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ANTÔNIO RANGEL BANDEIRA
(1917-1988)
Nasceu em Recife, Pernambuco, em 24 de outubro de 1917. Poeta, cronista, ensaísta, jornalista, advogado, membro da Academia Pernambucana de Letras.
TEXT IN ENGLISH
EN FRANÇAIS
A PAUL VALÉRY
Disse-te que nasci vários
e que morri um só.
PAUL VALÉRY (Eupalinos)
Disse-te que nasci um só
E que morri vários?
Ou nada te disse sobre
O desdobrar-se de mim,
Nesta teia de seres
Que cada dia cresce,
Sufocando o ser
Original que fui?
Que seres são esses
Que se agregaram a mim,
Imitando meus gestos
E minha voz, qual
Herdeiro de esquecidas
Memórias? Disse-te
Que hoje sou tantos
Que nem mais reconheço
Minha face envelhecida,
Meu signo particular?
Quem sabe, nada te disse.
Não sei falar sobre o que
Desconheço. Mas posso sentir
Que alguns de mim
Estão morrendo. Outros
Tantos de mim se
Despregam dos contraditórios
Labirintos de mim mesmo.
Não sei onde começo,
Nem onde acabo. E outra
Dúvida se acrescenta:
Quando eu morrer
Qual dos meus eus estará
Sendo enterrado comigo?
E os outros, os que não me
Seguirem, continuarão
Vagando por ai, continuando
A expor o meu tormento?
Se eu te disse que nasci
Um só e que morri
Vários, foi porque o dom
Da vida se dispersou
Em mim, fazendo de um
Só poeta possível, um
Deserto permeado. Só os
Veros poetas nascem vários
E morrem um só, Eupalinos!
CLAUDIUS, IMPERATOR
O livro-arbítrio
Morreu. Batem à porta.
— É o destino. Seja,
Ou o nome que os fados
Tenham. É inadiável,
Intransferível.
Todas as maldições
Devem acontecer.
Se as bruxas cantam
Seu estribilho,
O melhor é
Não ter nascido.
Não vale mudar
O nome, disfarçar
A gagueira. Claudius
Claudicante será.
Nada pode alterar
A sequência dos dias.
Ninguém arreda pé
Da sentença da sina,
Sinal e signo
Da vontade dos deuses.
Cumpra-se. Antes
Que o Império acabe.
VISIBILIDADE ZERO
Confesso que estou cansado.
Sobretudo, de mim mesmo.
Se o telefone tocar digam
Que não estou. Quero ficar
Sozinho. Nem quero saber
O que se passa no mundo.
Até a fé na vida perdi.
Não me suporto mais.
Este conflito já dura
Demais entre eu e
Mim mesmo. Vejo
Que vivi uma vida de sonho
Num mundo de cães.
E se me observo melhor,
Percebo que estou latindo.
O CIRCO
Minha casa volante
De vazio e sonho.
O trapézio em que
Me equilibro desde
O dia em que nasci.
A jaula das feras
Com que convivo.
Os palhaços que
Nos reproduzem.
Os domadores que
A nem todos domam.
As amazonas que
Não sabem amar.
O público que não
Nos vê e não aplaude.
Circo: círculo
Concêntrico desta
Roda viva
De purgação
E espera.
Mas se o circo parte
Fico ainda mais só.
AMOR E MEDO
És bela, eu velho;
Tens amor, eu tédio.
Que adianta seres
Bela, se a beleza
É coisa externa que
Não está no coração?
E minha velhice
Não te interessa
Já que, na vida,
Seguimos destinos
Opostos.
Tens amor, bem sei
É próprio da idade,
Que amor é
Tão somente impulso
Da natureza cega,
Para perpetuar
A miséria amarga
De nosso próprio
Infortúnio.
És bela, fui moço,
Tens amor, eu... medo.
Texto extraído da REVISTA DE POESIA E CRÍTICA, Ano III, N. 5, 1978. p. 2-6
BANDEIRA, Antônio Rangel. Poesias. Poemas de Janeiro * Musa Aventureira * O Baralho. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, s.d. 92 p. 14x19 cm. Autografado pelo autor em 1946. “ Antônio Rangel Bandeira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
O BARALHO
Em leque
Insubsistente
Caiu da memória
A ordem mistura as cartas
As cartas perturbam a ordem.
O mundo prossegue
De naipe em naipe
Com a outra metade dós corpos
Tristemente mergulhada no mar.
SUGESTÃO PLÁSTICA
Endormidos vultos marinhos
Cavalos comerciais
Gramáticas portuguesas
Dicionários de Seguier
E uma vela acesa na medida do tempo.
