GERALDINO BRASIL
( pseudônimo de GERALDO LOPES FERREIRA )
(1926-1996)
Geraldino Brasil é o pseudônimo literário do funcionário autárquico federal Geraldo Lopes Ferreira, escritor alagoano há muitos anos radicado na cidade do Recife. Bacharel em Direito, não exerce, contudo, a profissão. Desenvolve intensa atividade intelectual, publicando nos principais jornais de Pernambuco (Diário de
Pernambuco, Jomal do Commercio e Diário da Manhã). Tem os seguintes livros publicados: Alvorada, Presença da Ausência, Coração, Poemas Insólitos e Desesperados, Sonetos do Sol e outros poemas (Poemas de Ler sem Tempo e Conhecimento da Solidão) e Cidade do Não (Manual do Amanha). Mais conhecido na Colômbia, na Argentina e na Venezuela do que no Brasil, Geraldino Brasil viu publicado pela Editora Terceiro Mundo o seu livro Poemas, numa versão em castelhano do escritor e poeta colombiano Jaime Jaramillo Escobar. Alguns poemas de Geraldino Brasil foram musicados por Cláudio Aguiar (Primeira Canção do Homem Doido) e Capiba (Laura). No dizer de Alberto Cunha Melo, o segredo da força poética de Geraldino Brasil reside principalmente nisso: "pensando estar vendo o que todo mundo via, estava simplesmente realizando uma obra poética nova em sua individualidade, nova em sua clarividência, nova em
sua quase displicência formal, num tempo de jornalismos exacerbados".
Nota do editor: Sempre que vou à Colômbia, meus amigos poetas me perguntam pelo Geraldino Brasil. Não tinha notícia da existência do poeta. Em mais de uma visita, juravam tratar-se de um grande poeta. Busquei a obra dele nas livrarias de Bogotá, Medellín e Pereira, mas está esgotada. Levantou-se a hipótese de tratar-se de um pseudônimo do próprio Jaime Jaramillo Escobar. Agora descubro este poema do Geraldino no livro pernambucano. Dissolve-se o mistério, mas resta localizar e descobrir a obra dele, merecedora de tanta admiração nos países vizinhos.
Na Internet há um clamor pelo resgate da obra do poeta (em http://www.interpoetica.com/figura_da_vez4.htm ): Nasceu em Atalaia, estado de Alagoas em 1926 e morreu em Recife em 1996. Publicou os livros de poesia: Alvorada (Maceió 1947); Presença da Ausência (Recife 1951); Coração (Maceió 1956); Poemas Insólitos e Desesperados (Recife 1972); Cidade do Não (Recife 1979); Todos os Dias, Todas as Horas (Ed. Pirata, Recife 1985); Bem Súbito (Recife 1986); Lugar do Tempo e Pássaro de Vôo (Recife).
Autor de uma obra ímpar. Sensível e simples como o próprio poeta, farta de cotidianos, lirismos e da alma dos homens. Sua obra precisa ser urgentemente resgatada para que as novas gerações conheçam e se apropriem de sua ternura e beleza. (os editores)
Antonio Miranda
TEXTOS EN ESPAÑOL
PESSOAS E COISAS
Ha coisas tão desprezadas que lembram
pessoas em abandono.
Assim o tijolo que sobrou da construção,
o retrato além do número e que ficou
entre estranhos na gaveta
do fotógrafo, a palavra no dicionário, vizinha
da que saiu para o poema.
E mais a palavra sem acolhimento pelo próprio ouvido;
o poema no canto da mesa, excluído
do livro a publicar,
e o morto do outro enterro.
Mas há pessoas em tal abandono que lembram
coisas desprezadas, Senhor, que não ouso, expô-las
no poema, receoso de que, descobrindo-se ao sol,
duvidem da Tua Justiça e da Tua Misericórdia.
Extraído de POETAS DA RUA DO IMPERADOR. Recife: Pool, 1986. Coletânea em homenagem ao Dr. F. Pessoa de Queiroz e ao jornalista Esmaragdo Marroquim.
