Foto: traco-freudiano.org
ANITA DUBEUX
Nasceu no Recife, Pernambuco. Formada em Ciências Econômicas. Consolidou carreira profissional na área de planejamento econômico, tendo residido no Rio de Janeiro, Teresina (PI) e no Recife, onde vive atualmente. Fez cursos de especialização técnica na cidade do México, em Paris e em Santiago do Chile. Como consultora, participou da elaboração de estudos econômicos e diagnósticos culturais em diversas cidades brasileiras. Participou de inúmeras publicações técnicas como inventários turísticos, diagnósticos e estudos econômicos, artigos, planos de desenvolvimento de municípios, estados e regiões.
Paralelamente à atividade profissional, dedicou-se à escritura de textos literários e poesia, pintura em nanquim, acrílica e aquarela. Leitora contumaz, passou a integrar a Oficina de Criação Literária Clarice Lispector, no Recife, a partir de maio de 2016.
Fonte da biografia: traco-freudiano.org
DUBEUX, Anita. Círculo de seda. Prefácio por João Gratuliano. Lisboa: Chiado Editora, 2017. 141 p. 11 x 19 cm. ISBN 978-989-774-463-1
Ex. bibl. Antonio Miranda
Os deuses são estranhos. Não só utilizam
nossos vícios como instrumentos para ferir-
nos. Levam-nos à ruina pelo que há em nós
de bom, amável, humano, afetivo.
, Oscar Wilde
YAMBO
Homenagem a Umberto Eco
No aposento espaçoso, jaz no leito de sono.
Pessoas conversam sussurrando e em
seus rostos cansados, vestígios da vigília.
Não é percebido seu despertar.
Quanto tempo teria transcorrido
na travessia do túnel sem luz?
Horas, semanas, décadas?
Quem eram os estranhos que o
olhavam com ternura e receio?
O estado de graça no qual viveu
nunca foi percebido na dimensão mundana,
diferente do país interior onde
a projeção do amor impossível,
vivenciado em plenitude,
permitiu a caminhada em terra firme
e a repartição de dádivas
aos que compartilharam sua existência.
O que estivera buscando? A imagem de Lina?
A inútil paixão que deu sentido a sua vida?
— Não sou o que vocês conhecem, sou um outro.
No túnel escavado na memória do tempo,
a preciosa chama.
O segredo fora revelado, afinal.
Recebera a senha sagrada
da palavra de luz: o Nome dos Nomes.
Ninguém ouviu o murmúrio
dos seus lábios,apenas perceberam
intensa luz nos olhos,
antes que se fechassem para sempre.
Lá fora, a aurora extinguiu
a treva lançando os primeiros raios de sol
sobre a cidade dos vivos
.
Demoras-te na porta quando entras,
és como um acanhado adolescente.
Com uma auréola de aneizinhos
fumegantes — te circundo.
Eugenio Montale
(R)ESISTIR
Meu corpo te, teu corpo meu,
substância indivisível.
O único alento da eterna dor é o momento
supremo da completude dos corpos,
legitimados no êxtase da união.
Simbiose de beleza e harmonia,
similitude em pedra, do jardim
de Faunos e Unicórnios.
O Amor aprisionado que habita tua estrutura
é volúpia e repouso, predestinação e acaso,
dor e prazer que se cumprem
na eternidade do instante.
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé.
Fernando Pessoa
METÁFORA
A vida é uma sala circular repleta
de portas com variadas inscrições de rumo:
aventura, arte, amor, paz, luxúria, sabedoria,,
autoconhecimento,, desafio, sacrifício.
O viageiro indolente procura os umbrais que
conduzem aos prazeres e recompensas imediatos,
toma sempre a direção do conforto,
comodidade do que é conhecido.
Viageiro inquieto escolhe portas
que se abrem para sendas temerosas.
Penetra no secreto domínio dos deuses
e não há remissão para o arrojo.
Conhece jardins de beleza inimaginável,
florestas de magníficas árvores imemoriais,
pássaros de plumagens indescritíveis e insólitas
borboletas com suas inefáveis simetrias.
Versos dos poetas preferidos e
sublimes sinfonias acompanham-no,
Animais selvagens e belos deixam-se afagar
Prova o mais requintado alimento.
Conhece o Amor que a raros mortais é dado saber.
O viageiro é um deus!
O tigre feroz aninha-se aos seus pés.
Roseirais de múltiplos matizes sob o céu azul
e a linha do mar encantam os olhos,
à medida que avança em direção ao conhecimento.
Espinho e pedra dificultam a caminhada,
ferem os pés sangrantes, fustigam o corpo —
tributo à descoberta do imponderável.
Os deuses consentem ao viageiro — que
busca conhecer o coração da selva interior —
penetrar em seus domínios secretos.
Cumprido o Destinos emprestado que
tornou grandiosa sua existência,
perece como todos os mortais.
Página publicada em setembro de 2019.
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