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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

 

SOLIVAN BRUNAGA

 

 

 

Nasceu em Dois Vizinhos, Paraná, Brasil, em 1968. Autor de Incoerências (2004) e Encantador de Serpentes (2007).

Vive em Quedas do Iguaçú.
Mantém o blog
www.pergaminhosolivan.blogspot.com

 

 

 

 

COYOTE.   Revista de Literatura e Arte.Londrina, Paraná: Outono 2011. No. 22. KAN EDITORA.   ISSN 1677-50233   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

 

APONTAMENTOS SOBRE MINHA DISLEXIA E DALTONISMO

 

 

O daltonismo
amputou algumas cores
do meu olho.
Por isto

esta dor perante o arco-íris.

 

A dislexia faz minha mão gaguejar erros quando escrevo.

 

A dor é colorida,

havia dor no quarto amarelo e nos ciprestes retorcido de angústia.

Dor quando cinza é uma dor daltônica.

 

Livros me foram incompreensíveis e fascinantes
os lia com imaginação mística de quem lê búzios.

 

Quando não consigo saber uma cor, cheiro,

sei o odor do vermelho e qual o perfume do verde.

 

Não sei quando o Flamboyant sangra flores,

nem onde esfaquear uma palavra com acento agudo.

 

 

 

PARAÍSO

 

 

Ontem estive no Éden e senti dores no paraíso,
vi anjos lindos morrerem de peste negra
canários e andorinhas afogados
nadarem em um aquário
que tem forma de um Cristo crucificado.
Com saliva de tigre temperei a salada.
Comi carne com sabor de morangos.
Como um dândi
andei com roupas feitas de ovos pelas ruas

com negros
amarrados por correntes e grilhões

feitos de pombas brancas.
Comprei um templo vermelho
um descongestionante nasal
com o qual respiro
cacos de vidro, pedras e giletes

assim consegui
beber chimarrão com água do Atlântico.

Junto com humanos que evoluíram de bonobos
engravidei uma estátua de Afrodite
ouvindo um leão cuja
pata esquerda cantava como rouxinol
enquanto esculpia uma pomba
num coração de pedra.
Era paraíso porque trocavam brincos e colares de lágrimas

por zebras mortas
e fabricavam aviões com restos de navios naufragados

 

      

 

Livros sobre Hiroshima e Nagasaki

 

Quero livros

Que deixe quem ler bêbado,

que viciem

e sejam cheios de propagandas subliminares.

Quero livros vasodilatadores,

que causem priapismo,

e se picotar suas páginas dê para fazer um cigarro de maconha.

Quero livros que dividam o mundo.

Livros que sejam excomungados,

que matem Deus

e que Deus revide escrevendo seu terceiro livro.

Livros com sabor de carne

para serem devorados por leões.

Livros que entrem como fantasmas dentro dos computadores.

Livros sobre Hiroshima e Nagasaki.

Livros nasçam em pés da marula e macieira

e que os livros vermelhos floresçam nas papoulas.

Livros que tenham cheiro de cio e cartões de crédito.

Que façam as mulheres se masturbarem.

Livros venham em formato de falo

e vibrem e que suas letras façam as vezes de espermatozóides e fecundem úteros.

Livros que gritem, que se aumente o volume das letras,

até elas deixarem os olhos surdos.

Quero livros que alucinem quem se atrever a lamber suas páginas.

Que seja pego no antidoping pelas substâncias deixadas pela leitura no sangue.

Livros pretos que voem com urubus.

Livros que explodem quando abertos.

Quero livros cheios de veneno,

e só passar a ponta do dardo na capa, pegar a zarabatana

e sair para matar macacos na selva da Venezuela.

Livros que possam ser transplantados no lugar dos corações e rins, e que se coma suas letras amargas com arroz.

 

 

 

 

Despeito

 

 

Chega

de lamber livros sujos e insossos

nas bibliotecas municipais. Não bebo mais leite empoeirado

de tetas velhas.

Quis meu lugar

mas livrarias e medalha, medalha,medalha como Mutley.

Agora vou jogar para o primeiro cão que aparecer

o osso de Homero

que comprei de um camelo de relíquias. Eu e as pombas estamos

cagando para as estátuas das praças. Quero cuspir na cara de um

auto-retrato de Rembrandt.

