GERALDO HOLANDA CAVALCANTI
O pernambucano Geraldo Holanda Cavalcanti é diplomata de carreira, tendo sido embaixador no México e junto à Unesco e à União Européia. Em mais de 50 anos dedicados à poesia, Geraldo publicou O mandiocal de verdes mãos, O elefante de Ludmila e Poesia reunida. Geraldo também fez a elogiadíssima tradução da obra de Eugenio Montale, pela qual recebeu o Prêmio Internacional Eugenio Montale, o mais importante da Itália, concedido pela primeira vez a um brasileiro. É também tradutor do poeta Álvaro Mutis.
Sobre a obra de Geraldo Cavalcanti: “A tal ponto seus poemas acompanham a coletânea de Mestre Rosa, que bem se pode defini-los como variações líricas em torno de temas narrativos. Contudo, não se suponha, nesse paralelismo, apenas a identidade, nem mesmo a analogia.” José Guilherme Merquior
Os poemas de Cavalcanti acompanham o lirismo da obra Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, extraindo da narrativa sua essência poética, seu linguajar poético peculiar.
De
G. H. CAVALCANTI
o mandiocal de verdes mãos
Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1964
(Col. Tempoesia, 2)
PRIMEIRA ESTÓRIA
Invenção do feliz
Assim ao mais
ao não sabido
sonho-viagem
descortínio
mundo virado
repentino
como um binóculo
invertido
Assim o abrir-se
gesto súbito
da dadivosa
mão do tio
brinquedo móvel
cheiro esquisito
tudo chegado
e prometido
A proclamação do peru
Belo escacheia
desdobra ríspido
estala a cauda
se entufa rijo
O espaço vibra
com seu bramido
rubro o grugrulho
e o limpo viço
Intervalo
Não mais pensar o belo apercebido
gastar fora de hora o quente visto
da memória de tantos atavios
Circunstristeza
de assim penar
por ave morta
é certo ser?
Muda-se a vista
da coisa vista
com assim sofrer?
a morte verde
da árvore sem rede
deve doer?
Vez em quando, a alegria
Mundo-que-mundo
mundo demais
a noite imensa
medo que cai
mundo-que-monte
monturo mais
zonza cabeça
montão demais
mata escondida
luz que se faz
estrela amiga
na mão se esvai
luzinha verde
vindo da mata
alta distante
o medo mata
SEXTA HISTÓRIA
SOU O CULPADO DO QUE NÃO SEI
Que devera rendê-lo, sei
na extremosa viagem dura
preconcebida para o seu
repassar de oitocentas luas
Partira pensando talvez
que o rio era morada para
um só destino e o seu acaba —
ria completo de uma só vez
Toda viagem é um só trecho
porém, e mui forte é o desejo
de acabá-la ainda que em diversa
pessoa e o filho é quem se espera
alcançará a margem última
onde se acaba o sonho tido
Por isso buscou-me sofrido
mas nem a palavra mais limpa
quis revelar o seu apelo
Que devera rendê-lo, sei
mais se meu mundo entendi
do seu fugi e com mais medo
NONA ESTÓRIA
Fatalidade
Por sem-dizer?
Não. Morreu
era o dia
era a vez
Coisa que faz
evitar
o que vem
o que vai
pois sendo a hora
a de achar
que correr
que esperar?
Fosse ficar
fenestrado
tanto faz
tanto fez
Por outra mão
ser colhido
se será
me serei
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ANTOLOGIA POÉTICA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Alberto da Costa e Silva. Antonio Carlos Secchin. Antonio Cícero. Carlos Nejar. Domício Proença Filho. Geraldo Carneiro. Geraldo Holanda Cavalcanti. Marco Lucchesi. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. 204 p. ISBN 978-65-87317-06-9
Ex. bibl. Antonio Miranda
Meu heroísmo é sobreviver
Nunca me confortaram
os sinais conformes
da inconformidade, outrora a barba
os longos cabelos, por certo os pelos
que denunciavam heroísmos calados
hoje os brincos, as tachas, as correntes
toda a ferragem agressiva
para exibir a tola exceção
Eu por mim sou um entre tantos
de paletó surrado
Indemarcável na multidão
Meu heroísmo é viver
Imune ao incenso da inveja
ao lado fugaz dos sucessos
às pérfidas regalias do poder
Meu heroísmo é sobreviver
Para findar
Que me resta dizer agora
que o desejo estrebucha
no corpo sem memória
que as palavras recolho
improferidas
para que o ouvido
não maculem
tornando um ridículo
o que quisera belo?
Não olho no espelho de minhas mãos
que ao afago já não servem
Perdi as rédeas do sonho
e a beleza ora vejo
pela vidraça baça
de meus olhos sem lampejo
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Página publicada em janeiro de 2009; Página ampliada e republicada em dezembro de 2020
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