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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

WAGNER SCHADECK

 

Wagner Schadeck nasceu em 1983, em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL) e com a Revista Poesia Sempre (BN). Traduziu as Odes, de John Keats, e As Neuroses, de Maurice Rolliant, pela Editora Anticítera, ambos os projetos no prelo. Em 2015, organizou a reedição de A peregrinação de Childe Harold, de Lord Byron, pela Editora Anticítera.

 

 

BALADA FANTÁSTICA

 

1.

Meia-noite. Com o estrondo dos estrados

E tábuas toscas do asqueroso esquife,

Major Vieira, um heráldico patife,

Despertava a cidade com seus brados.

 

Era assim desde seu sepultamento.

Todas as noites, qual conto poesco,

Ao dar às horas, o defunto fresco

Entoava um tristíssimo lamento.

 

De dia a multidão seguia aflita

Às igrejas, escolas, pátios ermos;

Entrava-se em contenda nestes termos,

Falando que sua história era maldita:

 

Matara o próprio pai em pífia aposta

de jogo: era uma rixa de sinuca.

E em casa, ele deixara a mãe maluca

Por agressões sem mínima resposta.

 

Morrera à míngua; não ganhara a bênção

de defuntos, nem vela, cruz ou missa…

E o que a curiosidade não atiça?

Ora morto, as legendas o compensam…

 

Em secreta reunião, os potentados

E os religiosos, em acordo unânime,

Precisavam de alguém não pusilânime

A carregar-lhe os restos exumados.

 

 

Mas o único disposto a tal serviço,

Tão digno de coragem e de arroubo,

Estava condenado por um roubo,

Seria perdoado então por isso?

 

Propuseram-lhe na prisão um sério

Acordo pra recomeçar a vida.

Rubião, requestando uma guarida,

Disse que à noite iria ao cemitério.

 

Na hora marcada, apenas dois coveiros

Esperavam-no junto à sepultura.

E ao chegar, ele sai logo à procura

De marretas, de pás e de ponteiros.

 

Quebrou-se a lousa, a percutir no beco.

Com unhas grandes e cabelos ruços,

O monstro revirara-se de bruços:

Era um belo e hediondo corpo-seco.

 

Os coveiros buscavam uma grossa

Corda a içar-lhe a carcaça numa viga;

Sacando-o com um abraço na barriga,

Rubião transportou-o para a carroça.

 

Com o monstro, Rubião, brandindo o açoite

Contra os cavalos, súbito, na esteira,

Deixou a lua argêntea e a rubra poeira,

Que pintaram pra sempre aquela noite.

 

2.

No meio do caminho, aperta a brida.

Os cavalos relincham; lhe consome

O estômago uma inesperada fome.

Ignora a náusea, serve-se a comida:

 

Chá preto, vinho tinto, broa e pesca…

Junto ao monstro, mexendo no despojo,

Não revela, contudo, nenhum nojo,

Sorvendo um prato de coalhada fresca.

 

Como um morcego, morde-o momentâneo

Calafrio: com febre, a frio sua.

Delirando, ergue os olhos para a lua

Que era como um fosforescente crânio.

 

Recorda a morte. E assim contabiliza

A travessia trágica por vir.

Com o monstro, se acomoda pra dormir,

Tendo ensopado o pano da camisa.

 

3.

Despertando, repõe o monstro às costas.

Dessa jornada hedionda em breve é o cabo.

Pra chegar à Garganta do Diabo,

É preciso descer pelas encostas.

 

Atando a corda então nalgum pinheiro,

Abraça-se no monstro e se pendura.

E a mergulhar no abismo de amargura,

Salta da beira do desfiladeiro.

 

Como a aranha que em seu engenho borda

O embrulho de um inseto paralítico,

Rubião, posto ao pé de um eucalipto,

Prende aquela carcaça com uma corda.

 

– Estava livre! Livre era a cidade

Que empestara essa Esfinge de Neurose!

Porém, naquele enxerto, uma simbiose

Selava esta última fatalidade.

 

Naquela hora Rubião tivera medo.

Com grito horrível de ecoar no poço,

Súbito, um galho quebra-lhe o pescoço,

Espirrando seu sangue no arvoredo.

 

Desde então é que, em todos os invernos,

O pálido eucalipto registra,

Despindo as cascas secas, a sinistra

E fatídica história dos infernos.

 

 

 

Extraído de

CÂNDIDO – Jornal da Biblioteca Pública do Paraná. N. 64 – Novembro 2016.

 

 

Página publicada em dezembro de 2016


 
 
 
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