As palavras
As palavras, imunes à lembrança,
flutuam na noite de coral,
inquietas hamadríades ao sabor dos ventos…
Escorregam pelos canteiros,
despem-se em arpejos vegetais,
borboleteiam a luz, antecipam as mariposas
e se deixam embalar nas ondas, turmalinas.
Na água branca, no cisne incolor,
por trás da paisagem, como um poema de dor.
E lhes foge apenas a esfíngica morte
no grito de animal inventado,
fabular e inominável.
Mas são delas os lampiões apagados.
O besouro
Sob as aleias esparsas
pousa um pequeno besouro
no jardim das flores baças,
botão de ouro.
E como um sol ele invade
o triste jardim das rosas
opacas, sem majestade,
invejosas.
Mas a rosa não atende
(sem o sumo que se borre)
e com a corola o prende.
Ele morre.
Paradoxo
Amo e desprezo a vida em mesmo acento
e, como o nauta, irmão da tempestade,
abjuro as ondas, escarneço o vento,
irmanado à ciclópica Vontade.
Desconheço o futuro e meu passado
é onda, brisa, fumo, sonho altivo…
mas houve tanto instante ensolarado
e tanta formosura ainda vivo!
E nessa dupla sorte eu venço os dias;
ora aspiro à luz, ora indago a treva,
buscando unir opostas harmonias.
Em amor e desprezo a alma se inflama
e, qual aparição, ao céu se eleva
como a calçada verte o céu na lama.
Eu me abrigo
Eu me abrigo
No silêncio das estrelas
Onde o vento tange
A harpa da eterna idade
Sonho que não almejo
Porque já me basta
A estrada percorrida.
O resto é pura procura
Sem encontro.
Duro caminho
Sou aquele pássaro
Que perdeu seu canto
E a arte do voo.
Agora
Somente me resta
O duro caminho
Da tristeza.
Estrela amiga
Estrela amiga distante
Transida de silêncio
Neste infinito de estações
Ausentes onde pousando
Meus olhos adormecem
Sonhando estreita em meus braços.
Estrela amiga antiga
Não te quero contemplada
Em pálidas pradarias
Quero-te companheira
Via inteira me alumiando.