FERNANDO MONTEIRO
É bacharel em Ciências Sociais e estudou Cinematografia em Roma (Itália). Estreou como poeta com o poema longo Memória do Mar Sublevado (Editora Universitária), em 1973. No ano seguinte, a mesma editora lançou a sua peça teatral em dois atos O Rei Póstumo, distinguida com o Prêmio Othon Bezerra de Melo, da Academia Pernambucana de Letras, em 1975.
Seu livro de poemas Ecométrica conquistou o prêmio nacional da UBE/Rio, em 1984, e foi elogiado por Camilo José Cela (Prêmio Nobel 1989), em artigo crítico publicado na Espanha, e republicado no jornal "Diário de Pernambuco".
Em 1984 publica Hiléiade (poesia) pela Editorial dos Reis (Portugal) e A Interrogação dos Dias (poesia) pela Edições ENCONTRO, Gabinete Português de Leitura.
Após incursionar pelo cinema, como autor de documentários e filmes culturais de curta-metragem (alguns indicados, oficialmente, para representar o Brasil em festivais internacionais de filmes curtos no México, na Alemanha e na Polônia), Fernando Monteiro publicou dois romances premiados no Brasil e em Portugal: Aspades, Ets, Etc e A Cabeça no Fundo do Entulho (Prêmio BRAVO de Literatura 1999).
Em 2009, publica em livro o poema longo Vi uma foto de Anna Akhmátova pela Fundação de Cultura Cidade do Recife. Em 2012 publicou com tiragem limitada/numerada o livro de poemas Mattinata (co-edição Edições Nephelibata, de Santa Catarina, e Sol Negro Editora, do Rio Grande do Norte). Em maio de 2013, foi anunciado vencedor do primeiro Prêmio Pernambuco de Literatura, na Categoria Romance, com O Livro de Corintha.
Fernando Monteiro também exerce a crítica de arte: é autor do livro Brennand (premiado pela Funarte, em 1987), foi apresentador de exposições internacionais em Berlim e no Porto, atuou como jurado de salões de arte e desempenhou atividades de curador (galerias Espaço Vivo e Estúdio A), na década de 1990. (Fonte: wikipedia)
MONTEIRO, Fernando. Vi uma foto de Anna Akhmátova. Recife: Fundação Cultural da Cidade de Recife, 2009. 85 p. 13,5x21 cm. “Orelha” do livro por Francisco Brennand. ISBN 978-85-7044-192-8 “ Fernando Monteiro “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Vi essa foto da russa séria
olhando debaixo da franja
diretamente para a lente da câmara
como se olhasse para o futuro
abandonado pelo deus primevo.
Eu não estava só na livraria empoeirada
de obras raras e populares,
efêmeras e "Caras" que não param
no cesto de publicações que vieram para ficar
e criar o gosto pelo qual vamos pautando a cultura
que, sim, se discute, se renega, se rejeita
e se repele enquanto se repete.
Ninguém vai ler os Cantos de Pound
se o personagem central da novela das sete
não estiver lendo o ancião desmanzelado
numa gôndola da Veneza cenográfica
do Jardim platinado em que marcamos encontro
às seis, às sete, às oito, às nove,
embora eu tenha pontualmente
me atrasado num sebo, há meio século,
há século e meio, há dois séculos e
seis milénios entre filas nos pátios
de condenados ao trabalho nas minas
escuras de sal ou em pedreiras de granito
duro como as sentenças pronunciadas
contra poetas, estudantes e editores
de obras contrarrevolucionárias.
Eu falava da compra de um livro usado
na tarde de 3 de setembro de 2001,
já doente e descrente
—porque de fato comprei as tais
Pérolas da Poesia Russa
escondidas como se estivessem
no fundo das páginas manuseadas
por pessoas que já não podiam dizer,
quem sabe, se o livro valia o dinheiro
pouco pedido por ele
ou se a tradução era boa
e significativa a pesca de poemas
dos poetas do volume editado
em Portugal [Praça de G. Gomes
Fernandes, 38-2.° - Apartado 466, Porto].
