OLIVEIRA E SILVA
FRANCISCO DE OLIVEIRA E SILVA, pernambucano, nasceu no Recife, aos 3 de novembro de 1897.
Filho de Francisco Antônio de Oliveira e Silva e de d. Carolina Breves de Oliveira e Silva, descendendo, assim, pelo lado materno, dos "Breves" do Estado do Rio de Janeiro, ramo de origem açoriana, que tem raiz na França. Os estudos primários e secundários, fê-los no Ginásio Aires Gama e Instituto Pernambucano, respectivamente, no Recife.
Durante a vida acadêmica, na Faculdade de Direito do seu Estado, teve ocasião de saudar, em 1918, em sessão solene naquela Faculdade, o escritor Coelho Neto, tendo sido, ainda, orador do corpo discente, na homenagem prestada, naquele mesmo ano, ao Chanceler uruguaio Baltasar Brum. Presidente do Centro Acadêmico. Magistrado no Distrito Federal, é autor de obras de ficção, como de trabalhos jurídico-filosóficos. Poeta, teatrólogo, "conteur", ensaísta, crítico, professor, jornalista. Pertence a inúmeras instituições lítero-culturais.
Bibliografia: — "Cardos", 1913; "Emoção", 1916; "Horizonte", 1922; "O Poema da Humildade", 1924; "O Vôo Interrompido", 1930; "Gôta D'Água", 1932; "A Máquina da Felicidade" (contos), 1935; "Meditações", 1942; "Sagitário", 1943; "Um Homem se Con¬fessa" (em pensamento e sentimento), Rio, 1950; "Uma Estrêla no Amanhecer", 1951; "Coletânea de Poetas Pernambucanos", 1951; "Orquídea" e "A Verdade Fantástica" (ro¬mances); e "Serenidade e Abismo" (poemas), Rio, 1956. Teatro: "Um Homem Diferente"; "As Razões do Divórcio" e "Marília de Dirceu", peças, em três atos cada uma. Vasta, a sua bibliografia jurídica.
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
PEQUENA ORAÇÃO À PÁTRIA
Nós não te amamos - por seres bela,
Rica de solo, rútila de entranhas,
Nem por te repartires, generosa,
Nem pela tua ousada e altiva juventude,
E nem pelo amanhã de luz maravilhosa.
Fôsses humílima, singela,
Pobre de florestas, ouros e montanhas,
Enferma, vacilante, rude,
Serias para nós o que as mães devem ser.
Com o teu-Pátria morena-confundimos
O amor às noivas, na adolescência,
E os filhos, após.
Se dás, louvamos-te a benevolência,
Se recusas, do mesmo modo te sorrimos.
E, apontando-te os cimos,
De um sôpro novo freme a nossa voz.
À tua imagem, os dons supremos
Do sangue, pensamento e fé mais pura.
Tímidos no fervor, te cobriremos
Dos beijos todos da melhor ternura.
Não tremeremos ou hesitaremos,
Nem nos refolhos,
Mesmo que o pranto de amargura
Do desespêro queime os nossos olhos!
A vida serve só para a alegria,
Flama e desinterêsse do teu culto.
O que pouco te oferta, ou te anuncia,
Medrosamente, longe do teu dia,
Não abençoa, canta ou ama, no tumulto,
Emudeceu na abominável covardia!
Se te ferirem, de surpresa,
Dar-te-emos carne do nosso braço,
O sangue quente das veias rôtas,
Para que a chaga cicatrize, com presteza,
Tudo no mais devoto frenesi.
Se tiveres sede, beberás as gotas
Do nosso manancial, por mais escasso.
E, na hora da agonia ou do cansaço,
Velaremos por ti!
Morreremos por ti!
("O Vôo Interrompido")
AS AMAZONAS VÃO RESSURGIR
No horizonte infinito, ergue o seu facho
A aurora. Estremeceu a selva num estrépito.
Palhetadas de luz, as águas, mais velozes,
Saltam, estrondam, ou sussurram vozes,
Sob as cúpulas verdes da floresta.
Que milagre há de vir?
A terra virgem se saneia, se povoa.
