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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


EDMIR DOMINGUES
Autorretrato

EDMIR DOMINGUES
(1927-2001)
 

Poeta, advogado., nascido em Recife a 8 de junho de 1927. Nascido em numa família pobre, sua infância, vivida em ambiente urbano, marcou-se mais de invenções do que de realidades. (...) Bom desenhista, financiou grande parte de seus estudos - estudante pobre que era - com o dinheiro que ganhava fazendo ilustrações para revistas, gráficos de produção para indústrias e slides para propaganda em cinema.

Em 1946 entrou para a Faculdade de Direito do Recife, tendo como colegas os teatrólogos Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho, o romancista e pintor Gastão de Holanda (...)

Em 1958, juntamente com outros intelectuais pernambucanos, fundou a seção pernambucana da União Brasileira de Escritores - UBE, onde compôs a primeira diretoria, juntamente com Paulo Cavalcanti, Carlos Moreira, Carlos Pena Filho, Audálio Alves, Cézario de Melo, Renato Carneiro Campos, César Leal, Lucilo Varejão Filho, Olimpio Bonald Neto, José Gonçalves de Oliveira, Jefferson Ferreira Lima, Clóvis Melo e Abelardo da Hora.

ObrA: A Rua do Vento Norte. Recife: Editorial Sagitário, 1952; Corcel de espuma. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1960; Cidade Submersa e outros poemas. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1972; O domador de palavras. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1987; Universo Fechado ou O Construtor de Catedrais. Recife: Edições Bagaço, 1996. Lusbelino. Recife: Edições Bagaço, 1996. Fonte: wikipedia

 

SONETO

 

Tordilhos, alazãos, cavalos baios

neste campo de mar nos são de espanto,

que é rosa a rosa, canto apenas canto,

e os cavalos são rendas, contemplai-os.

 

Jazem despertos, lúcidos lacaios

de vestes vagas cuidam no entretanto

do seu possível sono a bem de manto

para que os não de ventos e de raios.

 

Há cavalos vermelhos, mas não esses

porquanto quase azuis. Se os conhecesses

não teria o meu reino e os meus cavalos.

 

Que ao fim seriam teus, que és feita em bruma,

esses que são de mim corcéio de espuma

de quem só sabe azul no contemplá-los.

 

                                          (Corcel de Espuma)

 

SONETO

 

Percamo-nos no sal que o sal nos veste

e há nos levar ao reino das janelas

onde os brinquedos pendem do cipreste

nascido sobre as manchas amarelas.

 

E onde os ventos que sopram de nordeste

fazem-se mãos e ritmos como aquelas

mãos que teceram fios azul-celeste

levando ao mar as mais que nossas velas.

 

Mas não houve, e houve volta a essas vulgares

coisas, que não de vento e não de mares,

de quartos e silêncios prolongados.

 

Quando as damas e os bispos preto e branco

seguiam mais o rei que esse era manco

peões que eram de chumbo e eram soldados.

 

                                     (Corcel de espuma)

 

 

 

Poema para Velhos

 

 

onde se fala da emoção imperdoável — e vergonhosa

— das lembranças do País chamado Infância.

 

Nas comarcas de Infância havia vida.

          O que fiz dessa vida?  Que sei eu? 

          Onde estão os anseios desse tempo?

          Pois havia, no então, as borboletas

          de asas azuis, que agora já não vejo,

          as quais eu perseguia, sob as sombras

          das bananeiras e dos laranjais.  

          Que fazer, neste instante, para vê-las

          em viagem de volta aos tempos idos?

 

          É muito tarde, Amor, é muito tarde.

 

          Cantava o sabia sobre as palmeiras

          que os ventos marinheiros balançavam

          como as brisas beijavam as bandeiras.

          Como tornar atrás, sem instrumentos,

          sem mapas nem roteiros, destruídos

no fragor dos combates os sextantes?

 

          É muito tarde, Amor, é muito tarde.

 

          Os perfumes de Infância, nos cabelos

          da bem-amada, onde estarão nesta hora? 

          As pipas coloridas, os campinhos

          de várzea, num País de Juventude?

          Tudo isso acabou.  Toda a pureza

          morreu, estraçalhada pelas Máquinas. 

          As crianças de agora se realizam

          na frieza dos seus computadores,                                        

curtindo os seus Heróis da Violência,

          com sangue, sangue.  E cada vez mais sangue.

 

          Não pisaram, jamais, terras de Infância.

          já não creem no Lobo, na Avozinha

          do Chapeuzinho, a Casa da Floresta

          construída de puro chocolate.

 

          Papai Noel existe, com certeza,

          para aqueles que sempre creram nele.

 

          A Pequena Sereia, Os Três Porquinhos,

          sandálias de cristal da Cinderela,

          e João, Maria, os Ovos de Ouro, tudo,

          mesmo o Patinho Feio que era um cisne,

          já não são coisas da imaginação.

          São tevês, são cinema, sem o apelo

          das histórias de Infância.

 

          (Capineiro

          do meu Pai, por que me cortas o cabelo?

          Minha mãe me penteou, minha Madrasta me enterrou,

          pelo figo da figueira que o pássaro picou... )

 

          É muito tarde, Amor, é muito tarde.

 

          Como as, outras histórias, sob a Lua

          e sob os copiares, Lobisomens

          e Mulas sem Cabeça, e Curupiras

          com seus pés para trás, como antevendo

          o para trás que cresce em tudo, agora.

          E Anhangá, e a Alamoa, e o Negrinho

          do Pastoreio entregue ao formigueiro.

          Tudo morreu, nas garras do Progresso,

          que é um bem, que é um mal inevitável.

 

          A leitura está morta.  Os livros todos

          deverão ser lançados às fogueiras.

          — Menos os bestasséleres que vendem

          como vende o pão-quente em padaria.

 

          Resta agora a pergunta: como então

          apertar mãos de Acab e de Simbad,

          encontrar Aladim, seu servo, o Gênio,

          escutar Sherazade, noite a noite?

 

          Tudo acabou, e os sons da vida nova
          são pios de Corujas, retalhando

          as mortalhas do tempo, do meu Tempo.

          Habita agora o Corvo no meu quarto.

          Nunca mais voltarei a Infância, a antiga

          pátria dos sonhos bons, das esperanças.

 

          É muito tarde, Amor, é muito tarde

 

 

 

 

A NOVA POESIA BRASILEIRA. Organizado por Alberto da Costa e Silva.  Lisboa, Portugal: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa, 1960.  291 p.  19 x 27 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda


        SONETO

       
De fabulosos céus, e fabulosas
        noites de fabulosos incidentes,
        de mãos crispada não, de asas doentes
        repousando em jardins de antigas rosas.

        Das outras mãos tornadas vaporosas,
        quanto mais longe tanto mais presentes
        às carícias de braços abstinentes,
        de nossas mãos também, por mais nervosas.
 

Mariposas sonâmbulas espargem
das asas cinza em risos de outra margem
negada a quem ficado em porto sujo.

 

Quem de gestos noturnos se consome
despido de passado e antigo nome
entre risos de concha e caramujo.

 

 

 

Página publicada em fevereiro de 2009; ampliada em março 2020

 

 

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