======================================
CLASSE MÉDIA
Um médico.
Ótimo na família
Um executivo.
Ótimo
Um engenheiro.
Um arquiteto.
Um magistrado.
Ótimo
Um poeta.
Melhor na família dos outros
in Bem Súbito
PROBLEMA NA FAMÍLIA
A família ia bem,
mas o filho mais novo.
A família ia bem,
quebra a casca do ovo.
A família ia bem,
vê a rua, olha o povo.
Um problema surgiu,
um poeta na família.
in Bem Súbito
De
Geraldino Brasil
ANTOLOGIA POÉTICA
Apresentação de Mário Hélio.
Recife: Bagaço, 2010.
166 p. ilus. col. ISBN 978-85-373-0719-9
Inclui CD e uma versão em Braille.
Foi uma alegria receber a edição com a obra de Geraldino Brasil, um poeta que é mais conhecido fora que dentro do Brasil e que merecia um resgate e o reconhecimento público de sua contribuição à nossa poesia. Edição bem cuidada, reunindo textos poéticos, testemunhos e fotos coloridas que permitem agora conhecer melhor este poeta ímpar. Falta resgatar a poesia dele traduzida ao espanhol.
LEMBRANÇA DE MINHA MÃE
Quando ela me mostrava as nuvens
que foi Deus quem fez,
se curvava para pousar
na minha cabeça ao sol
uma de suas mãos
que só depois iguais veria
na visão de Frá Angélico.
Minha mãe, de cabeça lá no alto,
que hoje está velhinha
e voltou ao seu tamanho de menina.
Recife, 1986 (in Bem Súbito)
O LOUCO
Inventou que era deus e fez das suas:
Óleos n´água pingou, criou aquarelas
Partiu uma maçã em duas luas
e cortou carambolas fez estrelas.
Quis ser o diabo e riu nos desatinos:
e riu caretas diante de dois cegos
Falou na história antiga a dois meninos
E da vida moderna a poetas gregos.
Chorou e o diabo o fez cortar cebolas
e lhe enxugou as lágrimas com lãs
de vidro e gritou puuum! com as suas artes.
Deus bondoso o acalmou com carambolas
que comeu e então fez duas manhãs
partindo uma laranja em duas partes.
Recife, 1990 (in O Fazedor de Manhãs)
MANHÃ SEM JOSÉ
Na oficina, nos atritos dos ferros,
ouvia-se que homens trabalhavam calados.
O mestre com as mãos falava ao aprendiz
e os demais de um lugar para o outro iam com pequenos
instrumentos que os arquejavam
qual se pesassem desânimos.
A maternidade cinza da mulher
que embrulhava em folhas de papel
coisas miúdas que ficaram.
O espanto do seu menino de olhos grandes e tristes
espiando a máquina.
A moça nua da parede de oficina
se oferecia a homens sem desejos na manhã
do companheiro morto.
Recife, 1978 (in Cidade do Não)
BRASIL, Geraldino. Sonetos do Sol e outros poemas. Recife: 1979. 64 p. 16x23 cm. Capa: Júlio Gonçalves. Col. A.M. (EA)
QUASE UM MODIGLIANI
Cabeça e pescoço
com um ovoide e um cilindro
simplesmente faço.
E para a boca sem sorriso basta leve
traço e à maneira de um anzol
o nariz comprido e fino
de quem não enche plenamente o peito
de ar de um claro sol
de parque para menino.
Depois recurvo
o cilindro e inclino
o ovóide e eis pensativo
e triste como um velho de olhar turvo
meu pálido menino de blusão
azul e ainda palpitante
coração, que é como
só imagino e crio
coração de menino.
Faltam os olhos e vejo
que se longo nariz e boca sem sorriso
não traçasse
nem cabeça sobre o longo
pescoço inclinasse,
fora preciso só o olhar
de menino sentado em pesada cadeira,
mãos se prendendo como siamesas,
espiando a manhã que passou
sem levar ao parque todos os meninos.