E fazer salada

de ciprestes impressionistas roubados. Sair

com um bando selvagem,

e matar a flechadas o touro de bronze da Wall Street.

Repartir em postas, assar

e comer com vinho barato

em um beco sujo.

Não aguento mais ver nos museus a cara centenária, mumificada do novo em sua tumba. Hora de procurar por outra coisa menos rançosa.

Vou colocar

um dedo de uma estátua grega

dentro de lata de salsichas. E com o dinheiro da indenização

tomar cerveja, transar e assistir pica-pau

nas tarde quentes. E quando estiver entediado

dobrar origamis e aviõezinhos com folhas retiradas da divina comédia

e jogar pela janela do apartamento.

Impedirei que alimentem as obras de Botero

até elas virarem El Grego.

Não cederei meu lugar neste metro lotado. Nem que entre

uma Virgem Maria renascentista como o menino.

Paguei pelo ticket.

E num dia de bebedeira, por fogo inquisitorial em uma livraria de shopping e gritar para os comparsas.

Exagerem na gasolina que os livros são aguados. Ah, sentar bebendo vodka e

sentir o cheiro bom de livros de bruxas e magos queimando, queimando,

deliciosamente queimando.

 


BABEL  Revista de Poesia, Ano 1 - Número 2 -   Janeiro a
Dezembro de 2003.  Editor Ademir Demarchi.   Santos,    São
Paulo.  ISBN No. 1528-4005    Ex. biblioteca de Antonio Miranda


SOBRE QUEDAS (DO IGUAÇÚ) E DIGRESSÕES

Os Polacos ao chegar
fatiaram as araucárias
construíram
com este lenho puro imaculado
suas casas.
Católicos martelavam com vigor
porque sabiam  que neste lenho puro imaculado
não tinha as mãos de Jesus.
A araucária não tinha o pecado do cedro.
Neste tempo
as ruas de Quedas mudavam
de plumagens ao ano
no verão áspero do vermelho
no inverno uma nupcial neblina.
Mas os eslavos e capivaras e pinheirais
da comunidade mítica
desta primeira dentição de madeira
restam apenas
algumas casas apodrecidas.
Hoje as ruas são práticas e cinzas
e prédios matemáticos
feitos de cimento e cálculos,
porém em
suas calçadas de hexógenos se mel
aparecem índios
vendendo balaios
sua solidão lembra que esta cidade
quando vista de um alto ainda parece
uma destas cidades perdidas na mata.
Não gosto do sabor insosso das linhas retas.
Artificialidades, não gosto de artificialidades.
Gosto de Gaudí
que fez o frio concreto cometer excessos
cometer luxúrias.
Já a voluptuosidade de Niemeyer
é uma voluptuosidade seca, estilizada,
voluptuosidade tem que ter exuberância,
seus edifícios parecem esterilizados, sem germes.
Não confio em lugares que não tenham germes
lugares santos são cheios de germes
a beleza é sempre cheia de germes.
Porém a artificialidade é algo racional
portanto mais humana que a exuberância.
A exuberância est sim é algo mais animal
mais artística
Os bares de Quedas
são os nascedouros das lendas
a cachaça com ervas e lascas de sassafrás
e um santo daime, um peiote.
O Orixá Mário de Andrade desce
como espírito santo
a linguagem entra em transe
peixes tornam-se monstruosos
e em quantidade milagrosa
os tiros são mágicos
e matam uma onça mitológica
e o caçador e o cavalo da anta morta
no êxtase, na língua do sonhar.
E alguém imita um polaco
coro de risos.
Das livrarias
gosto da livraria de seu João
heroicamente agarrada ao passado
um carrapato agarrado ao ano de 1967.
Mesmo o jornal do dia
se comprado na livraria do seu João
já sai um jornal cinquentenário
e muito mais sábio que o mesmo jornal
comprado na mesma esquina.
Já é um jornal
para ser guardado
uma relíquia
uma peça de antiquário.

 

*

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2024.

 

 

 

 

Página publicada em setembro de 2020


 

 

 
 
 
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