EDUARDO DIÓGENES
Nascido no Recife, em 1954. Publicou Brincadeira no 27 (Uberaba, Editora Gráfica vitória, 1975), Malabarismo Crônico (Recife, Editora Pirata, 1980) e A barlavento (Rio de Janeiro, 7 Letras, 2000, reunindo trechos dos livros A barlavento e Arqueologia da dúvida). No ano de 1986 seu livro Malabarismo crônico passou afazer parte do acervo de escritores brasileiros na Fundação Casa de Las Américas em Havana (Cuba). Em 1993, foi incluído na Antologia da nova poesia brasileira, promovida pela Rio Arte/Funarte, organizada e selecionada pela escritora, tradutora e poeta Olga Savary. Incluído na revista Poesia Sempre (n° 12/ano 2000) da Biblioteca Nacional. Participou como narrador do filme Joaquim Nabuco: Um vencido da grande causa, de Taciana Portela (1° lugar no Margarida de Prata 2000, em Brasília). Mantém inéditos – aguardando editores – Os livros Ilha do Recife dos Navios (com apresentação de Jorge Wanderley e prefácio de Olga Savary) e Ficções.
Poemas extraídos da obra:
STEREO
INVENÇÃO RECIFE
coletânea poética 2
Delmo Montenegro / Pietro Wagner
(organizadores)
Recife: Prefeitura do Recife, Secretaria de Culura,
Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2004.
VOGAL DA FOME
( OU NÃO SE FAÇA VERSO )
1.
nada cristalmente.
seca a garganta
calada
em seu repouso
de horas e agonias.
impedidamente boca não pronuncia.
plásticas de sílabas
e adjetivos
semi-erguidos
do non sense
cotidiário
de notícias graves
e coragens breves.
entre nomes ávidos
dos mercados éticos —
palavras mortas.
2.
nada essencialmente
vazio o cérebro
amontoado
de memórias —
prateleira desarrumada
selos da história
abundantemente outra
e pouca.
nada simplesmente exato
reta a entonação agrava —
ratos dos porões mais frios.
suja a vogal da fome
entala
e não se faz mais verso.
ALGUMA ESTAÇÃO
de que adianta insistir
verbos no infinitivo
sinopses de alma
a lua se acaso cheira
não impede
o verso seja seco
pobre
e que algum olhar de lírio
seja nosso esquecimento
e não a utopia
Á MARGEM DO CANAL
à margem do canal
desfilam casas
enraizadas na lama
(se ao que se pode
chamar qualquer teto)
antes de qualquer vogal
ou geografia
entre macilenta e suja terra
nos caixotes
candidatos a banheiros
à margem do canal
CONTEMPORÂNEA
horas contemporâneas
não discursamos a fome
úlcera universal
supurada em nordestes
Outra forma de escrever
úlcera nordestina
a fome contemporânea
não silencia as bocas
POESIA SEMPRE. Ano 8 – Número 12 – Maio 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000.
O barlavento
Os pássaros também são feitos de tarde
ou num poema
podem voar
como escolha seu pintor;
do bicho à imagem
utilizar a metáfora.
mas
se a nada servem
ou ornamentam apenas
o delírio da impossível liberdade,
os pássaros voam na tarde
e os avisto grafando esses versos.
Depois do apito
Operárias tomam o ônibus
roupas iguais
quase todas barrigudas
saem da fábrica
para o fogão e a mesa.
depois na cama
servem à sanha de seus homens.
quando não
levam uma surra.
Arqueologia da dúvida
Silêncio interior
moscam pousam pelos braços
um cachorro dorme
embaixo do caminhão.
o que é sentir
o nada sentir?
se ao mundo
apenas se empresta
o destino, a passagem, o delírio
um boi manso na campina
é mais bonito do que esse homem
que habita em mim.
Página publicada em julho de 2010; página ampliada em maio de 2018
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