Nunca mais o deserto ensolarado;
A mataria bruta, onde coleia e silva
A serpente, e do bugre a flecha vibra;
Nem o pântano escuro que dá febre;
Nem mais o seringal tentador que escraviza;
Nem a cheia que mata a pequena lavoura
E arruina o rancho sobre estacas levantado,
A miséria o caboclo a reduzir!
As Amazonas vão ressurgir!
Ninguém as deterá em sua marcha
Esplêndida. Ninguém lhes bridará os ímpetos
Dos cavalos fogosos, e impacientes.
Nem as desarmarão, com o suborno ou a ameaça,
Astúcias, na tocaia, impenitentes,
Que elas fremem das forças do porvir!
Se lhes vísseis a chama que fulgura
Nas pupilas, o rosto iluminado,
O braço rijo, pronto para a luta !
Dizei-me se haverá conjuras que lhes possam
Travar a arremetida redentora,
A maravilha do gesto ousado
A certeza no prosseguir!
Negai — ó bôcas, cheias de veneno,
Dos derrotistas, dos indiferentes,
O dia que vem perto e raiará, sereno!
Não importa!
Que valerão palavras frívolas,
Destinadas à morte, antes de, em vossos dentes,
Sinuosas, escorrer, sem rumo abrir?
As Amazonas vão ressurgir!
Sim! É impossível que ninguém escute
O tropel das mulheres altaneiras,
Belas como a verdade, a esperança, a energia,
Que sabem combater com alegria!
Impossível que muitos olhos não vislumbrem,
A hora em que vai nascer uma alvorada eterna,
Seu braço soberbo com a lança a luzir!
As Amazonas vão ressurgir!
("Sagitário")
CANTADOR DO SERTÃO
Uma cruz, no caminho, é a tua cova,
Violeiro repentista do sertão.
Tua saudade musicou a trova,
Deu-lhe o gemido humano da paixão.
Musa que, ao luar, se alinda e se renova,
De queixumes que nunca morrerão,
Foi a mulher quem fêz, na dura prova,
Lágrimas e suspiros teu violão.
Vidente, revelaste-nos o fundo
De uma raça de heroísmo e de canção,
Generoso, bravio, vagabundo.
Só uma cruz, que raros olharão,
Guarda um tesouro oculto para o mundo:
Teu selvagem e humilde coração.
("O Poema da Humildade")
P E R N A M B U C O
No mapa do Brasil, no alto, em pleno Nordeste,
Há uma faixa que se prolonga até o Atlântico,
Onde pelejam pela liberdade,
Em quatrocentos anos combativos,
Os homens mais intrépidos e altivos
De nossa raça!
Ó claros, verdes canaviais ondeantes,
Velhos engenhos, casas grandes repousantes,
Em cujas salas longas se conspira
Contra os flamengos louros e arrogantes!
- Arraial Bom Jesus, reduto de coragem,
Onde crianças comem raízes,
E, heróicas, bebem as próprias lágrimas,
Para enganar a sede, as mulheres indômitas,
E onde os homens, com mal fechadas cicatrizes,
Respirando, sofrendo, amando a Pátria,
Mordem as mãos, de raiva contra a fome!
- Ó Guararapes, monte das Tabocas,
Batalhas em que cem dos nossos vencem mil!
Escuto, aos sinos, o vibrante brado
Que, do sangue pernambucano derramado,
Já nasceu a unidade do Brasil!
Século dezenove em que se multiplicam
As forças, para o anseio formidando
De República e heróis se santificam,
Enquanto o sonho vai, luminoso, marchando...
Possam fugir, sob o capim, dissimulados,
Pelas barcaças libertadoras!
No mapa do Brasil, no alto, pousa a saudade :
— Ó coqueiral de Olinda a repetir, ao vento,
As trovas de Adelmar Tavares! ó crepúsculos
De papoulas em despetalamento!
Chafarizes! Ó graça airosa dos outeiros!
Ó Igreja do Carmo em ruínas! Jangadeiros
Caminhando, no mar, com uma serenidade
De Cristo sobre as ondas!
Sinto alguém a ferida machucando.
