JOSÉ LAURENIO DE MELO
Além de poeta, José Laurenio de Melo foi importante tradutor e editor. Foi um dos fundadores do Gráfico Amador, que tornou-se um marco na história do design gráfico brasileiro, produzindo pequenas tiragens experimentais de grande apuro visual e qualidade gráfica.
De
AS CONVERSAÇÕES NOTURNAS
& OUTROS POEMAS
Seleção e organização de José Alexandre Barbosa
Prefácio de Ariano Suassuna
ISBN: 978-85-7480-363-0
AS CONVERSAÇÕES NOTURNAS (1950)
3
Breve procura delineada
neste ser imperfeito.
A pena, o silêncio, a agonia
e algo que, não pressentido,
resvala na triste espessura,
desvairam em secreta solidão.
Solvem-se os ígneos sinais
detidos na fronte do penedo
nascido de extinto pântano.
4
Não só a planta, o frenesi
do cedro e do linho triunfantes,
também os frutos me pertencem.
Não os ouvi nascer, é certo,
como dizem que nas campinas
os animais ouvem nascer o pasto.
E como os ouviria, com estes sentidos
enlouquecidos, como se tivessem bebido
mortais canções e luz desfeita?
Pudessem os frutos, provados, ensinar
a terrível lucidez dos animais,
e eu já não seria o que era antes.
ANOTAÇÔES DE AGOSTO (B)
Tudo ficou por fazer.
A poesia, nenhuma.
As palavras não me configuram.
Me abandono a elas
para continuar o mínimo de mim mesmo.
Tudo o que você viu não fui eu.
Não foi o meu peito, porque
todo eu sou necessidade de comunicação.
Só que não posso pedir-lhe que me ouça.
Você pode não querer.
Você às vezes é fechado,
embora seja multidão incontida
e brade justiça.
Mas seus movimentos são os meus.
Por deficiência minha é que não nos entendemos.
Olhe: colho o tumulto e guardo-o comigo.
Vontade de explodir, eu tenho.
Anulo-me sem estilhaços, porém.
(1948)
PRELUDIO À TREVA
Minha viagem é densa:
conduzo sementes, pus
e uma vaga superstição.
Como é tempo de Carnaval,
visto-me de dinheiro velho
e preparo-me para o nojo.
Meus irmãos me dispensaram,
pediram vinagre, beberam,
sopraram os fusos horários
e se dispersaram.
Por isso aqui estou
perdido e farto de memórias.
Letra e verbo já não existem,
mesmo como frutos.
(1948)
Página publicada em outubro de 2009
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