CARLOS NEWTON JÚNIOR
“O pernambucano Carlos Newton Júnior (1966), após publicar em 2000 Canudos: poema dos quinhentos, importante retorno lírico a esse episódio mais traumático da história brasileira, editou em 2002 O poeta em Londres, livro sob todos os aspectos da maior maturidade poética, que o consagra como um dos grandes poetas dessa geração. Certos poemas nascidos de visões diretas da capital inglesa são dos mais interessantes:
A LEOA (MUSEU BRITÂNICO)
A leoa, ferida, ruge e avança
enquanto a morte a ronda com três flechas
(mas não será a morte, posto que ela
a ignora e a morte não a alcança).
O seu olhar é fero e doido instante
que não esmoreceu e ainda aferra;
a pupila dilata-se no transe
do êxtase profundo que a encerra.
Quem fez brotar da pedra essa beleza?
Onde se oculta a sua força estranha?
Se atrás eu vejo as patas esmagadas,
as da frente sustentam-lhe as entranhas.
A espinha dorsal dessa leoa:
talvez ali esteja a chama ardente
da vida que se espalha e que escoa
pelos poros da pedra, pela boca,
pelo rugir da fera e os seus dentes.
Extraído de BUENO, Alexei. Uma História da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2007. ISBN 978-85-98815-06-0, p. 3405-406.
Gato
Leveza, pulo
um quase vôo
mas porém sem as asas
do que noutro instante comeu.
O sempre-alerta:
estar e não estar mais.
O lúcido instante
entre o eterno e o fugaz.
Mesmo em grave momento
de fome à beira do prato
bebe o leite à margem
da fuga, do salto.
Peixe
O peixe
e sua inquietação de faca
no rio
vivo corpo frágil
que ele
(já que viver é ferir)
a todo instante
ataca
o rio
banhado de sol
e seus reflexos
minúsculos pontos
de ouro e prata.
Página publicada em agosto de 2009
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