E te distingo como minha filha
Que, sem te conhecer, te avista em sonhos,
— Ó Pernambuco! — e todo o casario,
Torres, pontes e céu de azul profundo
Erguem-se para mim, acenando, acenando,
Para ficar — última imagem — nos meus olhos,
Da beleza do mundo!
("Sagitário")
SERTÃO
A esta hora, quando, no firmamento,
Acendeu a lanterna a primeira estrelinha,
Não penso nos crepúsculos radiosos
Das cidades grandes, de jardins suntuosos,
Atrás de arranha-céus, ou nas baías,
Porém no anoitecer na zona pobre
Do sertão do Nordeste, onde, ainda, presente,
Invisível, um fogaréu devasta e cobre
A terra sem água, cheia de fendas, ferida de sol.
O bananal que não se mexe. Longe, o aboio
Melancólico. Lenta, fatigada,
Num turbilhão de poeira asfixiante, a boiada...
Uma cigarra ainda é luz na tarde imóvel.
Espia um lagarto da triste ruína do banguê.
A última onda de poeira apagou-se na estrada...
O caboclo regressa ao rancho de sapé.
Uma lua, vermelha, enorme, estranha,
Aumenta o assombramento da montanha.
Camisa rota, suor porejando na face,
Não maldiz o caboclo aqueles que o esqueceram
Nas cidades grandes, de jardins suntuosos.
Amanhã, partirá, sem saber com que rumo,
Que lhe secou a última gota da cacimba...
A desgraça, que importa? É caminhar, sofrer.
Mas, o violão consola, e os dedos maltratados
Ferem-lhe as cordas gemedoras. Olhando a lua,
Improvisa versos, canta a tristeza que o trespassa
Em trovas de gênio, os mais belos soluços da raça,
Que nenhum poeta doutor saberia escrever...
("Sagitário")
Ó R I O S Ã O F R A N C I S C O
A manhã escarlate de janeiro
Decora o céu. Garças rosadas
Voejam, de tanto sol alucinadas.
Ó São Francisco! único rio brasileiro,
Que fizeste o Brasil um só, bem brasileiro,
Marchas, entre montanhas, prisioneiro,
Levando, com as areias movediças,
O húmus da terra, de que te enfeitiças,
Estrugindo, reboando, espadanando,
De Paulo Afonso no despenhadeiro!
Gravas, estampas, na mobilidade,
Frondes viçosas de juazeiros e presenças
De vilarejos de expressão singela:
Igrejas coloniais que se debruçam,
Para se ver melhor; casas de pau a pique;
Choupanas onde cegos cantam trovas;
Pescadores, atentos, solitários,
Olhando a lentidão dos teus barcos à vela.
Ó cantadores, ó barranqueiros —
Que envelheceis, sem o saber, amando
A água imensa e rolante, que fecunda,
Reflete cinco Estados brasileiros,
Vossas mãos calejaram, vossa face
Abriu em rugas, tendes, nas pupilas
Fatigadas, às vezes, o vazio,
Mas, possuís emoção e voz profunda,
Para, ao crepúsculo, ou no silêncio
Noturno, a alma confiar ao grande rio.
Ó São Francisco — tens no bôjo,
No coração, Brasil apenas, a ternura,
A magia, o calor de nossa terra,
A pulsação de sua vida obscura,
A exuberância de um laboratório,
De que se saciará, com certeza, o futuro.
As crianças, alegres e morenas,
Que, às tuas margens, brincam, um dia,
Contarão teu mistério, tuas lendas,
Toda a tua recôndita poesia,
Nas sanfonas e nas violas,
À luz das mesmas estrelas.
Elas que te amam e veneram,
Como se fosses, porventura,
Um velho avô que sabe perdoar e sabe sorrir...
— Rio da Pátria — deves sonhar, dentro da noite,
Quando só se adivinha teu marulho.
Deves sonhar, dentro da noite,
A nossa hora, de dor e esperança tecida,
Em todo o espírito, latente.
Hora de redenção, beleza e voo,
Que há de ressoar e ser ouvida,
Como o teu reboo,
Infinitamente,
Infinitamente!