BRENNER, Beatriz, org. . Encontro entre poetas. As cartas de Geraldino Brasil e de Jaime Jaramillo Escobar. Recife, PE: Companhia Editora de PernambucoCepe Editora, 2016. 413 p. 16x22 cm ISBN 978-85-7858-435-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
DESCOBRI a obra poética de Geraldino Brasil em uma de minhas viagens a Medellin, na Colômbia. Não conhecia o autor e logo fiquei seu leitor e divulgador pela internet, exaltando sua expressão e difusão além de nossas fronteiras. Agora recebo o exemplar com a correspondência dele com um dos grandes poetas colombianos, também incluído em nosso Portal, onde incluímos traduções de poemas de Julio Jaramillo Escobar, por Geraldino Brasil: http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/colombia/jaime_jaramillo_escobar.html Aqui vai um pequeno adiantamento da obra. ANTONIO MIRANDA
"Tal intercámbio epistolar generó entrañable amistad, reflejada en este libro, en el que su hija Beatriz reúne uma muestra más amplia que la selección original em español." JAIME JARAMILLO ESCOBAR
MOMENTO COM MEU PAI
Um dia eu estava triste (e olhando o chão)
e ele pensou, erradamente, como quase sempre
se pensa de um monge, que eu dormia em paz.
Mas eu olhava o chão e vi seus pés.
E porque não me chamou, eu sabia
que seu olhar me envolvia com doçura.
Então ainda alguns segundos
simulei que dormia e fiz que despertava
e logo reconhecia seus sapatos
de onde ergui minha cabeça ao seu rosto
que esperava o meu olhar com um sorriso.
Recife, 1979– in Cidade do Não.
INSTANTE CON MI PADRE
Un día yo estaba triste (y mirando al suelo)
y él creyó erradamente, como casi siempre
se piensa de un niño, que dormia en paz.
Pero yo miraba al suelo y vi acercarse sus pies.
Y porque no me llamó, yo sabía
que él estaba mirándome
y que su mirada me envolvia dulcemente.
Entonces todavia por algunos segundos simule dormir,
e hice como que despertaba y reconocía sus sapatos,
y cuando levante la cabeza él esperaba
mi mirada com una sonrisa.
Bogotá, in Geraldino Brasil, Poemas – Versión de Jaime
Jaramillo Escobar, Ediciones Tercer Mundo, 1982.
6 6 6
Os homens dos direitos humanos
mandaram fabricar
a bomba da morte
SEM DOR.
Ah bondade que não merecestes,
homens, mulheres, velhos e crianças
de Hiroshima e Nagasaki,
vietnamitas da napalm,
a morte sem dor
da bomba LIMPA,
da bomba BESTA.
BUENAS MANERAS
Los defensores de los derechos humanos
Ordenaron fabricar
la bomba que mata
SIN DOLOR.
Cortesía que no merecisteis,
hombres, mujeres, ancianos y niños
de Hiroshima e Nagasaki,
vietnamitas ardientes en Napalm:
la muerte sin dolor,
esa gentil concesión
de la bomba LIMPIA,
la bomba bien educada.
Bogotá, in Geraldino Brasil, Poemas – Versión de Jaime
Jaramillo Escobar, Ediciones Tercer Mundo, 1982.
POR NINGUÉM
A mulher do homem que o carro matou:
— se pensou, seu último pensamento foi meu.
A mulher do homem que morreu no hospital:
— Enfermeira, o último nome foi o meu?
A mulher do homem que ama outra mulher:
— ele não poderá ser totalmente dela, como foi totalmente meu.
Mas a mulher do homem que carro não matou,
a mulher do homem que não morreu no hospital,
a mulher do homem que não ama outra mulher,
a mulher que o homem deixou por ninguém,
que consolo há, que consolo tem
a mulher que o homem deixou por ninguém?
Recife, 1979– in Cidade do Não.
MEDITACIÓN
La mujer del hombre muerto por un coche:
— Si tuvo tempo de pensar, su último pensamento fue para mí
La mujer del hombre que murió en el hospital:
— Enfermera, ¿su última invocación no fue acaso mi nombre?
