HEITOR ARAÚJO
(Caruarú, Pernambuco, 1948). É graduado em arquitetura e considera sua poesia uma continuação das conversas com os pais entre livros e quintais.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 28. Ano 15 / 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 246 p. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda.
No ser
Há um mar no ar que existe
Que não se vê
Mas persiste
Corrente entre dois mundos
Acasalando entre caminhos
Seminando o que vivendo
Esse mar que sim existe
É nele que somos, sendo
Aquele mar que cruzei
Cruzando-me em contramão
Passava-me dentro dele
E ele em meu próprio vão
Corpos íntimos que se passam
Ocupando o mesmo chão
Passando passam passados
Presentes em sucessão
Passos passados passando
Passados dizem que não
Há um mar em meu próprio sim
Há um sim que as águas são
Buraco no tempo
No gesto ocasional de abrir a janela
Súbito impacto radiante, de verde, azul e luz
Toma de assalto a mente, ocupando os seus canais
Tormenta e calma, equilibrados, o céu e a alma
A mente amena e plena aviva
O nanquim que tracejam urubus
No ar de percurso antigos, alares
Pacientes com o homem cá de baixo
Mirando o feitio que tem dado às coisas
Aos bichos vivos e mortos, aos rios, mares e hortos
Complacentes não se alarmam e pairam
No vastíssimo horizonte divisando
Indícios nítidos de finitos dias destes sete anos
Esta casa
Esta nau à beira de um rio
Encalhada à margem da terra
Sem esquadra, sem porto, sem rumo
Nenhum mar, nem timão nem vela
Resiste em girar com o mundo
Ilhada por suas ruelas
Este poço invertido e profundo
Este sonho sem botija em panela
Este rumo recuo do espelho
Esta busca ao contrário da era
Página publicada em setembro de 2018
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