JESSIER QUIRINO
QUIRINO, Jessier. Prosa morena. Recife: Edições Bagaço, 2005. 128 p. 14,5x21 cm. Capa com imagem de esculturas com massa, em foto de Roberto Silva. Apresentação, na orelha, por Luiz Berto. Poesia de cordel utilizando a fala nordestina, matuta. “Acompanha CD com declamações do autor”. Foto e biografia do autor ao final do livro. Col. A.M. (EA)
ARGUMENTO DUM VELHO SERTANEJO
Mode as modas de hoje em dia
Mode os modos de falar
Mode os amuo dos besta
Mode os presepe de lá
Mode estrupiço dos tempos
Mode eunão me amedronhar
Mode os pi-bite das rua
Mode as mutreta que há
Mode as falta de um bom-dia
Um boa noite, um olá
Mode assalto, mode tiro
Mode as fumaça do ar
Mode eu não ter desgosto
Ou mesmo me ressentir
Não se anime mode eu ir
Que eu não deixo esse lugar.
DE POVO ADENTRO
Pra se fazer um partido
Mode empurrar no Brasil
Basta uns quatro filiado
Que coma feito esmeril
Disfarçado de gentil
Que seja bem traquejado
Ou mesmo mal-afamado
Mas com o seguinte perfil:
Que só pense em enricar
Mas enricar de verdade
Nem que seja cometendo
Umas três honestidade
Que negue toda verdade
Até com prova na mão
Com as feição mais ó meno
Que seja bom de aceno...
O resto é televisão.
É aí que o candidato
Sai muçum lubrificado
Entrando de povo adentro
Até o dia marcado
Quando os cabra abestaidado
Vai escolher na cabina
A marca da vaselina
Com que vai ser enrabado.
QUIRINO, Jessier. Bandeira nordestina. Acompanha esta edição, CD com Declamações do Autor. Recife: Bagaço, 2006. 136 p. ISBN 85-373-0086-1 Capa: Roberto Silva. Col. A.M.
Endereço de Matuto
Daqui até lá em casa? No Sítio Caga-Chapéu?
Dá um bocado de légua
Mas não é leguinha besta, nem légua de beiço não.
É légua macha, abafada
Dessas légua macriada, medida a rabo de cão.
Você saindo daqui, nem querendo você erra
No oitáo do cemitério pega a viela de terra
Desce em Toim Farinheiro
Passa a água brancacenta de Zefinha Lavadeira
Daí pra frente é estrada...
Depois da reta pegada
Avista o esbarro d'água do pai de Mane Maior
Avista o tamarineiro
Morado e sombreado de Seu Zé Vacinador
Quando chega nas quebrada do Raso do
Macaíba
Pega um mato embamburrado
Que o cabra morre e não chega
No Lajedo da Formiga.
Avistando um pé de pau com parecença de ipê
Aí o cumpade vê uma pista arreganhada
Prontinha se oferecendo pró cabra que aparecer,
Mas aí você não quera...
Diz: Essa não apriceio!!!
Pega a trilha carroçave
Com duas baixa dos lado e cabeleira no meio.
Bem dizer já tamo dentro da Avenida do Capim
Toca em riba da babugem coberta de pisadura
E tome rédea esticada do começo até o fim.
É estrada festejada por cerca de todo tipo:
É cerca de enchimento, de vara e de pau-a-pique
De lance, de avelós, de pedra, cama-no-chão
Trançada e pedra dobrada, aramada e travessão. |
E abre e fecha porteira
Porteira de pau-em-pé, de mourâo, de pau corrido
De colchete e zigue-zague
E o cabra ali no mondé!...
Se chegar numa porteira lambuzada de azul
Aí o cumpade errou...
Volte dez braça pra trás e quebre o braço direito
Onde começa Amargosa, as terra do meu avô.
Quando der numa caieira de pretura acarvonada
Pega a subida abusada do Serrote do Mói-Mói
É trecho pau-com-formiga
É ladeira enladeirada
Se o cabra sobe fumando
Cai cinza dentro do zói.
Bem dizer não chega em riba
Pega a gangorra descendo.
Da ribanceira pra baixo
É Sítio Caga-Chapéu
Avistando o mundaréu
Dali você tá me vendo.
Vê gado e capim-mimoso
Em estado de baixio
Em estado de balaio
Laranja, manga e limão
Pé de jaca jaquejando
E caju de vez em quando
Cajuindo pelo chão.
NÃo dá um pulo de grilo
Pra chegar no meu terreiro
É rudiar o açude
Que o cabôco morre em cima
O cabra logo se anima
Na sombra do juazeiro.
É uma casinha alpendrada
Com cinco bico de luz
O cachorro é Bero-Waite
Mas abana logo o rabo
Pra Nego-Véi e Cuscuz.
QUIRINO, Jessier. Paisagem de interior 2. Recife: Edições Bagaço, 2007. 24 p. ilus. capa dura. Inclui CD 14x14,5 cm. “ Jessier Quirino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
QUIRINO, Jessier. Berro Novo. Poesia dita, escrita e musicada... Ilustrações de Shiko. Recife: Edições Bagaço, 2009. 133 p. ilus. "Acompanha CD com declamações do autor". “ Jessier Quirino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
No interior, o carro de mudança demoveis é chamado de andorinha. Lá vai a andorinha! O poema Caminhão de Mudança é o retrato puro e versejado de uma mudança partindo de seu torrão.
CAMINHÃO DE MUDANÇA
Vai pela estrada um caminhão repleto de mudança
Levando a herança de herdeiros de poucos herdados:
Os engradados de uma cama finalmente em pé
Arca e Noé prisioneiros desse esfaqueado
Encaixotados os tecidos, mimos e quebráveis
E os incontáveis cacarecos soltos remexidos
Dois falecidos num retraio olham pra paisagem
Guardando imagens e lembranças dos seus tempos idos.
Um velho espelho já trincado mostra o azul do céu
E o mundaréu ensolarado se faz de carona
Uma meia-lona sobreposta com o melhor arrojo
Se faz de estojo pra relíquia da velha sanfona
Uma poltrona escancarada de pernas pra cima
Fazendo esgrima com cadeiras, bancas e tramelas
De sentinela dois pilões de bojo carcomido
E um retorcido pé de bucha de flor amarela.
Em dois colchões almofadados dorme a bicicleta
E duas setas de uma caixa mostram dois achados:
Um emoldurado de retraio com um Jesus sereno
E o último aceno de saudade de um cortinado.
Desbandeirado segue o carro rumo a seu destino
Um peregrino pitombado de grande esperança
Vai, na boleia, um passageiro carregando sonhos
Vai, na traseira, dez carradas de velhas lembranças.
Poema desenvolvido a partir duma visão poética repassada pelo cumpade David Sento-Se.
Página publicada em fevereiro de 2012; ampliada e republicada em novembro de 2013. Ampliada e republicada em fevereiro de 2015.
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