La mujer del hombre que amaba otra mujer:
— Nunca podrá ser completamente suyo, como fue
completamente mío.
La mujer del hombre que no ha muerto atropellado por un carro,
la mujer del hombre que no expirado en el hospital,
la mujer hombre que ama a otra mujer,
la mujer del hombre que siempre le esfiel,
¿qué Consuelo tiene?
Bogotá, in Geraldino Brasil, Poemas – Versión de Jaime
Jaramillo Escobar, Ediciones Tercer Mundo, 1982.
MORTE NO HOSPITAL
Quando cheguei no hospital,
não apenas Tu sabias,
sabiam todos, ele mesmo
que era a sua vez.
Não queriam que a casa se marcasse da lembrança
do momento (lindo) em que vens buscar os teus.
E ele pediu apenas para morrer
no seu quarto de onde ouvia,
na árvore que plantou, o pássaro que traz
no canto a tua manhã.
===================================================
TEXTOS EN ESPAÑOL
BRASIL, Geraldino. Poemas útiles. Traducción de Jaime Jaramillo Escobar. Medellín, Colombia: Editorial Universidad de Antioquia, 1999. 137 p. (Colección de Poesía) 11x19,5 cm. ISBN 958-655-381-7 Col. A.M. (EA)
“Geraldino Brasil, tan poco conocido en nuestro país, y tan leído por los países latino-americanos”. JAIME JARAMILLO ESCOBAR
Semejanza
Un buey tiraba de una carreta.
Andaba como si tuviera guijarros entre los cascos.
Maldecía el yugo, el lastre, el carretero.
Al hombre que lo azotaba con la pértiga en la
herida abierta del lomo
le dije: -«Parece que él está enfermo, amigo».
«Enfermo no; —me contestó—
es que está nuevo en el servicio. Ya se acostumbrará».
Estaba nuevo en el servicio.
No había todavía echado callo bajo el yugo.
-«Ya se acostumbrará».
Precepto
No haga usted el bien por temor al castigo.
No haga el bien como último recurso para salvar su alma.
No practique el bien calculando la recompensa.
La caridad no duda,
no desconfía,
no contabiliza
ni espera.
Haga usted el bien naturalmente,
como si Dios no existiese,
como si Él no esperara eso de usted.
Como los ateos, como los ateos.
Petardo
Hay cosas tan despreciadas que recuerdan
personas en abandono.
Así el ladrillo que sobró de la construcción, el
retrato olvidado en la gaveta del
fotógrafo, la palabra en el diccionario,
vecina
de la que salió para el poema,
Así también la carta que no encuentra
respuesta,
el poema que se excluye del libro,
el muerto de otro entierro.
Mas hay también personas cuyo abandono
excede la cosa más despreciada, ¡oh Señor!
Su miseria es tanta que no me atrevo a
exponerla temeroso de que,
revelándola al sol, se dude
de Tu justicia y de Tu misericórdia.
Amantes
Mucho tardaba cada encuentro. Bajo el
árbol, junto al muro, permanecían sin tocarse.
No hablaban nunca de su amor, sino del alza
de los precios,
los hijos en el colegio, el cuidado de la salud,
el desconcierto de los domingos.
Se separaban molestos y pensativos.
Y sin embargo vivían del aliciente de
aquellos precarios encuentros,
entre el recuerdo del último y la expectativa
del próximo.
Ilusionismo
En mi poema no estará
la belleza de las nubes,
que sirven de nido a los ángeles
y no sustentaron al hombre
que cayó del avión.
Ni soy el mago que hace
al descuido un palomo completo
y lo ofrece a los aplausos
de los distraídos.
Clase media
Un médico.
Maravilloso en la familia.
Un ejecutivo.
Excelente.
Un ingeniero.
Un arquitecto.
Un abogado.
Magnifico.
Un poeta.
Mejor en otra familia.
Página publicada em outubro de 2009. ampliada e republicada em julho de 2010, atualizada e ampliada em maio 2012.
|