céu da poesia ele é um astro:
Antônio Frederico Castro Alves,
A mãe: Clélia Brasília Silva Castro.
* Mais de mil canteiros de 25 espécies de flores enfeitam Brasília-DF, Brasil.
Vaca na Cilha
"Mas na seca cruel de dezenove
A vaca, numa cilha, não se move,
A Conchinchina em pé, assim morreu." Marchet Callou
Eis uma estátua da fome:
A rês que, por astúcia do vaqueiro,
Mantém-se em pé. Em volta, o mundo inteiro
Desaba. Falta pasto. Água some.
A seca retratada tem um nome: Castigo!...
É assim que o Deus verdadeiro
Exempla o povo, o bom ou desordeiro,
Pra não deixar que o "bicho ruim" o tome.
Se penitência, gente, é o pecado
Do nosso pai Adão! Alcança o gado,
Os bichinhos do mato, o chão até.
O sol ofusca, o mundo é policromo.
Na cilha, a rês às vezes morre, como
A vaca "Conchinchina" do Marchet.
Poema de natal
Os três Reis Magos vindos do Oriente,
guiados pela Estrela do Pastor,
depositam aos pés do Inocente
incenso, ouro em pó e mirra, em seu louvor.
Por natureza e uso consequente
o incenso, igual à mirra, evaporou
e, desses três objetos do presente,
somente o ouro em pó é o que ficou.
Ficou? Como ficou? Ficou com quem?
Se o Casal junto aos muros de Belém
é a pobre Família de José!...
Não houve indagação desse sumiço.
Não procure saber, não pense nisso.
Eis o mistério que não é da fé.
O verbo
O verbo – luz do verso, luz da prosa,
Coluna vertebral da fala humana,
Ausente num poema ou numa trova:
Retrato de pobreza franciscana.
A Língua sempre tão melodiosa
Aos requebros do verbo; soberana
Nos Tempos e nos Modos; preguiçosa
Sem eles. Adeus ares de bacana!
A custo, para trás os dois quartetos.
Cadê engenho e arte, meu poeta,
Para aquele, o segundo dos tercetos?!…
Meu verso, outrora doce, hoje acerbo,
Moroso no alcance a fácil meta,
Inútil num soneto assim: sem verbo.
Modéstia à parte
Eu quase que cheguei a sonetista.
Fazia versos com rigor e arte,
Não eram versos ruins, modéstia à parte,
Mesmo não sendo versos de um artista.
Eu me considerava bom versista,
Modéstia à parte, posso confessar-te
Não decorava os versos meus, destarte
Não podia deles ser propagandista.
Os produzia assim, de improviso,
Arrebanhava ritmo e rimas
E os soltava à toa sem mandar aviso.
Reconheço, não foram obras-primas.
No versejar eu, hoje, já agonizo,
Seca-me a terra das frutas opimas.
PEIXOTO JÚNIOR, José. Crônica memorista até as Bodas de vinho. Goiânia: Kelps, 2017. 264 p. ilus. ISBN 97885-400-2203-4
MU AGE
(Moagem):
Lá no mei da madrugada
eu acordava e ouvia
o fungado da boiada
na manjarra que ringia.
2-0 ingém quebrano cana
só siscutava o estalo
todos dia da sumana
derde a cantada do galo.
3-no coice o boi sirigado
adiante o boi coração
o premero cum bargado e
o ôto cum gavião.
4—Os quato de dois im dois
juntos por canga e cambão
atado os chife dos bois
mode invitá confusão.
5-No quilariá do dia,
quando a barra vem quebrano
da garapa qui curria
o paró tava esborrano.
6-Boi canaro, bentevi,
troca os boi da madrugada
boi bunito, munduri,
duas junta descansada.
7-Bota fogo na fornaia
assobe a fumaça iscura
vem a cana fica a paia
o mé vira rapadura.
8-e o mundo da bagaceira
istindido aos pé da gente
cum lição pra vida intera
muntas de coisa indecente.
9-ingem qui quebrava cana
de madruga a de noite
a cana rosa, a caiana
boi no ferrão, no açoite.
10-que qui aconteceu dispois
falá nisso nem convém
num sei ponde foi os boi
E se acabou-se o ingém.
11-cadê o ingém de ferro?!
perguntei e ninguém disse,
nas suas moenda enterro
toda a minha mininice.
CASA DE FARINHA
No Império da mandioca denomira a Carta Magna — Constituição da Mandioca —, referência ao projeto de Constituiição Antonio Carlos, anulado por D. Pedro I(1823), que exigia para qualificação de eleitor renda mínima correspondente ao valor de alqueires de farinha.
1 - Alguém do casco da Serra
dessa Serra tão cantada
desenterrando saudade
há muito tempo enterrada
pergunta se eu sei também
"o gosto que o beiju tem"
feito numa farinhada.
2 - Eu fui puxador de roda
sei muita coisa a respeito
sei como se faz beiju
e vou contar do meu jeito
começando na desmancha
por aí é que se engancha
a receita que receito.
3 - Comecemos do começo
falando em Aviamento,
que é Casa de Farinha,
inicia o movimento
a roda, a prensa e o forno
não muito quente, bem morno
com forneiro sempre atento.
4 - A roda tem duplo veio
pra supapo da rodada
relho rola o caitetu
com a tarisca amolada
para mandioca ralar
a massa à prensa secar
embora fique molhada.
5 - No forno não falte o rodo,
na prensa não falte o fuso,
raiz rapada na bola,
o fuso é um parafuso
apertado enxuga a massa
daí para o forno passa
esse é o modo do uso.
6 - junto ao monte de raízes
mulher sentada no chão
vai raspar cada raiz
faca pequena na mão,
cada uma dá seu bote
uma parte faz capote
Outra termina o raspão.
7-o capote é a raspagem
da raiz pela metade
a raiz suja de terra
fica da cor de alvaiade,
aí precisa mão limpa
pra ela ficar supimpa
e passar do chão pra grade.
8- grade ou coxo de cevar
a cevadeira faz massa
essa massa vai à prensa
de lá para o forno pass.
Se debaixo da fornada
a massa for arrumada
um beijuzinho ali assa.
9 - Há beiju sob farinha
se o rodo não faz transtorno,
mas a beijusada mesmo
é feita toda no forno,
o sabor dessa unidade
é o gosto da mocidade
que vai e não tem retorno.
10- Uma desmancha cumpade
começa de madrugada
com dois puxador de roda
puxando roda e toada,
se um joga o outro apara
e nisso a roda dispara
dando vida a farinhada.
Página publicada em janeiro de 2018
com a colaboração de João Carlos Taveira.
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