("Sagitário")
NEGRINHO DO PASTOREIO
Na grande cova de formigas,
Onde teu corpo moribundo abandonaram,
Estás de pé, agora, que as formigas,
Sem querer,
Até piedosas escutaram,
A pancada mansa, mansa,
O teu coração criança
Que se dispôs a adormecer...
Tens doçura nas lágrimas, no sangue,
Pelo mel que lhes deixou,
Certa vez, a Senhora peregrina
Que, ao te ver ferido, exangue,
O busto inclina,
E, na pancada muito mansa
Do coração descansa-não-descansa,
A mão suavíssima pousou.
Na noite cortante, cresces,
Cresces, quase resplandeces
— ó Negrinho —!
Que de o gado
Tresmalhado
Do teu patrão?
— Espantou-o, decerto, algum malvado.
Já corri todo o caminho,
Mas em vão!
Fôste no baio de campo em campo,
Rompendo a treva sem pirilampo
Trémulo de medo, como a ouvir o estalo
Do relho que te joga abaixo do cavalo,
Para a prisão do tronco. Embora!
Se rolares num barranco
Terás, sem demora,
O socorro da Senhora
Tôda vestida de azul e branco.
Uma vela acendes. E, pela estrada
Os pingos formam luzinhas
Que abrem, no céu, encantada
Profusão
De estrelas quase vizinhas
De tua mão.
— Negrinho do Pastoreio —
A tua marcha, que bela!
Navalha o vento, assobiando,
E não se apaga, prodigiosa, a vela
Sem um bruxuleio !
Vales, florestas, colinas,
Estão radiando, formigando
De lanternas pequeninas.
Já não te podem a voz rouca
Abafar, com a destreza do chicote,
A que sangrava tua bôca.
Diante da sede que te queima, a oferta
Enganadora não farão do pote
D'água. Nem, por escárnio divertido,
A de uma broa, à súplica, ao gemido
De tua fome exasperada, alerta!
...E o pastoreio amas ainda!
Quem qualquer coisa perdeu,
Basta levar uma vela,
Pensando em tua dor, Aquela
Que tenha bondade linda
Como o sorriso e o regaço
Para encontrar, sem cansaço,
O que é seu.
("O Voo Interrompido")
OURO BRASILEIRO
ó meu País! — os olhos estão cheios
Do teu sol, do teu azul!
Sei que tens ouro para enriquecer o mundo!
As cachoeiras de Paulo Afonso e Sete Quedas
Que podem alumiar, na selva e na cidade,
Cadernos de milhões de estudantes pequenos,
Jovens e velhos rostos morenos,
Em toda a América do Sul!
Ó meu País! — vi, nas montanhas, Os pinheiros solitários,
À hora em que é uma jazida escancarada,
De ouro, o horizonte no crepúsculo!
Os pinheiros à espera que a luz adormeça,
Para, na sua verticalidade,
Dizer tôda a harmonia interior às estrelas!
E a mata chiante de cochichos e sussurros,
O exaustivo esplendor dos seringais;
Algodoeiros de flores amarelas
Que, amanhã, irão aquecer leitos humildes;
A verde ondulação dos canaviais;
A manhã colorindo grandes árvores,
Tão esbeltas, de verdes tão intensos,
Que parecem milhares de bandeiras
Do Brasil palpitando em mastros colossais!
Não me envaidece — ó meu País — tua riqueza,
Do pampa frio ao norte abrasador.
Outras pátrias também hão de dar a surprêsa
De galas e de brilhos, com certeza,
A visão do contemplador.
O que mais me enternece, mais orgulha,
Não é o ouro do teu subsolo, faiscante
Nos rios fabulosos do sertão.
Mas o que representa o patrimônio
Melhor da raça, nunca superado:
Ouro que não se extingue, bem guardado,
Sob a camisa pobre, de riscado,
Do lavrador obscuro, do moleiro,
Que te recebem no seu lar — ó forasteiro! —
Sem inquirir aonde teus passos vão.
Ouro tipicamente brasileiro,
Que não se esgota em nosso coração...
("Sagitário")
Página publicada em dezembro de 2019
|