Não pude seguir sem comprá-lo,
sem mergulho no mar do coral
de dentro, onde vi o cliché da foto
da poeta de olhos transparentes.
Queria ler os desconhecidos da minha ignorância
— Lomonosov, Derjavin, Tiutchev, Jukovski, Tzvetaeva,
Tikhonov, Okudjava, Aigui, Tzvetkov, Irtenyev etc.
Não sabendo a língua russa,
eu não poderia esperar para ler no original
os poetas das asperezas de astracã encharcado,
do veludo da memória da carne do idioma
de Pushkin, Lermontov, lessénin, Khlébnikov,
Mandelstam, Maiakóvski e Boris
Pasternak, o nome da glória do prêmio
que Moscou teria destinado a algum
membro destacado da Sociedade
dos Escritores de Cabeça Submissa.
Entre os nomes do opróbrio, ninguém esqueça
o da amante, musa e agente literária de Boris,
que nela se inspirou para criar a enfermeira Lara:
sua verdadeira identidade era Olga Ivinskaya,
prisioneira 719536123 do gulag de onde enviou
carta para Nikita Khruschev, a clamar por liberdade
e lembrando como havia colaborado com o governo
para calar o autor de Dr. Jivago.
MONTEIRO, Fernando. Memória do mar sublevado. Recife, PE: Universidade Federal de Pernambuco, Editora Universitária, 1973. 48 p. 15x23 cm. Separata da revista Estudos Universitários Vol. 13 n. 1. “ Fernando Monteiro “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
A PORTA (ENTREABERTA)
Quando o sinal obscuro
separa um da multidão
e das quatro paredes
onde dormiria a alma incolor,
ele adquire sua nitidez e sua névoa
aos olhos dos outros:
— tanto que lá está,
entreaberta,
a porta do quarto
e a indeterminação de fascínio temeroso
não deixa prosseguir
o tímido amigo
admitido ao seu silêncio uma vez
(amargurando o incómodo calor
no peito,
que ficou também parado
a meio caminho da raiva
e da devoção)
Não entra, ele;
permanece fora,
alongando a pergunta
a qualquer um mais perto,
se devem entrar ou não,
enquanto procura que lhe baste
a visão do pulso descansado
e uma secção do dorso
(que passa pela feminilidade,
mas se afirma másculo
à mirada atenta
— percurso inquietante e indispensável
de sua graça)
onde pousa,
afinado
(antes da mão juvenil,
vincada precocemente
como por pensamentos
que também se espraiassem por ela)
marcado
por leve claridade da pele
onde não está a correia do relógio,
descuido ou descanso
como um selo
de sua estranha disposição de humildade,
suportação do mundo
e paciência
para com os homens opacos,
que são massa insuportável
ao gume de seu sonho
afiado nos olhos
("muito azuis", foi a cor
confundida com isso)
...........................................
O instante permitido à indecisão
e articulação da pergunta
se esgotaria,
não entrando ninguém,
como estava tácito.
E ele continuou separado,
entre as quatro paredes
que não o continham.
PÁGINA ABERTA – REVISTA DE LITERATURA, ARTES E CIÊNCIAS. 22/2012 Diretor: Arnaldo Paiva - Maceió, Alagoas: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2012. 62 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Navios do ocaso
Ela, que ainda se curva
Com a toalha na mão,
Não percebe quanta beleza espalha
Qual pó de eternidade úmida
De fontes ocultas no bosque
Numa tarde
De bando das náiades.
Aonde estão elas?
Viraram mármore esculpido,
pedra, matéria morta
de um pé empoeirado
enquanto findava o entardecer
sobre um mar de esmeralda.
E quem estava lá, para ver!
Ele, que se ocultava
como um ladrão do belo
e do divina na carne,
um impertinente contemplando
o reflexo de Diana, a Caçadora,
na intimidade interdita
e na condenação à morte
tão só por vê-la, distraída
a enxugar a planta do pé
delicadamente lavado,
sob a luz grega extinguindo-se no limbo
sem volta, sem Dianas
e mais nenhuma das divindades
partidas com os navios do ocaso.
*
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Página publicada em outubro de 2021
Página publicada em outubro de 2014 |