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TEXT IN ENGLISH
AN INTRODUCTION TO MODERN BRAZILIAN POETRY. Verse translations by Leonard S. Downes. [São Paulo]: Clube de Poesia do Brasil, 1954. 84 p. 14x20 cm. “ Leonard S. Downes “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
THE END OF THE WORLD
All the newspapers will issue special editions
And a tram will still have time to pick up one passenger.
The President will speak words of comfort to the nation.
The firemen will be at their stations
As when waiting for any great cataclysm.
For lack of electricity men will use
Old-fashioned paraffin lamps.
The poet will be lost in thoughts
Of a purely personal nature.
A telegram will clear up the details:
—Compass needles will point in any direction
And telegraphic signals will be lost in space.
Moreover a few stars will fall into the sea,
Classically.
And amid the shut and applause of the spectators.
The resurrection of the body will be announced.
From
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA. Ano XIV no 15 Brasília, 1990. Diretor responsável: José Jézer de Oliveira
POEM FOR LETITIA
Salt sea
Of youth,
I use Letitia
As a food.
Letitia vitamin
Sustains.
Letitia perfume
Scents my handkerchief.
Letitia lightening
Illumines all.
Her body cures
Re-creates
Raises from the dead
And compounds of her
Remake life, Letitia
Remakes life.
I use Letitia
As the summer.
(Translated by Leonards S. Downes)
EN FRANÇAIS
ANTONIO RANGEL BANDEIRA
— Né à Récife en 1917.
Etudia le droit dans sa ville natale. — Son livre Poesias remporta le prix de la Fonda¬tion Graça Aranha en 1946. Journaliste, critique musical (il tient une rubrique dans un magazine de Rio), il fait encore de la publicité pour une com¬pagnie de transports aériens. Bibliographie : Poesias, 1945.
TAVARES-BASTOS, A. D. La Poésie brésilienne contemporaine. Antologie réunie, préfacée et traduite par… Paris: Editions Seghers, 1966. 292 p. capa dura, sobrecapa. Ex. bibl. Antonio Miranda
RUE LYRIQUE
La Rue Lyrique vous attend
O mes amis et compagnons.
Je ne sais pas où elle perche
Ni ne sais comment elle est
Je n'y ai jamais habité
Je ne sais pas combien de maisons elle compte
Ni ne sais qui y habite
Prostituées tailleurs usiniers
Couturières lépreux ouvriers
Je ne sais pas si elle a un arbre
Pour nous abriter
Je ne sais pas si la Révolution s'y prépare
Je ne sais pas si on y aime souffre pleure
Je ne sais pas si elle a lumière hygiène téléphone
Je ne sais pas pourquoi elle existe
Même pas si elle existe
Mais je sais qu'elle vous attend.
Je sais qu'elle vous attend
O mes amis et compagnons.
« POESIAS »
LE JEU DE CARTES
En éventail Périssable
Il est tombé de la mémoire
L'ordre brouille les cartes
Les cartes troublent l'ordre
Le monde continue
De couleur en couleur
Avec l'autre moitié des corps
Tristement plongée dans la mer.
(Idem)
LA RONDE SINISTRE
La ronde du temps préservée dans l'alcool
Cherche le voleur de la nuit.
Le ronde ne s'arrête et ne s'attarde pas
La ronde poursuit son chemin
La ronde rencontre une diligence
Tirée par huit chevaux
(Quatre chevaux aveugles...
...et quatre chevaux morts).
Il y a une lanterne rouge
Et une taverne fermée.
La ronde ne sait plus que faire
(La ronde du temps préservée dans l'alcool)
Et boit l'alcool qui la préserva.
(Idem)
ACCLAMATION DES ANGES
Câblogrammes par fil spécial
En somnambules verticales
Réquisitionnent le monde inconsolé.
Calculs froids d'anges
Expérimentés
Dominent la mathématique des hauteurs.
Des gratte-ciel se nouent de vertes guirlandes
Et se balancent dans les new-yorks des songes.
Il y a des sanglots partout
Des antennes vibratiles et de la poésie
Beaucoup
Dans la bouche les seins les regards
Où les symptômes sont tous
Positifs.
(Idem)
LES VOIES DE COMMUNICATION
De prévisibles signes de tempête
Etourdissent les espaces configurés
De ma géométrie.
D'étranges communications, perpétuelle inutilité
Des audaces et de vagues réhabilitations
Autour de moi.
Californie des choses
Soldat inconnu
Et paralytique.
Chaos de ce monde
En nuit accueillante.
Ma projection rapide et foudroyante
Allant à l'encontre de mon corps
Endiablé.
Mystères souterrains, cataractes du rêve,
Veuves attendant les maris défunts.
Haine à tous les cadrans.
Avions croisant les espaces.
Le rayon de la mort purifie le monde.
(Idem)
Página publicada em fevereiro de 2011; página ampliada e republicada em janeiro de 2015; ampliada em junho de 2017; ampliada em dezembro de 2017
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