POESIA PERNAMBUCANA
Coordenação de Lourdes Sarmento
EVERALDO MOREIRA VÉRAS
É poeta e ficcionista, além de engenheiro. Nasceu em Parnaíba (Piauí), mas reside no Recife há muitos anos. Membro de várias academias, entre elas a de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro e a Academia de Artes e Letras de Pernambuco. Autor de quase 40 livros (até 2007), além de participar de muitas antologias.
Escolhemos alguns trechos de sua obra – em verdade, um texto poético de um só fôlego!!, um salmo às avessas — que mereceu uma Menção Honrosa no Prêmio Casa de las Américas 90 – Poesia, de La Habana, Cuba, de 1998.
VERAS, Everaldo Moreira. Fissuras. Recife, PE: Companhia Editora de Pernambuco, 1978. 156 p. 14x21 cm. “ Everaldo Moreira Veras “ Ex. bibl. Antonio Miranda
VELHOS AMIGOS
Tem explicação: não é apenas a alegria
que veio correndo me abraçar.
Não é, não!
Sim,
porque ouço vozes chamando,
lá no fundo do quintal:
ei, venha brincar comigo!
Também chega, de mansinho,
o chiado da torneira,
molhando a grama do jardim, num chorar magoado.
Alguém acorda o vento do sul,
trazendo folhas amarelas e pedaços de amor
(uns verdes, outros azuis).
Não sei...
acho que ainda resta qualquer coisa
do dia,
do céu de ontem — apenas qualquer coisa!
Pois
a diferença continua,
que hoje tem luz demais!
Vivendo.
Queimando.
Mas não importa, não.
Este sol assim, brigão, arrogante, falante
...é muito meu amigo.
INDISCIPLINA
Em cima da mesa,
imponentemente só,
o vaso de flores.
Murchas, não-pólen.
Pertinho, os estatutos: folhas brancas
rabiscadas, que disciplinam p roteiro do dia.
Há crime e perdão.
Se chora, o homem vê a crua mágoa.
Se fala, ouve a triste vingança.
Nisso corre até o papel
— trémula está a letra —
e
escreve (pergunta)
a antiga agonia:
a quem obedecer?
A quem?
VERAS, Everaldo Moreira. A Insônia do mar. Recife, PE: Edições Sarev, 2000. 108 p. 14x21 cm. “Prêmio Casa de las Américas 98 – Poesia, Havana, Cuba, Menção Honrosa” “ Everaldo Moreira Veras “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Já estou completo:
dores,
amores,
temores.
Não me acrescente:
no túnel não sobra
lugar para nada.
O vão se abriu e a chaga fechou
(por favor, não mexa aí).
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Entregue tudo aos outros
(eles não sabem quem são)
e dependem
e sofrem
e não sentem que sofrem.
Entre todos divida o meu:
em cada prato mais pão,
em cada copo mais vinho.
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Reproduza amanhã
a ceia que vi ao meu redor, hoje.
Transforme o instante
em longa vida,
garantindo luz
e eternizando gestos.
Quero o riso, a alegria e a festa.
Também a mesa farta e grávida.
Faça-se daquele jeito e mais.
Repita-se a noite e sempre.
Cante-se o hino e a prece.
Mas,
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Nesse tempo,
eu mesmo não mereço:
porque o mínimo (embora pouco)
seria injusto.
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
* * *
Amanhã, certamente morrerei.
Porque logo cedo, hoje, o sol brilhava
e o vento chorava.
Então, refiz o corpo
(a minha carcaça),
muitos parafusos
foram fixos e ajustados.
(Os outros continuam frouxos,
Impossível o reaperto)
Saí por aí
cumprimentando as pessoas,
elas em busca do amor e do encontro.
Eu, não.
Me dominava a certeza
de que eu seguia
a direção especial nortedeusmente
indicada pela luz e
pelo relógio da catedral.
As folhas me contaram estórias
acontecidas ontem de madrugada.
Ignorei-as,
afinal não me interessava
o ruído da máquina esquisita
que não me deixou meditar.
Vi
a paz falsa e retilínea
me abraçando.
Por isso: prepare-se o mundo,
todo cuidado é pouco,
pois estou disposto a tudo.
Afinal de contas, estou bêbedo e
hoje, segundo dizem, é feriado nacional.
* * *
Vou fabricar com as mãos
os poemas.
Escolherei as mais duras palavras,
somente aquelas
que possam destruir
a impassível estátua de pedra
A canção perfeita nascerá,
porque há desordem
ao redor dos homens, nas ruas.
Rasgarei papel e
prepararei tintas
para jogar
contra os olhos dos fantasmas
coxos e cegos.
Ninguém descobrirá
que a produção é humilde:
o demônio contrito a rezar,
pensando
que também
é
filho de Deus.
Ainda não sei quando recomeçarei
a tarefa atormentada de colorir idéias
do jeito que os homens organizam
um banquete para muitas pessoas.
Vou fabricar com as mãos
os poemas.
Não posso garantir o local exato:
sei que está no interior
a dor
(o amor?),
que me perturba e
me persegue.
Logo que o dia desceu da carruagem,
Adivinhei:
Manhã? Tarde? Noite?
Eu sabia: noite, sim,
porque somente
o
escuro protege o que verdadeiro
é.
Agarro
o que me percorre
como o vento,
eis a primeira perdição.
As luzes cochilam, tremendo
frente ao inimigo
sozinho descansando
(eu mesmo).
Não há possibilidade
de a crise diminuir.
Estou à procura do remédio,
o peito segura e esconde a angústia.
Infelizmente,
o motim é do lado esquerdo.
(E lá, não tenho nenhuma ingerência!)
Extraídos de VÉRAS, Everaldo Moreira. A INSÔNIA DO MAR. Recife: Edições Sarev, 1999. 102 p.
VEJAM O E-BOOK COM UM FRAGMENTO DO POEMA "A INSÔNIA DO MAR"
VERAS, Everaldo Moreira. A Insônia do mar. (fragmentos). Jaboatão, PE: Editora Gurarapes, PE: 2015. 34 p. 21,5x14 cm. Inclui o texto: "Lembrando Everaldo Moreira Véras", por Jarbas Maranhão, p. 27-33. Editor: Edson Guedes de Moraes. Edição limitada. Ex. bibl. Antonio Miranda. https://issuu.com/antoniomiranda/docs/everaldo_moreira_v__ras
AS MELHORES POESIAS DO 1º. CONCURSO ONESTALDO PENNAFORT. Prefácio de Eliezer Bezerra. Brasília, DF: FEBAB, 1984. 89 p, 15 x 21 cm.
No. 10 189
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda, doação do amigo
(livreiro) Brito, em outubro de 2024.
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Página ampliada em novembro de 2024.
Página ampliada e republicada em maio de 2017
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